Ciência

Pouca massa muscular pode indicar maior risco de morte entre idosos

Estudo indica que a mortalidade é quase 63 vezes maior em mulheres com pouca massa magra em braços e pernas; entre os homens o aumento foi de 11,4 vezes

Idosos: a perda progressiva de massa muscular associada ao envelhecimento é conhecida como sarcopenia (Wavebreakmedia/Getty Images)

Idosos: a perda progressiva de massa muscular associada ao envelhecimento é conhecida como sarcopenia (Wavebreakmedia/Getty Images)

Isabela Rovaroto

Isabela Rovaroto

Publicado em 4 de julho de 2019 às 09h55.

Avaliar a composição corporal de pessoas com mais de 65 anos — particularmente a massa muscular localizada nos braços e nas pernas (apendicular) — pode ser uma estratégia eficaz para estimar a longevidade, mostrou um estudo feito na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP).

Depois de acompanhar um grupo de 839 idosos ao longo de aproximadamente quatro anos, os pesquisadores observaram que o risco de mortalidade geral durante o período foi quase 63 vezes maior entre as mulheres com pouca massa muscular apendicular. Entre os homens que já na primeira avaliação apresentavam baixa porcentagem de músculos nos membros, a chance de morrer foi 11,4 vezes maior.

Resultados da pesquisa, apoiada pela FAPESP, foram divulgados no Journal of Bone and Mineral Research.

“Avaliamos a composição corporal da nossa população, com ênfase na massa muscular apendicular, gordura subcutânea e gordura visceral. Em seguida, buscamos identificar quais desses fatores poderiam predizer a mortalidade nos anos seguintes. A quantidade de massa magra nos membros superiores e inferiores foi o que mais se destacou na análise”, disse Rosa Maria Rodrigues Pereira professora da Disciplina de Reumatologia da FM-USP e coordenadora da pesquisa, à Agência FAPESP.

Os voluntários foram examinados por uma técnica conhecida como densitometria por emissão de raios X de dupla energia (DXA, na sigla em inglês). O equipamento foi adquirido com auxílio da FAPESP durante um projeto anterior coordenado por Pereira, cujo objetivo era avaliar a prevalência de osteoporose e de fraturas em idosos residentes no bairro do Butantã, zona oeste da capital paulista. Em ambos os projetos foi estudada a mesma população acima de 65 anos.

“Selecionamos os voluntários com base nos dados do censo do IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística]. Trata-se de uma amostra representativa da população de idosos do Brasil”, disse Pereira.

Na análise final foram incluídos 323 (39%) homens e 516 mulheres (61%). A frequência de baixa massa muscular nessa amostra foi em torno de 20% em ambos os sexos.

Mal silencioso

A perda generalizada e progressiva de massa muscular associada ao envelhecimento é conhecida como sarcopenia. Dados da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia indicam que a condição chega a afetar 46% dos indivíduos acima de 80 anos.

Principalmente quando combinada à osteoporose, a sarcopenia pode aumentar a vulnerabilidade dos idosos, tornando-os mais propensos a quedas, fraturas e outros traumas físicos. A relação entre baixa densidade mineral óssea no fêmur e mortalidade foi também demostrada em estudos feitos com essa comunidade, publicados em 2016.

O grupo coordenado por Pereira desenvolveu uma equação para determinar, com base nas características da população estudada, quais indivíduos poderiam ser considerados sarcopênicos.

“Pelos critérios mais usados [ajuste da massa muscular apendicular pela altura ao quadrado], a maioria dos indivíduos identificados como sarcopênicos é magra. Como a população que estudamos apresentava, em média, um IMC [índice de massa corporal] mais elevado, ajustamos o cálculo da massa muscular de acordo com a gordura corporal dos voluntários. Aqueles que apresentavam um índice de massa muscular 20% abaixo da média foram classificados como sarcopênicos”, explicou Pereira.

O tema foi abordado pelos pesquisadores da Disciplina de Reumatologia da FM-USP em artigos publicados na revista Osteoporosis International em 2013 e 2014.

