Ciência

USP propõe nova estratégia terapêutica para tratar câncer

O estudo mostra que uma proteína desempenha um papel-chave no fenômeno de repopulação tumoral, mesmo após eliminação das células em um primeiro tratamento

Câncer: o grupo comprovou que a ativação desse receptor induz a proliferação das células tumorais (iStock/Thinkstock)

Câncer: o grupo comprovou que a ativação desse receptor induz a proliferação das células tumorais (iStock/Thinkstock)

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Da Redação

Publicado em 26 de julho de 2017 às 10h30.

Sempre que o organismo sofre uma agressão – seja um simples corte no dedo ou uma cirurgia – as células no entorno da lesão recebem sinais para se proliferarem mais intensamente, de modo a regenerar o tecido danificado.

No caso do câncer não é diferente. Muitas vezes, as células tumorais são praticamente eliminadas pelo tratamento com radio ou quimioterapia e, depois de algum tempo, retornam ainda mais agressivas.

Em um projeto apoiado pela FAPESP e coordenado pela professora Sonia Jancar, pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP) mostraram que uma proteína conhecida como PAFR (receptor do fator de ativação plaquetária, na sigla em inglês) desempenha um papel-chave nesse fenômeno de repopulação tumoral – pelo menos em alguns tipos de câncer já estudados pelo grupo.

Parte dos resultados foi publicada recentemente na revista Oncogenesis, do grupo Nature.

“Em experimentos com linhagens tumorais e em camundongos, observamos que fármacos capazes de bloquear PAFR inibiram significativamente o crescimento dos tumores e o fenômeno da repopulação tumoral após radioterapia. Sugerimos, portanto, a associação da radioterapia com antagonistas desse receptor como uma nova e promissora estratégia terapêutica”, disse Jancar à Agência FAPESP.

Como contou a pesquisadora, a linha de investigação teve início ainda na década de 1990, durante o doutorado de Denise Fecchio, quando o grupo mostrou que tumores induzidos na cavidade peritoneal de camundongos cresciam significativamente menos quando PAFR era bloqueado.

Nesse trabalho, os pesquisadores observaram que o tratamento com antagonistas do receptor ativou os macrófagos (um tipo de célula de defesa) e inibiu o crescimento do câncer. O trabalho foi publicado na revista Inflammation.

Alguns anos depois, durante o doutorado de Soraya Imon de Oliveira – em colaboração com o professor da Faculdade de Medicina da USP Roger Chammas –, o grupo mostrou que, em camundongos tratados com antagonistas de PAFR, o melanoma também cresce menos. Os resultados foram divulgados no periódico BMC Cancer.

Mais recentemente, durante o doutorado de Ildefonso Alves da Silva Junior, o grupo comprovou que a ativação desse receptor induz a proliferação das células tumorais, protegendo-as da morte induzida pela radioterapia. O trabalho foi orientado pela professora do ICB-USP Ana Paula Lepique e contou com a colaboração da equipe de Chammas.

“Silva-Junior mostrou que a irradiação induz a produção de moléculas semelhantes ao PAF, que ativam o PAFR na célula tumoral e induzem um aumento na expressão desse receptor e a proliferação das células tumorais. Essa ativação, portanto, promove a repopulação tumoral. Esse trabalho confirmou ainda, por métodos mais sensíveis, que os macrófagos existentes no microambiente do tumor, quando são tratados por fármacos bloqueadores do PAFR, são reprogramados para combaterem melhor a doença”, contou Jancar.

Ensaios pré-clínicos

Os experimentos que comprovaram o envolvimento de PAFR no fenômeno de repopulação tumoral foram feitos com linhagens de carcinoma de boca (humana) e de carcinoma de colo uterino (de camundongo) – tipos de câncer preferencialmente tratados por meio da radioterapia.

As células tumorais foram colocadas em um meio de cultura e, depois que começaram a crescer, foram irradiadas – simulando um tratamento radioterápico. Logo após o procedimento, foi possível observar grande produção de moléculas semelhantes ao PAF nas culturas.

