Buntanvac: Covas disse que o Butantan tinha realizado os testes pré-clínicos e que os resultados haviam sido "excelentes", mas sem dar detalhes (Governo do Estado de São Paulo/Flickr)
Estadão Conteúdo
Publicado em 26 de março de 2021 às 21h24.
Última atualização em 26 de março de 2021 às 21h25.
A tecnologia apresentada nesta sexta-feira, 26, pelo Instituto Butantan como sendo 100% nacional e que é a base da vacina Butanvac foi desenvolvida no ano passado por pesquisadores do Instituto Mount Sinai, de Nova York.
Ao menos três trabalhos foram publicados em revistas científicas por cientistas da Escola de Medicina Icahn do instituto com a tecnologia de usar um vírus da doença de Newcastle (NDV, na sigla em inglês), um tipo de gripe aviária, como vetor para carregar a proteína do coronavírus Sars-CoV-2.
É exatamente esta a ferramenta que foi apresentada nesta sexta pelo Butantan. Os trabalhos do Mount Sinai descrevem como a vacina deles foi desenvolvida em ovos e os testes pré-clínicos já feitos com animais. O Estadão entrou em contato com o pesquisador principal do trabalho, o virologista Peter Palese, mas ainda não teve retorno. Em nota, o Butantan insiste na expressão "100% nacional", mas indica que a "concepção da tecnologia" não é do País.
Ao jornal Folha de S. Paulo, Palese disse que realizou com sucesso experimentos com a vacina baseada no vírus da doença de Newcastle (NVD) e que iniciou testes de fase 1 no Vietnã e na Tailândia com a vacina. Ele afirmou que também tinha um acordo com o Instituto Butantan para entrar em testes clínicos no Brasil usando o vetor de vacina NVD.
Nesta sexta, 26, ao anunciar a Butanvac, Covas disse que o Butantan tinha realizado os testes pré-clínicos e que os resultados haviam sido "excelentes", mas sem dar detalhes. Segundo ele, a vantagem de usar esta plataforma é que ela é a mesma feita para desenvolver as vacinas contra influenza anualmente já pelo Butantan. Ele afirmou também que o Butantan será o principal produtor da Butanvac num consórcio internacional com os mesmos países citados por Palese à Folha: Vietnã e Tailândia.
Logo após a coletiva, o Estadão pediu ao instituto mais informações sobre esses resultados e sobre onde tinham sido feitos os testes pré-clínicos, mas não teve resposta. Depois cobrou a relação do instituto com os americanos.
Ao longo da tarde, a reportagem teve acesso a três estudos do Mount Sinai que descreviam todo o desenvolvimento de uma vacina usando NDV e a proteína spike. Nenhum deles conta com autores brasileiros. No estudo publicado em 21 de novembro, os cientistas descrevem a tecnologia de fazer uma vacina com um vetor do vírus da doença de Newcastle que expressam a proteína spike (S) do Sars-CoV-2.
Menos de um mês depois, em 17 de dezembro, eles publicam outro trabalho já com os resultados em animais. Eles afirmam ter obtido uma "vacina potente contra a covid-19 em camundongos e hamsters. A vacina NDV-S inativada foi imunogênica, induzindo forte ligação e / ou anticorpos neutralizantes em ambos os modelos animais. Mais importante, a vacina de NDV-S inativada protegeus os animais de infecções pelo Sars-CoV-2".
Outro dado que diverge do anúncio do Butantan é um levantamento feito pelo Ministério da Saúde no fim de 2020 com todas as vacinas desenvolvidas no Brasil que não mostra, entre os imunizantes pesquisados pelo Butantan, nenhum produto que usa a tecnologia da Butanvac.
Na coletiva de imprensa do governo paulista, Covas havia afirmado que a Butanvac estava em desenvolvimento desde março de 2020.
De acordo com o documento do ministério, porém, o instituto tinha, em novembro de 2020, três vacinas em desenvolvimento: a Coronavac, uma vacina do tipo VLP (partículas similares a vírus) e uma terceira com uma tecnologia de vesículas de membrana externa em plataforma de múltiplos antígenos. Nenhuma delas utilizava a plataforma de vetor viral do vírus da Doença de Newcastle.
Em nota, o Butantan disse que a "produção da ButanVac, primeira vacina brasileira contra o novo coronavírus, é 100% nacional" e que ela "será desenvolvida integralmente no País". Sobre o consórcio internacional, disse que "tem um papel importantíssimo na concepção da tecnologia e no suporte técnico para o desenvolvimento do imunobiológico, algo imprescindível para uma vacina segura e eficaz."
Ainda na nota, o instituto disse que é o desenvolvedor da vacina. "A vacina, portanto, é brasileira e dos brasileiros." Respondendo sobre as declarações dadas por Palese à Folha, disse que se trata de um "comunicado não oficial de um pesquisador de instituição norte-americana". Palese é o autor principal dos estudos. O Butantan disse ainda que o Sinai "não autorizou a divulgação de seu nome em comunicados oficiais do Butantan sobre a nova vacina" e que "comunicados conjuntos serão feitos pelos integrantes do consórcio no momento oportuno, incluindo a instituição citada pela Folha".
Pela manhã, Doria tinha dito: "Este é um anúncio histórico para o Brasil e para o mundo. A ButanVac é a primeira vacina 100% nacional, integralmente desenvolvida e produzida no Brasil pelo Instituto Butantan, que é um orgulho do Brasil. São 120 anos de existência, o maior produtor de vacinas do Hemisfério Sul, do Brasil e da América Latina e agora se colocando internacionalmente como um produtor de vacina contra a covid-19." A nota do Butantan enviada no final do dia reconhece participação internacional na tecnologia.