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Segunda onda de covid-19 no Brasil: o que dizem especialistas e a ciência

Especialistas não descartam aumento de novos casos da doença no país, em meio a novos surtos na Europa e nos Estados Unidos.

Pandemia em São Paulo: nova leva de internações preocupa especialistas sobre ascensão no número de casos de covid-19 no país (Alexandre Schneider / Correspondente/Getty Images)

Pandemia em São Paulo: nova leva de internações preocupa especialistas sobre ascensão no número de casos de covid-19 no país (Alexandre Schneider / Correspondente/Getty Images)

Tamires Vitorio

Tamires Vitorio

Publicado em 17 de novembro de 2020 às 06h00.

Última atualização em 17 de novembro de 2020 às 15h54.

Foram 5.990 casos de covid-19 registrados na Suécia apenas na última sexta-feira. Outros 6.600 em Portugal no sábado. Na Alemanha, um recorde de 23.542 casos da doença, também na sexta-feira. A ascensão de uma segunda onda de covid-19 na Europa lançou uma dúvida sombria sobre o Brasil. O quão preparados devemos estar para lidar com a possibilidade de uma nova elevação no número de casos e mortes no país, a exemplo do que acontece lá fora?

O Brasil notoriamente não lidou com a pandemia como a Europa. Nossos distanciamento social e lockdown foram parciais e o país experienciou uma interiorização da doença nos meses que seguiram ao aumento de casos em grandes cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, Fortaleza e Manaus. As taxas de infecção e de morte mantiveram um platô por meses e começaram a apresentar uma tendência de redução apenas nas últimas semanas, quando os casos começaram a diminuir aqui.

Ao mesmo tempo que vivemos a tendência de queda do número de casos em vários estados, segundo dados oficiais, o aumento de novos casos nos Estados Unidos e na Europa deixou cidadãos preocupados sobre a possibilidade de uma segunda, ou até mesmo de uma continuação daquela primeira onda. 

Alguns números no aumento de internações têm preocupado especialistas e autoridades. No estado de São Paulo a semana passada foi de aumento de internações em UTI: foram 1.009 novas solicitações, alta de 18% ante a semana anterior. Apesar disso, o número está abaixo do pico de julho, quando havia quase 2.000 novas internações diárias no estado.

Até às 8h da manhã desta segunda-feira, 16, o consórcio de veículos de imprensa apontava que o Brasil alcançou a marca de 165.813 mortos pela doença e 5.860.636 casos — com 138 mortes registradas nas últimas 24 horas até às 20h de domingo. A média móvel de mortes no Brasil na última semana, então, foi de 491, alta de 22% em comparação à média de duas semanas atrás. Desde 4 de junho o país não passava por uma tendência de alta nas mortes. A subnotificação pode alterar mais ainda a conta. 

(EXAME Academy/Exame)

Mesmo que os números pareçam baixos, eles não deixam de ser preocupantes. Para um país que enfrentava um platô de casos, a subida pode levar a um aumento no número de mortes.

Segundo o infectologista Carlos Fortaleza, professor da Unesp e membro do Comitê de Contingência da covid-19 no estado de São Paulo, o fato de não termos conseguido fazer um isolamento tão grande no Brasil quanto na Europa não é um indicativo de que uma segunda onda por aqui está descartada.

“Nada garante que não ocorra uma segunda onda no Brasil. Estamos fazendo uma série de flexibilizações, mas temos de estar preparados para voltar atrás e fechar de novo caso seja necessário”, afirma Fortaleza, reiterando que até o plano de reabertura no estado de São Paulo previa o retorno a situações de maior ou menor fechamento.

 

Segundo Celso Granato, médico e diretor clínico do Grupo Fleury, o Brasil não está passando, ainda, por uma segunda onda do SARS-CoV-2 — apesar da queda no número de casos nos últimos meses. “Tivemos um pico alto e estamos vendo uma queda muito lenta. Nossa média móvel de mortes diárias ainda é muito alta para termos saído da primeira onda”, afirma. 

Apesar do novo aumento por aqui, a pesquisadora Ester Sabino, do Instituto de Medicina Tropical da Universidade de São Paulo (USP), identifica diferenças cruciais entre a situação da Europa e o Brasil. Para ela, os europeus passaram por um isolamento que quase zerou o número de novos casos de covid-19 na maioria dos países, enquanto que no Brasil essa situação não aconteceu. “A pandemia foi controlada um pouco, agora voltou a subir, então você fica em um intermediário de quanto tempo dura essa imunidade inicial do coronavírus. Não saímos da primeira onda. E a maior preocupação agora é se as pessoas poderão ou não ser reinfectadas”, afirma Sabino. 

Para Jorge Kalil, diretor do laboratório de imunologia do Incor, que discorda de Granato, estamos de fato passando por uma segunda onda de casos, quase como nos Estados Unidos, epicentro da doença no mundo e onde especialistas discutem até a existência de uma terceira onda. Por lá, foram registrados um milhão de novos casos em apenas uma semana. Os EUA já passam dos 11 milhões de casos confirmados de covid-19.

