A obra Salvator Mundi, atribuída a Leonardo, mostra evidências de alinhamento de olho exotrópico (estrabismo) (Christopher Tyler/Reprodução)
São Paulo - Leonardo Da Vinci era estrábico e isso o ajudou a capturar o espaço 3D nas telas de maneira brilhante. É o que afirma um novo artigo do campo da neurociência visual após analisar autorretratos atribuídos ao artista e concluir que, como parte de sua genialidade, Da Vinci devidamente registrou o desalinhamento de seus olhos.
O estudo, publicado neste mês na revista JAMA Ophtalmology, examinou seis prováveis autorretratos de Da Vinci (duas esculturas, duas pinturas a óleo e dois desenhos) ajustando círculos e elipses em torno das pupilas, íris e pálpebras e medindo suas posições relativas. Essas medidas foram consistentes com um diagnóstico de estrabismo.
Se a hipótese for verdadeira, Da Vinci se juntaria a mais um grupo seleto de artistas, o daqueles que provavelmente conviveram com algum grau de estrabismo em sua visão. Sempre com base em autorretratos, os diagnósticos já foram aplicados a Rembrandt, Albrecht Dürer, Edgar Degas e Pablo Picasso.
Segundo os oftalmologistas, o estrabismo pode dar uma boa vantagem “natural” aos artistas. Como o desalinhamento dos olhos tende a suprimir o olho desviante, essa condição teria permitido a pintores como Da Vinci se deslocar entre a visão monocular e a visão normal. Isso ajudaria a explicar a noção tão precisa de perspectiva do renascentista, que era capaz de projetar um cenário tridimensional em uma tela plana de maneira até hoje considerada impressionante.
"Tente fechar um olho", explica o autor Christopher Tyler, neurocientista visual da City University of London. "O mundo agora parece mais plano, então as relações espaciais são mais fáceis de traduzir para o plano”.
O grande obstáculo à pesquisa de Tyler é a dificuldade de se atribuir definitivamente as obras analisadas à Da Vinci. Há muita especulação e pouca certeza, ainda que o legado do artista seja revisado de tempos em tempos com técnicas cada vez mais sofisticadas.
"Todos os críticos de arte discordam uns dos outros, então eu não estou esperando que todos concordem comigo", diz Tyler. Mas ele segue confiante em suas suposições e diagnósticos de estrabismo, mesmo depois de tantos séculos da época em que viveu um dos maiores nomes a arte ocidental.