São Paulo vazia: redução dos poluentes não ocorreu de forma igual na cidade (Germano Lühders/Exame)
Victor Sena
Publicado em 6 de abril de 2020 às 11h40.
Última atualização em 6 de abril de 2020 às 11h43.
Com a quarentena desde o dia 24 de março, como forma de contenção ao novo coronavírus (SARS-CoV-2), os índices de poluição atmosférica na cidade de São Paulo reduziram-se cerca de 50% em apenas uma semana. É o que mostra a comparação dos dados atmosféricos divulgados pela Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) entre as semanas do dia 15 a 21 e 22 a 28 de março.
“Há menos ruído, consegue-se ouvir mais os passarinhos e também há menos poluição. Esse céu mais limpo que pode ser notado em São Paulo já no início da quarentena é resultado da redução na circulação de veículos, a principal fonte de emissão de poluentes na cidade. Como uma grande parte deles deixou de circular, fica clara a diminuição de poluentes primários como o monóxido de carbono [CO, emitido principalmente pelos carros] e os óxidos de nitrogênio [NOx, emitidos sobretudo por veículos a diesel], que pode ser confirmada nos dados atmosféricos”, diz Maria de Fátima Andrade, professora do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP), que analisou os dados da Cetesb especialmente para a Agência FAPESP.
Além da redução significativa dos poluentes primários, diretamente ligados à emissão veicular, também houve diminuição de cerca de 30% de material particulado inalável. Trata-se dos poluentes MP 10, material particulado com diâmetro até 10 micrômetros, relacionado à ação dos veículos que ressuspendem a poeira do solo, e MP 2.5, com até 2,5 micrômetros, formado por processos secundários a partir da queima de combustível.
De acordo com Andrade, a redução dos poluentes não ocorreu de forma igual na cidade. “Os mapas mostram que a diminuição foi maior na região central da cidade. A melhora na qualidade do ar ocorreu de forma desigual na cidade. É possível também perceber que na região de Cubatão, por exemplo, houve aumento de alguns poluentes, mas lá são outras fontes de poluição, ligadas a atividades industriais”, diz.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), o limite de exposição a material particulado é de 25 µg/m³ (micrograma por metro cúbico de ar), média de 24 horas. Índice que, normalmente, tende a ser superado por várias estações de monitoramento da Cetesb.
Em dias comuns, a poluição na cidade de São Paulo também ocorre de forma desigual, como mostrou outro estudo da equipe de pesquisadores liderada por Andrade.
Normalmente, é comum que algumas estações cheguem próximo a 40 µg/m³ de material particulado, como é o caso das estações de Osasco, Grajaú e Mauá.
Um pouco acima de 25 µg/m³ estão as estações de Capão Redondo, Diadema e Cerqueira Cesar. Essa diferença tem relação sobretudo com a idade da frota e quantidade de veículos que circulam próximos a estas estações.
Andrade ressalta que qualquer comparação de poluição atmosférica como a realizada para avaliar a qualidade do ar na quarentena necessita avaliar períodos mais longos que duas semanas.
“O ideal seria comparar períodos mais longos de diferentes anos. Porém, quando se analisam os dados de março de 2019, observa-se que, em função de ter sido um mês chuvoso, as concentrações também não estavam tão altas. A chuva é o principal mecanismo de remoção de poluentes da atmosfera”, diz.
De acordo com a pesquisadora, ao analisar eventos de poluição e comparar diferentes períodos é importante observar quais eram as condições meteorológicas que estavam atuando. “É importante ressaltar que as comparações que estão sendo feitas serão melhoradas quando tivermos mais dados e considerarmos todas as outras condições, em especial a meteorologia”, diz.
Andrade afirma que, quando começou a quarentena, no dia 24 de março, as condições meteorológicas estavam muito parecidas com as da semana anterior. “Era até para estar acumulando mais concentração de poluentes, porém houve uma queda considerável, sobretudo nos poluentes associados aos combustíveis”, diz.
A configuração sui generis da poluição atmosférica paulistana durante a quarentena será objeto de estudo para a equipe de pesquisadores do IAG. “Fora toda essa situação preocupante da pandemia, é como se estivéssemos vivenciando um experimento forçado inédito em poluição atmosférica. Isso vai permitir fazer medições praticamente impossíveis de serem realizadas em dias comuns”, diz Andrade.
Com isso, Andrade pretende fazer uma análise mais robusta dos dados durante a quarentena e também programar novas medições. “Como houve uma redução significativa da principal fonte de poluição na cidade [veículos] será possível monitorar melhor outras fontes, como, por exemplo, o impacto da queima de combustíveis como lenha e carvão utilizados na preparação de alimentos, a chamada poluição interna”, diz.
De acordo com a pesquisadora, essas fontes menos expressivas – e que correspondem a menos de 10% da poluição atmosférica total na cidade – tendem a ser estimadas e não medidas.
“Nas medições essas fontes de poluição acabam se misturando com a veicular, que é a dominante. Com esses novos estudos, será possível quantificar melhor essas outras fontes, que geralmente acabam sendo ofuscadas pela poluição veicular”, disse.
Andrade também está realizando um projeto apoiado pela FAPESP, que tem o intuito de estudar o comportamento dos gases de efeito estufa. “Neste projeto temático da FAPESP pretendemos contribuir com o balanço de emissões de gases de efeito estufa da cidade de São Paulo”, diz.
Geralmente, as estimativas da contribuição urbana desses gases são feitas com inventários calculados de forma teórica.
“Esperamos que as medidas que estamos realizando nesse período tragam informações para a melhoria desse conhecimento. Poderemos obter dados a partir de medições e não apenas de estimativas. Em São Paulo, a principal fonte de emissão de CO2 é a queima de combustível fóssil, e, portanto, esse gás é bem correlacionado com o CO nos horários de tráfego. É conhecido também que a vegetação desempenha um papel importante na absorção de CO2. Esperamos que neste período de redução das fontes veiculares seja mais fácil separar a contribuição veicular do papel da vegetação e da temperatura no balanço do CO2”, diz.