Água: relatório ressalta que abordagens clássicas não permitem que a segurança hídrica sustentável seja alcançada (Getty Images/Getty Images)
Agência Brasil
Publicado em 19 de março de 2018 às 19h12.
Última atualização em 19 de março de 2018 às 19h13.
Cerca de 5 bilhões de pessoas viverão em áreas com baixo acesso à água em 2050, caso o padrão de uso da água não seja alterado. A expectativa faz parte do Relatório Mundial das Nações Unidas sobre Desenvolvimento dos Recursos Hídricos 2018 lançado nesta segunda-feira (19), no Fórum Mundial da Água, em Brasília. O documento propõe a busca de soluções baseadas na natureza (SbN), que usam ou simulam processos naturais, como alternativas na gestão da água no mundo.
"Muitas pessoas no mundo vão entrar em uma zona de risco em pouco tempo, isso afeta a paz mundial", alertou a diretora-geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), Audrey Azoulay. A organização conduziu o estudo em parceria com outras 31 instituições do sistema das Nações Unidas (ONU) e 39 parceiros internacionais que formam a ONU Águas (UN Waters).
Para Audrey Azoulay, são necessárias novas soluções na gestão da água para superar os desafios da segurança hídrica causados pelo crescimento populacional e pelas mudanças climáticas. Segundo a diretora-geral da Unesco, a publicação pretende apoiar governos na transição para o uso de políticas públicas verdes. "Não temos água suficiente para 7 bilhões de pessoas. Agora é o momento para agirmos em parceria com a natureza e não contra ela", disse. Audrey Azoulay defendeu ainda a aproximação dos conhecimentos ancestrais de populações indígenas, que estão diretamente em contato com a natureza.
O documento mostra que, apesar da disseminação das tecnologias que envolvem a conservação ou a reabilitação de ecossistemas naturais, esses processos correspondem a menos de 1% do investimento total em infraestrutura para a gestão dos recursos hídricos. O relatório ressalta que abordagens clássicas não permitem que a segurança hídrica sustentável seja alcançada. Já as soluções baseadas na natureza trabalham diretamente com a natureza, não contra ela e por isso oferecem meios essenciais para ir além das abordagens tradicionais, de modo a aumentar os ganhos em eficiência social, econômica e hidrológica no que diz respeito à gestão da água.
A publicação conta a experiência do estado do Rajastão, na Índia, que passou por uma das piores secas de sua história em 1986. Durante os anos seguintes, uma organização não governamental trabalhou com comunidades locais para estabelecer estruturas de coleta de água e regenerar solos e florestas da região. Segundo a diretora a Unesco, a iniciativa gerou um acréscimo de 30% na cobertura florestal, os níveis de águas subterrâneas subiram em alguns metros e a produtividade das terras aumentou.
O coordenador do Programa Mundial de Avaliação dos Recursos Hídricos, Stefan Unlenbrook, lembrou dos desafios atuais na gestão da água que incluem inundações por um lado, escassez de água, por outro, além da diminuição da qualidade deste recurso. Ele reforçou o apelo do documento: "o mundo está em um caminho não sustentável e as soluções encontradas na natureza podem reverter esse caminho".
Unlembrook ressaltou que produções agrícolas podem aumentar em 20% em todo o mundo se forem utilizadas soluções verdes de gestão da água. O relatório cita um estudo que avaliou projetos de desenvolvimento agrícola em 57 países de baixa renda. O estudo mostrou que o uso mais eficiente da água, junto com a diminuição de agrotóxicos e a melhoria na cobertura do solo foram responsáveis por aumentar o rendimento da produção em 79%.
"Até 2050 vamos aumentar a produção de alimentos em até 50%. Não é um problema rural, temos um problema urbano", alertou o coordenador. Unlembrook também ressaltou que as tecnologias verdes não são a solução para todos os problemas, mas existe um potencial ainda inexplorado. "A legislação tem que ser repensada, pessoas argumentam que soluções são complicadas e que não são fáceis de executar essas ações e é verdade, mas temos uma alternativa muito mais sustentável", assegurou.
A publicação ressalta ainda que as zonas úmidas cobrem uma área de 2,6% da superfície da Terra, mas impactam de forma direta na qualidade da água. Essas regiões são responsáveis por filtrar substâncias tóxicas, de pesticidas a descargas industriais e da mineração. Segundo a Unesco, há evidências de que as zonas úmidas sozinhas podem remover de 20% a 60% dos metais na água e reter de 80% a 90% dos sedimentos de escoamento.
Para atenuar riscos de desastres naturais, alguns países estão criando zonas úmidas artificiais. A publicação aponta que essas áreas atuam como barreiras naturais que absorvem e capturam água da chuva, diminuindo a erosão do solo e os impactos com desastres naturais, como inundações, por exemplo. De acordo com o relatório, o Chile anunciou medidas para proteger suas zonas úmidas litorâneas após o tsunami de 2010. Já o estado de Lousiana, nos Estados Unidos, criou a Autoridade de Proteção e Restauração Costeira, após o furacão Katrina, que devastou a região do Rio Mississipi, em 2005.
No entanto, o documento mostra que apesar da disseminação das tecnologias que envolvem a conservação ou a reabilitação de ecossistemas naturais, esses processos correspondem a menos de 1% do investimento total em infraestrutura para a gestão dos recursos hídricos.
O Relatório Mundial das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento dos Recursos Hídricos (World Water Development Report - WWDR) é publicado anualmente, com foco em questões estratégicas sobre a água. O documento oferece um quadro geral do estado dos recursos de água potável no mundo e visa a proporcionar ferramentas sustentáveis a serem utilizadas pelos tomadores de decisões.