Coronavírus: o relatório divulgado nesta segunda-feira não surpreende nem resolve o mistério da origem do vírus e destaca a necessidade de estudos adicionais para além da China (Andriy Onufriyenko/Getty Images for National Geographic Magazine)
AFP
Publicado em 29 de março de 2021 às 10h04.
Última atualização em 29 de março de 2021 às 10h09.
O esperado relatório sobre as origens da covid-19 elaborado por especialistas da OMS e chineses inclina-se, nesta segunda-feira (29), para a hipótese de uma transmissão do vírus aos seres humanos por meio de um animal intermediário infectado por um morcego e praticamente descarta a tese de que a pandemia se originou em um laboratório.
A publicação deste relatório conjunto de especialistas da Organização Mundial da Saúde (OMS) e chineses ocorre 15 meses após o surgimento dos primeiros casos em Wuhan, no centro da China, e depois que a pandemia já provocou ao menos 2,7 milhões de mortes em todo o mundo e devastou a economia planetária.
Neste momento, o número de infecções globais (mais de 126 milhões) continua aumentando devido a variantes mais contagiosas, que obrigam os países a tomarem medidas severas de restrição, como é o caso especialmente na Europa e na América Latina.
O relatório divulgado nesta segunda-feira não surpreende nem resolve o mistério da origem do vírus e destaca a necessidade de estudos adicionais para além da China.
Neste sentindo, o diretor geral da OMS afirmou segunda que todas as hipóteses levantadas no relatório merecem um estudo mais aprofundado, em uma primeira reação a este documento.
"Todas as hipóteses estão sobre a mesa e merecem estudos mais aprofundados e abrangentes", disse Tedros Adhanom Ghebreyesus em Genebra durante uma coletiva de imprensa conjunta com o ministro alemão para a Cooperação, Gerd Müller.
A sua publicação suscitará, sem dúvida, críticas à OMS, acusada de suposta complacência para com as autoridades chinesas.
Para os especialistas, a transmissão do vírus da covid-19 por um animal intermediário é uma hipótese "entre provável e muito provável".
Especificamente, eles se inclinam à teoria até agora aceita de que o vírus foi provavelmente transmitido de um morcego para o Homem por meio de outro animal que ainda não foi identificado.
No entanto, a possibilidade de uma transmissão direta entre o animal inicial e o Homem ainda é considerada entre "possível e provável".
O relatório conclui, como os especialistas já haviam previsto ao final de sua missão na China em fevereiro, que é "extremamente improvável" que pandemia de coronavírus tenha sido provocada por um acidente ou fuga de patógenos de um laboratório.
O governo do ex-presidente americano Donald Trump acusou o Instituto de Virologia de Wuhan, que pesquisa coronavírus muito perigosos, de ter deixado o vírus escapar, voluntária ou inadvertidamente.
Os especialistas afirmam que não estudaram a possibilidade de tal ato deliberado.
As análises deste grupo de especialistas mundiais no local onde eclodiu a pandemia eram consideradas cruciais para combater esta pandemia e outras no futuro.
Mas a missão teve muitos problemas para trabalhar devido à relutância das autoridades chinesas em receber esses especialistas mundiais.
Os especialistas apontam ainda que os estudos realizados no mercado Huanan de Wuhan e em outros mercados da cidade não serviram para encontrar "elementos que confirmassem a presença de animais infectados".
"Devem acontecer investigações em áreas mais amplas e em um maior número de países", conclui o relatório.
Por isso, a OMS pede paciência, porque as respostas vão demorar a chegar.
As relações entre a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a China estão sob os holofotes desde o primeiro dia da pandemia de covid-19, mas a atenção aumentou com a publicação do relatório sobre as origens da doença.
Os críticos estimam que Pequim, muito preocupada em combater qualquer reprovação à sua gestão da pandemia, "enrolou" a agência da ONU durante a crise e relutou em compartilhar os dados que esclareceriam as origens de uma doença que já matou mais de 2,7 milhões de pessoas no mundo desde dezembro de 2019.
A OMS foi acusada de ser muito tolerante com a China desde os primeiros dias do que se tornaria a pior pandemia em um século.
