Acompanhe o passo a passo para se tornar um voluntário (Jonne Roriz/Bloomberg/Getty Images)
Karina Souza
Publicado em 18 de março de 2021 às 07h15.
Última atualização em 19 de março de 2021 às 20h15.
No Brasil, epicentro global da pandemia de covid-19, a chegada de vacinas contra o coronavírus é uma preocupação central. A chegada de novos imunizantes é acompanhada com rigor – inclusive, nesta quarta, a Fiocruz entregou o primeiro lote de vacinas de Oxford produzidas localmente. Antes da chegada da vacina aos braços da população, algumas etapas fundamentais são seguidas e, entre elas, estão os testes clínicos. E, afinal, como são conduzidos?
O laboratório Dasa, responsável pela condução dos testes da vacina da empresa de biotecnologia Covaxx no Brasil, explica o passo a passo desse processo. A vacina é produzida de forma totalmente sintética, ou seja, desenvolvida sem qualquer parte do vírus em sua composição – vale lembrar que a Coronavac usa o vírus inativado e a vacina da Pfizer usa partes do vírus para gerar resposta imunológica.
Antes da vacina ser testada em humanos, é feita uma etapa chamada pré-clínica, que inclui o teste do imunizante em animais. A partir dos resultados obtidos ali, documentos são enviados à Anvisa (no caso do Brasil), para começar a fase clínica – ou seja, com humanos – que inclui as já famosas fases 1, 2 e 3.
Mas, o laboratório já começa a se preparar para as etapas clínicas antes mesmo do aval da Anvisa – com o pré-cadastro de voluntários. Para isso, disponibiliza um link (que já foi desativado temporariamente por causa da alta procura, mas deve ser reativado em breve), como forma de atrair interessados. A partir das informações submetidas, a equipe de recrutamento faz uma triagem inicial, em que os formulários são analisados um a um e o retorno a eles é fornecido pela equipe individualmente.
Em testes clínicos para outras drogas/vacinas, cerca de 500 voluntários se inscrevem para participar dos testes; no caso da vacina da Covaxx, em menos de um mês, mais de 2 mil pessoas já fizeram o pré-cadastro.
“Nós temos muito respeito pelos voluntários e prezamos por avisá-los tanto para prosseguir para a próxima fase quanto sobre o porquê de terem sido reprovados para seguir adiante. Do total de pessoas que fez o pré-cadastro, há a expectativa de que 50% a 60% desse total participem, de fato, da pesquisa clínica”, diz Ana Paula Cavalcante, coordenadora de recrutamento de pesquisa clínica da Dasa.
De acordo com o laboratório, para esses testes, não serão selecionados pacientes com a sorologia positiva, ou seja, que já tenham contraído a covid-19. Além disso, o grupo-alvo é de pessoas entre 18 e 60 anos e que tenham alta exposição ao vírus. Não há a necessidade de ser profissional da saúde, mas sim de pessoas que se expõem diariamente ao contato com o vírus – como andar de transporte público diariamente, por exemplo.
Depois do aval da Anvisa, para quem atender a esses critérios, um segundo link é enviado. Por meio dele, candidatos terão de preencher a um formulário extenso, com informações a respeito de transplantes, tratamentos oncológicos, entre outros, que receberão uma nova análise criteriosa.
Mas, e se alguém mentir nos formulários? Para prevenir que os “impostores” cheguem à fase final, há o próximo passo desse processo, que é o de agendamento de uma triagem presencial. Na data, exames diversos são feitos para comprovar as informações descritas e garantir a segurança da pesquisa. Depois de dois dias, os aprovados devem começar a receber o placebo e a vacina.
“Nessa visita de triagem nós avaliamos diferentes aspectos hemograma, função renal etc. A partir do momento em que o voluntário recebe o imunizante (ou o placebo) repetimos esses exames dentro de uma rotina pré-estabelecida para acompanhar como o corpo reage ao que foi aplicado. Muitas pessoas pensam que depois da aplicação da vacina, acabaram-se as obrigações, mas na verdade será realizado um acompanhamento de dois anos com os voluntários”, diz Andreza Senerchia, superintendente médica da pesquisa clínica da Dasa.
O laboratório explica que os voluntários (para qualquer teste clínico) são acompanhados 24 horas por dia, têm consultas periódicas e, no caso da vacina da Covaxx, serão acompanhados por um longo período de tempo.
Todas essas informações – além de todos os detalhes de possíveis reações adversas – são passados aos voluntários ainda na etapa de triagem presencial, para entender se as pessoas estão dispostas a enfrentar o longo período dos testes.
“Na fase um, avaliamos principalmente o efeito da droga (ou, nesse caso, da vacina) no organismo. Na fase dois, avaliamos a segurança daquele componente e as reações trazidas para o corpo até que finalmente, na fase três, chegamos à eficácia da vacina e do quanto ela vai prevenir contra a doença. Durante todo esse processo somos auditados pelo patrocinador da vacina, podemos ser auditados pelas agências reguladoras, então se trata de um processo em que tudo tem de estar claro desde o começo” afirma Senerchia.
Além da vacina da Covaxx, está em andamento no Brasil a fase 3 de testes da vacina da Janssen, subsidiária da Johnson&Johnson. Ao todo, são 28 centros de pesquisa no Brasil responsáveis por conduzir os testes em 11 estados. A CPQuali já realiza o pré-cadastro dos interessados por meio deste link.
De acordo com as informações da Janssen, 7 mil voluntários devem participar dessa etapa no país nos estados de São Paulo, Bahia, Distrito Federal, Rio de Janeiro, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul e Santa Catarina.
Para quem se interessar pelo tema, a companhia divulgou um site em que mostra o passo a passo dos testes e a dinâmica com os voluntários – para esse teste, também será realizado um acompanhamento de aproximadamente dois anos.
Atualmente, o Brasil conta com três vacinas que já venceram todas essas etapas e comprovaram sua eficácia ao menos para ter a aprovação emergencial concedida. A primeira foi a Coronavac, produzida localmente pelo Instituto Butantan, em parceria com o laboratório chinês Sinovac. Em 2020, o Brasil participou da fase de testes clínicos, dada a alta taxa de transmissão da covid-19 no país, e com o fim dos resultados da fase 3, ficou comprovado que o imunizante de fato cria anticorpos contra a doença.
A vacina foi 50,4% eficaz na prevenção de infecções sintomáticas no estudo brasileiro, incluindo dados sobre casos "muito leves", disseram os pesquisadores do Instituto Butantan, em janeiro deste ano.
Outro imunizante que já tem aprovação no país é o da Oxford, desenvolvido em parceria com a AstraZeneca e produzido localmente pela Fiocruz. Também se trata de uma vacina testada no país no último ano e com eficácia comprovada até mesmo contra as novas variantes da covid-19.
Mesmo assim, os estudos clínicos não pararam. Recentemente, a AstraZeneca e a Universidade de Oxford anunciaram que o esquema de vacinação que prevê uma dose reduzida e uma dose completa, com um mês de intervalo, obteve eficácia de 90%. Já o protocolo com duas doses completas e o mesmo intervalo atingiu eficácia de 62%. Os dados analisados envolveram 11 mil voluntários, cerca de 2,7 mil com o protocolo mais eficaz e quase 8,9 mil com o protocolo de duas doses completas.
Recentemente, a vacina da Pfizer também conquistou a aprovação em território brasileiro -- trata-se do primeiro aval concedido em caráter definitivo. Depois de uma disputa política intensa, o presidente Jair Bolsonaro confirmou a compra de 100 milhões de doses do imunizante, a serem entregues ainda em 2021.