“Os casos estão aumentando muito, não só no Brasil, provavelmente porque as pessoas voltaram às atividades e não estão tomando todas as precauções”, explica. 

Independente de estarmos passando por uma segunda onda ou não, os infectologistas e especialistas estão de olho no eventual aumento de número de casos no país. Para Fortaleza, isso pode ser observado na política de leitos de UTI que foram construídos para lidar com a doença. “A ocupação dos leitos de UTI em São Paulo está em cerca de 40%. Temos 60% dos leitos vagos. Se tivéssemos segurança de que não haveria uma segunda onda, fecharíamos metade desses leitos”, disse.

Mais jovens nas ruas

A maior diferença entre o primeiro período da doença no Brasil e o momento atual que estamos vivendo está também em qual faixa etária é a mais afetada pelo vírus. 

Se entre os meses de março e agosto houve uma curva ascendente em pessoas acima dos 40 anos, agora os jovens correm mais risco de infecção. Em outros países, a mesma conclusão foi feita ao longo dos meses. 

A hipótese argumenta que os jovens, cansados do distanciamento social, e acreditando que correm menos riscos e por não integrarem algum grupo de risco, acabam ignorando os riscos da doença. Na França, por exemplo, um estudo realizado pelo governo apontou que o vírus está circulando principalmente entre pessoas com idades entre 20 e 39 anos. 

Para o ministro da Saúde britânico Matt Hancock, os principais responsáveis pelo aumento de casos que aconteceu no país são os jovens que ignoram regras de distanciamento social. O Reino Unido é o sétimo país com o maior número de casos da doença, atrás de uma vasta maioria de países também europeus, como a Rússia, a França e a Espanha.

“Existe um aumento de casos na classe A e B e acredito que isso acontece porque as pessoas voltarão a ir em bares e restaurantes, e estão fazendo reuniões sociais”, explica Kalil, do Incor, que acredita que os jovens são os novos “culpados” por um novo espalhamento da covid-19 no Brasil.

 “O pessoal de maior idade, ou porque são aposentados, ou porque trabalham de casa, conseguem se isolar mais. Os jovens não aguentam. Saem mais e têm menos medo porque sabem que a doença não costuma ser tão grave assim. Os casos aumentaram por conta do grau de exposição”, diz Granato, diretor clínico do Grupo Fleury.

Para Kalil, o número de casos no Brasil deve continuar aumentando até o final do ano, em especial com festas como o ano novo e o Natal. 

“A gente vê que o brasileiro não consegue se conter, e acho que nas festas de fim de ano as pessoas não vão conseguir fazer o que deve ser feito. Tenho bastante receio do que vai acontecer no final do ano e em todo o verão, não só em lugares abertos, mas também em lugares fechados”, disse. 

Na última semana, um estudo realizado pelas universidades de Stanford e de Northwestern apontou que o risco de se infectar pela covid-19 é maior em hotéis, restaurantes, bares e academias que não respeitam regras como o distanciamento social e o uso de máscaras durante refeições ou exercícios.

E a imunidade de rebanho?

Com mais de 5,8 milhões de casos confirmados no país e algumas cidades bastante afetadas pela doença, muitos esperavam que o fenômeno da imunidade de rebanho impediria uma segunda onda da covid-19.

A imunidade de rebanho parte da premissa que imunizar parte da população — com uma vacina ou anticorpos após o corpo ter lutado contra a doença, por exemplo —  garante que a doença terá dificuldade de circular. Haverá menos pessoas que possam ficar doentes com o vírus e a incidência dele tende à queda. 

Em setembro, um estudo indicou que 66% dos habitantes de Manaus poderia ter sido infectado pela covid-19, e pesquisas indicaram que a cidade estaria entrando na chamada “imunidade de rebanho”. Não foi o que aconteceu. Pouco tempo depois, o número de casos voltou a subir na capital do Amazonas, uma alta  de 117% em outubro, na comparação com o mês anterior, o que sugere que a infecção atingiu pessoas que ainda não haviam contraído a doença.

Segundo Fortaleza, do Comitê de Contingência da covid-19, um inquérito sorológico na cidade de São Paulo não deve revelar mais que 30%  da população com imunidade ao coronavírus. Isso deixa 70% das pessoas suscetíveis à doença e torna factível a possibilidade de uma segunda onda.

“Nós vivemos uma situação que não justifica um lockdown agressivo e também não justifica uma volta à vida pré-pandêmica. Nossa situação é de vigilância. Temos que continuar em casa o máximo de tempo possível, sair apenas objetivamente, usar máscara e nos expor o mínimo, evitando aglomerações”, afirma Fortaleza, lembrando que o equilíbrio é observar a situação para tomar as decisões mais acertadas do ponto de vista epidemiológico.

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