“O PAF é na verdade, um fosfolipídeo produzido principalmente em processos inflamatórios e de morte celular. Como a radioterapia causa uma morte inflamatória das células tumorais, os níveis de PAF aumentam muito com esse tratamento”, explicou Silva-Junior.

Os pesquisadores então trataram parte das culturas com drogas capazes de bloquear o receptor do PAF. Diferentes moléculas foram testadas – inclusive algumas já disponíveis no mercado, mas que nunca haviam sido usadas contra o câncer.

Análises feitas logo após o tratamento mostraram que, nas linhagens expostas aos antagonistas de PAFR, o índice de morte celular pela radioterapia foi até 30% maior do que nas culturas não tratadas. Uma nova verificação feita nove dias depois revelou que, nas linhagens não tratadas, o índice de proliferação celular era bem maior, em torno de 50% a mais do que nas culturas tratadas com o bloqueador.

O passo seguinte foi injetar essas linhagens tumorais – depois de irradiadas – embaixo da pele de camundongos para observar o fenômeno de repopulação tumoral in vivo, situação em que há interação com células imunológicas e com outros fatores. Cerca de 30 dias depois da injeção, os pesquisadores mediam o volume do tumor.

“Nesse experimento usamos duas linhagens tumorais modificadas geneticamente: uma que superexpressa o PAFR e outra que não expressa esse receptor. A repopulação tumoral só aconteceu efetivamente nos animais que receberam a linhagem com superexpressão de PAFR”, contou Silva-Junior.

Em um terceiro experimento, camundongos receberam pela injeção, além das células tumorais, uma espécie de célula-controle modificada geneticamente para expressar uma enzima que produz luz, servindo como um marcador dentro do tumor.

“A célula-controle não foi irradiada, mas foi exposta ao mesmo ambiente e recebeu os sinais que o tumor estava produzindo para estimular a proliferação celular. Por meio de uma tecnologia conhecida como IVIS [Sistema de Imagem In Vivo, na sigla em inglês] foi possível medir a proliferação dessas células luminescentes e calcular o quanto a irradiação estava induzindo a repopulação do tumor”, explicou.

Resultados mostraram que, nos animais que receberam a linhagem que superexpressa PAFR, a taxa de proliferação foi 30 vezes mais alta quando as células eram irradiadas em comparação aos que receberam a mesma linhagem não irradiada.

Próximos passos

Com o objetivo de avaliar se o fenômeno observado não é específico das linhagens tumorais estudadas até o momento, o grupo do ICB-USP está replicando os experimentos em outros 10 tipos de tumores humanos. Também estão sendo feitos ensaios em que os antagonistas de PAFR são testados em associação com medicamentos quimioterápicos.

O grupo do ICB-USP testa ainda novos tipos de inibidores de PAFR nas linhagens tumorais, inclusive um grupo de moléculas isolado de um fungo marinho pela equipe do professor Roberto Berlinck, do Instituto de Química de São Carlos (IQSC-USP).

“Várias dessas moléculas se mostraram potentes antagonistas de PAFR, capazes de inibir o fenômeno de repopulação tumoral. Embora a descoberta seja relevante, o caminho para sua validação e uso em testes clínicos é longo e demanda associação entre pesquisadores da área básica, como nós, químicos para síntese de moléculas e clínicos, para testes em pessoas sadias e pacientes”, avaliou Jancar.

Para a pesquisadora, o ideal seria resgatar estudos clínicos com antagonistas de PAFR feitos na década de 1980 em pacientes com asma e pancreatite. “Para essas doenças os ensaios foram negativos, mas podem ser positivos contra o câncer. Espero que nossas publicações alertem outros pesquisadores da área para que possam dar esse passo. Enquanto isto estamos avaliando formas de proteger os achados”, disse Jancar.

O artigo “Platelet-activating factor (PAF) receptor as a promising target for cancer cell repopulation after radiotherapy” pode ser lido aqui.

*Conteúdo publicado originalmente no site da Agência Fapesp.

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