Mas a situação da OMS não é simples. Para poder realizar investigações em um país, a organização é obrigada a contar com sua colaboração.
Foi somente em janeiro de 2021, mais de um ano após o início da crise, que especialistas internacionais indicados pela OMS puderam investigar na cidade de Wuhan, considerada o epicentro da crise.
Se muitos questionam a falta de transparência das autoridades chinesas, outros enfatizam que a investigação sobre a forma como o vírus passou do animal para os seres humanos foi feita em plena colaboração com cientistas chineses.
O relatório, do qual a AFP obteve uma cópia nesta segunda-feira, considera "entre provável e muito provável" que o vírus tenha sido transmitido ao Homem por meio de um animal intermediário, previamente infectado por um morcego.
E considera "muito improvável" que o vírus tenha saído de um laboratório, hipótese levantada principalmente pelos Estados Unidos, enquanto a transmissão por carne congelada é considerada "possível".
Entre os críticos está o diretor da ONG de direitos humanos Human Rights Watch, Kenneth Roth, que acusa a OMS de "cumplicidade institucional".
"A OMS rejeitou completamente, como instituição, qualquer tipo de crítica sobre a maneira como a China escondeu a transmissão entre humanos, ou o fato de que continua a se recusar a fornecer evidências", disse Roth a repórteres no mês passado.
"O que precisamos é de uma investigação honesta e vigorosa, em vez de continuar a ceder aos esforços da China para esconder a realidade", enfatizou.
Ouvida pela AFP, uma pessoa habituada a frequentar os círculos diplomáticos em Genebra destacou que a OMS deixou para os chineses a tarefa de realizarem sozinhos os trabalhos preparatórios, bem como de controlar a forma como as investigações decorreriam no terreno.
Ninguém foi, no entanto, mais crítico do que Donald Trump, quando ainda era presidente dos Estados Unidos, e acusou abertamente a OMS de ser uma "marionete da China".
Assim que assumiu o cargo, seu sucessor Joe Biden decidiu que seu país deveria retornar à organização com sede em Genebra, embora não sem críticas.
Mark Cassayre, o diplomata americano de mais alto escalão em Genebra, explicou na semana passada que Washington ficou "consternado" com o longo tempo que levou até que os especialistas pudessem ir a Wuhan.
Cassayre expressou dúvidas sobre a liberdade que tiveram para trabalhar, uma vez no terreno.
"Será o critério, pelo qual julgaremos a relação" entre a OMS e a China, estimou.
Mas, ao fechar a porta para a OMS - da qual os Estados Unidos eram o maior contribuinte -, Washington criou um vácuo que Pequim preencheu rapidamente.
Chen Xu, o embaixador da China na ONU em Genebra, chamou essas acusações de "infundadas".
"A cooperação entre a China e a OMS tem sido muito boa nos últimos anos", disse ele, avaliando que as relações com a agência da ONU durante a pandemia "não tiveram incidentes" e foram "exaustivas".
Já David Heymann, que preside o comitê científico e técnico da OMS sobre riscos infecciosos, saudou a cooperação com a China.
A informação "fornecida voluntariamente pela China" logo no início da crise permitiu "um rápido entendimento do mecanismo de transmissão", disse ele à AFP.
O embaixador da União Europeia na ONU em Genebra, Walter Stevens, ressalta que, quando a China se sente "pressionada", "não facilita as coisas".
Mas, para ele, esse é um problema sério da OMS, e não uma atitude chinesa. "Não concordo em absoluto com a ideia de que a China controla a OMS", diz.
Se ninguém vê a lentidão da missão de investigação sobre as origens como um golpe à credibilidade da OMS, Peter Ben Embarek, que a liderou no campo, considera que não teria sido muito útil ir mais cedo, especialmente porque os trabalhos preparatórios realizados pelos chineses não estariam prontos.
Outro membro da equipe, Marion Koopmans, recomenda que essas missões sejam automáticas, para evitar que sejam percebidas como uma busca por culpados.
"Se quisermos superar essas sensibilidades, vamos fazer [dessas investigações] uma rotina, uma norma", propõe.