Além do exame de densitometria, também foram realizadas análises de sangue e aplicados questionários para avaliação da dieta, grau de atividade física, consumo de tabaco e álcool e presença de doenças crônicas, como diabetes, hipertensão e dislipidemia.

Após quatro anos de seguimento, 15,8% (132) dos voluntários haviam morrido. Desses, 43,2% por problemas cardiovasculares. O índice de óbito entre os homens foi de 20%, enquanto entre as mulheres foi de 13%.

“Fizemos então uma série de análises estatísticas para entender em que os voluntários que morreram se diferenciavam dos que permaneceram vivos. A pergunta do trabalho era: com base na composição corporal medida pela densitometria é possível predizer se a pessoa vai morrer?”, disse Pereira.

Diferenças

De modo geral, os indivíduos que morreram eram mais velhos, faziam menos atividade física, sofriam mais de diabetes e de problemas cardiovasculares. Além disso, no caso das mulheres, apresentavam um IMC mais baixo. No caso dos homens, apresentavam maior chance de sofrer quedas. Todas essas variáveis foram acrescentadas no modelo estatístico e ajustadas para o resultado final, que indicaria qual fator da composição corporal estaria associado com o risco de morte.

No caso das mulheres, consideradas as variáveis de ajuste, apenas o índice de massa muscular baixo se mostrou significativo. Já entre os homens, a gordura visceral também foi um fator relevante. A chance de morrer tornava-se duas vezes maior a cada aumento de seis centímetros quadrados na adiposidade abdominal. Curiosamente, um índice mais alto de gordura subcutânea teve efeito protetor para os homens estudados.

“Observamos que nos homens outros parâmetros também influenciaram negativamente a mortalidade, diminuindo do ponto de vista estatístico o peso da massa muscular apendicular. Nas mulheres, por outro lado, a massa muscular se destacou de forma isolada e, por esse motivo, teve maior influência”, disse Pereira.

Segundo a pesquisadora, as mudanças hormonais relacionadas à menopausa também ajudam a explicar a diferença entre os sexos. “Talvez a transição rápida e significativa de um ambiente estrogênico protetor para um ambiente hipoestrogênico deletério – principalmente no que se refere ao sistema cardiovascular – faça com que o papel metabólico protetor da musculatura esquelética, que inclui a produção de citocinas anti-inflamatórias, ganhe importância na pós-menopausa. Essa alteração hormonal é muito menos abrupta nos homens”, disse.

A perda de massa muscular, que naturalmente ocorre após os 40 anos, pode passar despercebida pelo ganho de peso, também comum após essa idade. Estima-se que, após os 50 anos, entre 1% e 2% da massa muscular seja perdida anualmente. Entre os fatores que podem acelerar o fenômeno estão sedentarismo, dieta pobre em proteínas, doenças crônicas e hospitalização.

Além da importância evidente para a postura, o equilíbrio e o movimento, a musculatura tem outras funções essenciais ao organismo. Ajuda a regular os níveis de glicose no sangue (consome energia durante a contração), a temperatura corporal (o corpo treme quando sentimos frio) e produz mensageiros hormonais, como a mioquinase, que promovem a comunicação com diferentes órgãos e influenciam respostas inflamatórias.

A boa notícia é que a sarcopenia é um problema que pode ser evitado e até mesmo revertido com a prática de exercícios físicos, principalmente musculação. Cuidados com a ingestão de proteínas também são recomendados.

O artigo Association of Appendicular Lean Mass, and Subcutaneous and Visceral Adipose Tissue With Mortality in Older Brazilians: The São Paulo Ageing & Health Study, de Felipe M. de Santana, Diogo S. Domiciano, Michel A. Gonçalves, Luana G. Machado, Camille P. Figueiredo, Jaqueline B. Lopes, Valéria F. Caparbo, Liliam Takayama, Paulo R. Menezes e Rosa M. R. Pereira, pode ser lido em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/pdf/10.1002/jbmr.3710.

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