Ciência

Tratamento contra covid-19 usado por Trump veio de células de aborto

Em 2019, o governo Trump diminuiu a aquisição de tecidos fetais originados de abortos

Donald Trump: presidente tomou um coquetel de remédios contra covid-19 (Bloomberg / Colaborador/Getty Images)

Donald Trump: presidente tomou um coquetel de remédios contra covid-19 (Bloomberg / Colaborador/Getty Images)

Tamires Vitorio

Tamires Vitorio

Publicado em 9 de outubro de 2020 às 10h56.

Última atualização em 29 de outubro de 2020 às 16h37.

Quando Donald Trump anunciou que estava "curado" do novo coronavírus, foi também divulgado que o presidente havia sido tratado com uma medicação da farmacêutica Regeneron. Em sua política, o presidente americano sempre foi contra o aborto, mas um anúncio feito pela Regeneron explicou que a medicação recebida por ele foi desenvolvida com base nas células originadas de um tecido do procedimento.

O coquetel de anticorpos utilizado pelo presidente foi feito com moléculas encontradas nos ovários de hamsters, chamadas de CHO, não de células humanas. Mesmo assim, as células de um feto foram utilizadas de outra forma no tratamento. As células, chamadas de HEK 293T, foram originadas de tecidos dos rins de um aborto feito nos Países Baixos na década de 70.

As células do procedimento, então, foram "imortalizadas", o que significa que elas continuaram a se dividir em laboratório e passaram por mudanças e adições genéticas ao longo dos anos. A companhia afirma que diversos laboratórios utilizam a 293T para fabricar estruturas parecidas com as espículas do vírus. As células 2937, de acordo com a farmacêutica, são usadas para "testar a habilidade dos anticorpos de neutralizar o vírus".

Em 2019, o governo Trump diminuiu a aquisição de tecidos fetais originados de abortos, o que também limitou o financiamento federal de Institutos Nacionais de Saúde americanos e de parcerias com a Universidade da Califórnia São Francisco para encontrar uma cura para o HIV. Segundo a Regeneron, "porque as células foram adquiridas há tanto tempo, e viveram tanto tempo no laboratório, elas não envolvem mais as políticas em relação ao aborto".

Outras companhias que utilizam a célula 2937 para testar suas vacinas ou tratamentos são a Moderna, a AstraZeneca e a Gilead Sciences em seu medicamento remdesivir.

Em entrevista ao jornal americano The New York Times, Alexandra Bowie, porta-voz da Regeneron, afirmou que "as células foram usadas para testar a habilidade de neutralização do vírus". "Elas não foram utilizadas de nenhuma outra forma, e o tecido fetal não foi usado na pesquisa", disse.

O tratamento de Trump contra a covid-19 não incluiu somente o REGN-COV2, nome do medicamento da farmacêutica Regeneron, que utiliza um coquetel de anticorpos para prevenir e tratar a doença. Além da medicação, também foi prescrito para Trump vitamina D, zinco, famotidina, melatonina e uma aspirina, segundo boletim médico divulgado na última semana.

Outras companhias que utilizam a célula 2937 (originada de um aborto feito nos anos 70) para testar suas vacinas ou tratamentos são a Moderna, a AstraZeneca e a Gilead Sciences em seu medicamento remdesivir.

Em um vídeo publicado em seu perfil no Twitter, Trump afirmou que o coquetel "é muito mais do que uma terapia, você vai ficar bem, como eu fiquei”. "Eles chamam de terapia, mas pra mim não foi apenas uma terapia, simplesmente me fez ficar bom. Eu chamo de cura", continuou.

Apesar da promoção de Trump da droga, ela é incipiente. Há apenas dois meses, a Regeneron divulgou o resultado, à época ainda não revisados por pares, de que o medicamento funcionava em animais, tendo sido bem sucedido nos testes em macacos e hamsters, acrescentando que espera que o medicamento possa funcionar em humanos.

É preciso lembrar que ainda inda não há tratamento aprovado para o coronavírus e, segundo o jornal americano The New York Times, o Regeneron ainda não foi autorizado pela FDA (equivalente americano da Anvisa). Por causa disso, as empresas podem prover acesso a medicações experimentais, como o Regeneron através do chamado “uso por compaixão”: uma opção quando todas as outras já falharam.

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