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Do algoritmo ao afeto, a onda agora é a inteligência social!

Como anda sua relação com seus amigos? Só nas redes? Se sim, atente para a principal atração de um dos maiores eventos de tecnologia do mundo

SXSW 2025: inovações tecnológicas e experiências imersivas transformam Austin em vitrine do futuro. (Amy E. Price/SXSW/Divulgação)

SXSW 2025: inovações tecnológicas e experiências imersivas transformam Austin em vitrine do futuro. (Amy E. Price/SXSW/Divulgação)

Adriano Lima
Adriano Lima

Autor do livro "Você em Ação"

Publicado em 5 de abril de 2025 às 06h01.

Não é preciso seguir à risca a antiga música de Roberto Carlos e querer ter um milhão de amigos. Se você tiver ao menos cinco com os quais possa compartilhar algumas horas durante a semana, cara a cara, ótimo! Com isso, sua saúde social ficará em dia – bem como a emocional e a física.

Essa é uma das principais mensagens da edição do South by Southwest (SXSW) 2025, realizado em Austin (EUA). Curioso notar que em um evento que tradicionalmente celebra a inovação tecnológica o foco tenha sido a essência das conexões humanas em meio à crescente digitalização da vida.

Kasley Killam, especialista em conexões humanas e palestrante de abertura do SXSW, trouxe dados alarmantes: mais de 1 bilhão de pessoas no mundo se sentem solitárias, segundo pesquisa Meta-Gallup em 140 países.

E o declínio nas interações presenciais é brutal: hoje, passamos 24 horas a mais sozinhos e 20 horas a menos com amigos por mês do que há duas décadas. Lares unipessoais mais que dobraram desde 1960, e 12% dos americanos não têm amigos próximos – em 1990, eram 3%, nos EUA.

Ter com quem contar

No mundo corporativo, esse sentimento de solidão tem um preço elevado, para empresas e pessoas. Sem alguém com quem contar nos bons e maus momentos, o sentimento de pertencer a um time ou à própria organização vai minguando.

Um levantamento da Cigna apontou que cada trabalhador desconectado custa ao seu empregador uma média de quase US$ 4.200 por ano em dias perdidos e perda de produtividade, também nos EUA. Trabalhadores solitários frequentemente pensam em pedir demissão e têm quase o dobro de probabilidade de estar procurando um novo emprego.

E não apenas isso: a Gallup perguntou a mais de 15 milhões de pessoas ao redor do mundo se elas tinham um melhor amigo no trabalho. Uma em cada três disse que sim. E as que tinham esse laço possuíam sete vezes mais probabilidade de estarem engajadas, produzirem trabalho de maior qualidade e relatarem maior bem-estar do que pessoas que não tinham um melhor amigo no trabalho.

Em uma pesquisa longitudinal com 5.000 adultos acima de 50 anos, Killam descobriu que indivíduos com redes sociais diversificadas (incluindo amigos, familiares e colegas de trabalho) tinham 20% menos risco de mortalidade precoce em comparação com aqueles que mantinham círculos restritos.

O estudo, financiado pela OMS, destaca que a variedade de relações, não apenas a quantidade, é crucial para a saúde a longo prazo

Conecta e isola

Ter um milhão de seguidores em uma determinada rede social não é uma missão impossível. Vivemos em um mundo em que nossas relações estão cada vez mais mediadas pela tecnologia digital fortemente impactada pelo avanço da inteligência artificial.

Estamos na era da hiperconexão desconectada. Enquanto 70% dos usuários globais já usam IA em dispositivos pessoais (como tradução em tempo real) e 80% das empresas adotarão APIs como ChatGPT até 2026, de acordo com o Gartner, as relações humanas minguam. A IA generativa promete eficiência, mas esbarra em um limite claro: ela não substitui a complexidade das interações humanas.

Como assim? Sistemas de IA automatizam atendimento, analisam dados e até simulam empatia, mas falham em captar nuances como ironia, tensão não verbal ou aquele feeling que só surge em uma conversa de bar após o expediente.

Em outras palavras, “o santo não bate”. Chatbots podem resolver problemas, mas não criam confiança. E aqui está o ponto: a Inteligência Social (IS), a habilidade de navegar em dinâmicas grupais e construir redes significativas, é a última fronteira que a tecnologia não domina.

Conjugar da forma correta

Discute-se tanto IA, falou-se tanto de IE, mas nunca demos o devido destaque para a IS. Muitas organizações ainda não reconhecem que saúde social – e, por extensão, a IS – está diretamente ligada a resultados como criatividade, resiliência e redução de custos com saúde ocupacional. Há uma forte tendência a tratar saúde física e mental de forma isolada, negligenciando o papel das interações sociais. É preciso saber conjugar essas três inteligências.

