Zika: pesquisadores da USP buscam um medicamento que possa ser utilizado em seguida à picada ou logo que aparecem os sintomas, de modo a bloquear a proliferação dos vírus e acelerar a cura (Luis Robayo/AFP)
Da Redação
Publicado em 28 de março de 2017 às 10h10.
Última atualização em 3 de abril de 2017 às 08h58.
Com seu tamanho diminuto, um mosquito pode causar um medo considerável. Principalmente se, esmagado com um tapa depois da picada, exibir patas listradas. E mais ainda se quem levou a picada estiver grávida.
Transmissor dos vírus causadores de Zika, dengue e chikungunya, o mosquito Aedes aegypti é de fato um inimigo temível.
Por isso o físico Glaucius Oliva, professor do Instituto de Física do campus de São Carlos da Universidade de São Paulo (IFSC-USP) e coordenador do Centro de Pesquisa e Inovação em Biodiversidade e Fármacos (CIBFar), sonha com um medicamento que possa ser utilizado em seguida à picada ou logo que aparecem os sintomas, de modo a bloquear a proliferação dos vírus e acelerar a cura.
Seu grupo acaba de dar o primeiro passo nessa busca: desvendou a estrutura tridimensional da proteína mais crucial para a replicação do material genético do vírus, conforme descrito em artigo publicado em 27 de março na revista Nature Communications.
“Buscamos o desenvolvimento de fármacos por meio da modelagem de moléculas que interagem com receptores específicos”, conta Oliva.
O CIBFar é um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) financiados pela FAPESP. “Mas nunca tínhamos trabalhado com vírus até a formação da Rede Zika (ver Pesquisa FAPESP nº 239).”
O caráter emergencial da pesquisa chamou a atenção do pesquisador, que começou a coordenar a modelagem molecular das proteínas codificadas pelo genoma do vírus Zika.
Trata-se de uma molécula bastante curta de RNA que carrega o código para 10 proteínas: três estruturais, responsáveis pela estrutura física que envolve o material genético, e sete não estruturais, associadas à replicação do RNA viral.
“O coração do complexo de replicação é a proteína NS5, uma enzima polimerase que usa o próprio RNA como molde para produzir cópias”, explica Oliva. É essa proteína que seu grupo caracterizou, e que pretende usar como alvo para o desenvolvimento de um fármaco.
Para chegar à estrutura foi necessário clonar o RNA, uma etapa feita em parceria com a Cellco, uma empresa criada e incubada na USP em São Carlos por três ex-doutorandos do IFSC com o objetivo de oferecer soluções para laboratórios de pesquisa em biotecnologia.
Depois de sintetizar o gene, de modo a não trabalhar diretamente com o vírus, e produzir a proteína, foi necessário formar cristais com a molécula, uma forma de possibilitar a investigação de sua configuração por meio da cristalografia de raios X.
Com isso, foi possível chegar ao detalhe na menor escala possível, com a localização de cada um dos milhares de átomos que compõem a proteína.
De posse desse modelo, resta encontrar uma maneira de interferir com o funcionamento da polimerase e impedir a replicação genética.
Os pesquisadores de São Carlos não são os primeiros a adotar essa estratégia. “A farmacêutica Novartis há anos está tentando produzir um fármaco contra dengue focando na NS5 do vírus”, conta Oliva.
Embora a empresa tenha outra escala em termos de recursos financeiros e instalações, se comparada à universidade, ele não se sente em desvantagem.
“O que eles fazem, nós também fazemos na busca por uma molécula que bloqueie o sítio ativo da proteína”, afirma. Ele já sabe, na comparação entre a proteína do vírus Zika e a do vírus da dengue, que os respectivos sítios ativos apresentam diferenças importantes.
O fármaco que o grupo do CIBFar busca, portanto, seria específico para Zika. Com a publicação da estrutura cristalizada, ele espera contribuir para uma corrida em que diferentes laboratórios buscarão novos inibidores para a enzima NS5, candidatos a tratamento para a doença.
O artigo de Godoy, A.S. e outros Crystal structure of Zika virus NS5 RNA-dependent RNA polymerase, publicado na Nature Communications, pode ser lido neste link.
Este conteúdo foi originalmente publicado no site da Agência Fapesp.