Massa muscular: pesquisadores viram na descoberta uma oportunidade de negócio (Goodboy Picture Company/Getty Images)
Mariana Martucci
Publicado em 29 de julho de 2020 às 19h30.
Os pós-graduandos no Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP) William José da Silva e Lucas Ariel Rocha descobriram em laboratório uma molécula baseada em microRNAs – capaz de interferir na expressão de genes-alvo – que promove o aumento da massa e a regeneração musculares em camundongos.
Os pesquisadores viram na descoberta uma oportunidade de negócio. Para concretizá-la fundaram uma startup, a miRScience Therapeutics, e submeteram um projeto a uma chamada do Programa FAPESP Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE) para avaliar a viabilidade tecnológica e comercial da molécula para o tratamento de doenças e síndromes que envolvem a perda de massa muscular.
“Nossa primeira hipótese era usar a molécula no tratamento da caquexia induzida pelo câncer, caracterizada pela severa perda muscular, que pode levar 20% dos pacientes a óbito e atualmente não possui tratamento”, diz Silva.
Ao ter o projeto aprovado pelo PIPE-FAPESP e participar do Treinamento PIPE em Empreendedorismo de Alta Tecnologia, cujo encerramento da 15a turma aconteceu no dia 30 de junho, os pesquisadores identificaram por meio de entrevistas com oncologistas, contudo, que a caquexia não era um problema central.
“Os oncologistas estão mais interessados em tratar o tumor do que a caquexia em si, até mesmo pela falta de uma definição coesa dessa condição e de um tratamento específico”, afirma Silva.
Por meio das aulas on-line, mentorias e novas entrevistas durante o curso, os empreendedores conseguiram identificar, entretanto, cinco oportunidades comerciais promissoras para a molécula. Entre elas estão a medicina regenerativa, voltada para o tratamento da perda de massa no envelhecimento e para promover o crescimento muscular; a medicina esportiva; e a medicina veterinária, para a regeneração muscular de pets e ganho de massa de animais de criação.
A ideia é usar a molécula no mercado agropecuário para promover o ganho de peso de bovinos, suínos e aves e, dessa forma, reduzir os custos na produção, explica Silva.
“A participação no curso possibilitou expandir nossa plataforma de aplicações da molécula para o melhoramento muscular e nos deixou a lição de que devemos sempre estar em busca do cliente ideal”, avalia Silva.
O casamento do produto com o mercado – o chamado product market fit no jargão do empreendedorismo – é um dos principais objetivos do curso oferecido pelo PIPE-FAPESP desde 2016.
Foram treinados ao longo dos quatro anos de existência do curso representantes de 315 startups apoiadas pelo PIPE-FAPESP, em diversas áreas de atuação e com alto potencial de crescimento.
“O programa é chamado de treinamento, mas é muito mais de vivência empreendedora, em que pesquisadores com projetos apoiados pelo PIPE-FAPESP, nas fases 1 e 2, têm a possibilidade de interagir com potenciais usuários, clientes e parceiros no desenvolvimento de suas tecnologias”, diz Marcelo Nakagawa, membro da Coordenação da Área de Pesquisa para Inovação da FAPESP e um dos coordenadores do programa.
Os participantes são estimulados durante o treinamento a entrevistar 100 potenciais clientes e usuários da tecnologia que estão desenvolvendo.
Nesta edição, foi registrado o recorde de entrevistas pelos representantes das 21 startups participantes. Em conjunto, os empreendedores realizaram 2.038 entrevistas, resultando em uma média de 97 entrevistas por equipe.
“Tivemos de fazer uma pequena adaptação na estrutura do curso, que, com a pandemia de COVID-19, passou a ser realizado totalmente on-line, mas o sucesso foi total”, diz Flavio Grynszpan, membro da Coordenação da Área de Pesquisa para Inovação da FAPESP e um dos coordenadores do programa.
“Foi possível adaptar o curso para uma realidade não ideal, porque as atividades presenciais são fundamentais para facilitar a integração entre as equipes, e superar essa dificuldade”, avalia.
A expectativa da FAPESP com o treinamento é aumentar as chances de sucesso comercial dos projetos apoiados pelo PIPE, diz Luiz Eugênio Mello, diretor científico da Fundação.
“O sucesso das empresas apoiadas pelo PIPE-FAPESP também é o nosso. Esperamos que os empreendedores, por meio do que aprendem durante o treinamento, estejam mais capacitados para seguir em frente.”