Uísque: o lugar perfeito para um C2H6O (essa é a fórmula do etanol) é a superfície do líquido (Jag_cz/Thinkstock)
Da Redação
Publicado em 22 de agosto de 2017 às 22h01.
Notícia boa: se depender da química, suas garrafas de uísque vão render mais.
Bem mais. Segundo o químico Björn Karlsson, da Universidade Linnæus, na Suécia, colocar um pouco de água na dose antes de beber faz com que as substâncias responsáveis pelo aroma e o sabor se concentrem na superfície do líquido – o que tornaria a experiência ainda melhor (e mais econômica!) para os degustadores de plantão.
Karlsson garante que fez a pesquisa por amor à ciência, e não à bebida. “Nenhum de nós dois bebe muito uísque”, afirmou ele ao The Guardian, mencionando um colega que participou da pesquisa. “Nós estávamos interessados no aspecto químico.”
Bem, se é para ser sóbrio, então vamos falar de química. O sueco e sua dupla usaram um modelo de computador para prever, em escala microscópica, as interações entre três das moléculas que compõem a bebida: água, etanol e guaiacol – uma substância oleosa e aromática que entra na receita da bebida durante a maturação graças aos barris de carvalho.
Moléculas de etanol têm duas pontas. Uma delas se sente atraída pela água, a outra, não. Isso significa que o lugar perfeito para um C2H6O (essa é a fórmula do etanol) é a superfície do líquido – onde a ponta que gosta de água pode ficar mergulhada, e a ponta que não gosta pode ficar com “a cabeça para fora”.
Acontece que uísque de verdade tem entre 40% e 46% de álcool em sua composição. Ou seja: não há espaço para todas as moléculas de etanol ficarem com metade do corpo para fora do líquido – a maior parte delas fica mergulhada, mesmo.
Para evitar o contato com a água, elas acabam se concentrando em bolsões no interior do líquido.
E aí começa o problema: o guaiacol gosta mais de etanol do que água. Se há muito álcool mergulhado, então também haverá muito guaiacol se afogando.
E quando o dito cujo não consegue chegar à superfície, ele não libera todo o seu potencial aromático.
É difícil detalhar mais essa dança molecular sem usar termos técnicos – veja o artigo científico. Mas a moral da história é que, por causa do delicado equilíbrio entre H2O e C2H6O, o guaiacol aparece na superfície do líquido com mais frequência se o álcool estiver em concentrações menores que 45%.
Essa é uma justificativa científica para algo que as destilarias já sabiam por força do hábito e da tradição: todo uísque sai do barril com concentrações entre 60% e 70%, e só se torna a bebida que conhecemos após receber água.
Muitas outras moléculas que dão sabor a destilados se comportam da mesma maneira que o guaiacol, o que torna os 40% uma espécie de sweet spot do sabor, válido para qualquer bebida desse tipo.
Dito tudo isso, vem um bônus que precisa ser usado com muito cuidado: se a destilaria põe água demais na bebida antes de engarrafar e passa dos 40% regulamentares, muito guaiacol vai para a superfície do líquido – e acaba escapando pela tampa, o que faz com que o uísque perca sabor com o tempo.
Se você, por outro lado, colocar um pouco mais de água só na dose em que irá beber e na hora em que irá beber – jogando a concentração para algo próximo de 27% – você também aumentará a superfície de contato do guaiacol com o ar em 66%, o que deixa o sabor ainda melhor naquele momento.
E, é claro, economiza uns goles.
Isso pode, de quebra, explicar o sucesso do cubo de gelo gigante que vai dentro do uísque de Don Draper em Mad Men. Ele derrete devagar – devagar o suficiente para diluir a bebida na dose certa, sem estragá-la.
Pedras de gelo menores derretem mais rápido, passando dos 27% indicados.
Este conteúdo foi publicado originalmente no site da Superinteressante.