A IA transforma o mundo corporativo ao automatizar tarefas, analisar dados e otimizar decisões, com ferramentas como algoritmos preditivos e chatbots impulsionando eficiência e redução de custos.

Mas ela se restringe à esfera técnica: cabe aos humanos interpretar contextos, tomar decisões éticas e gerenciar relações complexas, lacunas que são preenchidas pela inteligência emocional (IE), a capacidade de gerenciar emoções próprias e alheias, e pela IS, habilidade de construir redes de confiança e navegar em dinâmicas grupais.

Ou seja, de um lado a tecnologia molda paradoxalmente a IS e a saúde social, servindo tanto como ponte quanto como barreira nas relações humanas. Por outro, plataformas digitais transcendem fronteiras físicas, permitindo a manutenção de laços afetivos e profissionais a distância, como visto em redes corporativas globais.

Comunidades online, desde fóruns de apoio a grupos de mentoria, nutrem senso de pertencimento e oferecem recursos para desafios sociais e emocionais, como plataformas de e-learning que capacitam indivíduos a desenvolverem habilidades interpessoais. Além disso, ferramentas de comunicação virtual democratizam a inclusão, beneficiando pessoas com dificuldades em interações presenciais, como neurodivergentes ou profissionais remotos em regiões isoladas.

O bom uso da tecnologia pode e vai além. Aliada com a IS, ela permite que empresas possam criar ações que geram mais negócios. Organizações como Nike e Dove mostram que saber utilizar a IS gera resultados tangíveis. A Nike abraçou uma polêmica ao lançar a campanha Dream Crazy com Colin Kaepernick, ex-jogador da NFL que protestou contra o racismo ajoelhando-se durante o hino dos EUA.

O slogan Believe in something. Even if it means sacrificing everything ecoou como um manifesto geracional: a campanha gerou US$ 6 bilhões em mídia espontânea e 31% de aumento nas vendas online, provando que autenticidade vende.

Já a Dove desafiou a indústria da beleza com a campanha Real Beauty, usando mulheres reais (de todas as idades, tamanhos e etnias) em suas peças. Em 2023, o filme Cost of beauty expôs os danos dos padrões irreais, gerando 20 bilhões de visualizações e posicionando a marca como líder em confiança. Em ambos os casos, o segredo foi o mesmo: usar a IS para ler demandas sociais não atendidas e transformá-las em narrativas que ressoam emocionalmente.

Resolver o paradoxo

No entanto, a tecnologia pode corroer essas mesmas conexões quando mal utilizada. Interações virtuais superficiais, substituindo conversas presenciais, atrofiam habilidades como leitura de linguagem corporal e empatia, essenciais para a IS. Redes sociais, embora conectem, frequentemente alimentam comparações tóxicas e ansiedade, enquanto cyberbullying e assédio online minam a saúde mental.

O excesso de automação, como chatbots incapazes de captar nuances emocionais, e a cultura do always on geram isolamento e esgotamento, exemplificado por equipes que, mesmo conectadas digitalmente, sentem-se socialmente desconectadas. Empresas que priorizam métricas de produtividade sobre relações autênticas (por exemplo, monitoramento excessivo via IA) acabam fragilizando o tecido social organizacional.

Para equilibrar esse paradoxo, é essencial um uso consciente e estratégico da tecnologia. As organizações devem integrar ferramentas digitais com práticas presenciais, como políticas que limitem o tempo online e incentivem encontros regulares.

Com um número cada vez maior de empresas voltando ao trabalho 100% presencial, essa é uma boa oportunidade de retomar e fortalecer esses vínculos.

Por essa razão, o novo ambiente de trabalho deve ser encarado mais como um local de troca de experiências e ideias, com ambientes mais colaborativos, que permitam essa sinergia e encontros. Obviamente que a liderança deve estar pronta e preparada para isso. Haja IE!

Que tal, nesse retorno, propor aos colaboradores caminhar cinco quilômetros por dia ou ter oito horas por noite por meio da jornada no trabalho? Calma! Não vai ser preciso colocar o pessoal na rua com tênis e camiseta ou instalar redes e mais redes no escritório.

Basta lembrar uma observação que Killam gosta de destacar: manter contato regular com pelo menos cinco pessoas queridas, uma vez por semana, por mais de uma hora, é tão benéfico para a saúde quanto a tal caminhada e a boa noite de sono. Que tal levar essas informações para mais amigos? Que tal um milhão deles?

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