(Massimo Pinca/Reuters)
AFP
Publicado em 7 de abril de 2021 às 18h46.
Como explicar os graves - e incomuns - problemas sanguíneos observados em algumas pessoas vacinadas contra a covid-19 com AstraZeneca? O mistério começa a se dissipar após reunião da Agência Europeia de Medicamentos (EMA) nesta quarta-feira (7).
A EMA reconheceu pela primeira vez que a vacina pode causar raros problemas sanguíneos em algumas pessoas. Até agora, não havia se estabelecido um vínculo causal.
Esse "possível vínculo" justifica, em sua opinião, que o risco seja mencionado na bula do medicamento.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) foi mais cautelosa, estimando que o vínculo era "plausível", mas não confirmado.
Os problemas observados não são trombos comuns (formação de coágulos sanguíneos), como relatado inicialmente, mas um fenômeno "muito atípico", segundo a Agência Francesa de Medicamentos (ANSM).
Trata-se de "trombose de grandes veias, atípica pela localização (principalmente cerebral, mas também digestiva), que pode estar associada a trombocitopenia [deficiência de plaquetas] ou problemas de coagulação", como sangramento, segundo o ANSM. Essas tromboses ocorreram "nas duas semanas após a vacinação", explicou a EMA.
Em meados de março, o Instituto Médico Paul-Ehrlich (PEI), que assessora o governo alemão, relatou um "acúmulo surpreendente de uma forma específica muito incomum de trombose venosa cerebral, associada a uma deficiência de plaquetas sanguíneas".
Segundo especialistas, esse quadro tão específico nos leva a pensar em um fenômeno denominado coagulação intravascular disseminada (DICC).
Essa é a questão principal. De acordo com dados da EMA de 4 de abril, 222 casos de trombose atípica foram detectados após 34 milhões de injeções feitas com AstraZeneca nos 30 países do Espaço Econômico Europeu (UE, Islândia, Noruega, Liechtenstein).
Na Alemanha, foram notificados 31 casos suspeitos de trombose venosa cerebral (19 dos quais acompanhados por diminuição das plaquetas sanguíneas), com 9 mortes, de acordo com o Instituto Paul-Ehrlich.
Isso representa 1 caso para cada 100.000 doses da vacina AstraZeneca administradas (2,8 milhões). Também foram registrados casos na França (12 casos, incluindo 4 mortes, para 1,9 milhão de injeções, segundo a ANSM); na Noruega (5 casos, incluindo 3 mortes, por 120.000 injeções) e na Holanda.
O Reino Unido, que utilizou esse imunizante em grande parte em sua campanha de vacinação, o saldo até esta quarta-feira é de 79 casos, dos quais 19 terminaram em óbito, de um total de 20 milhões de doses administradas.
Mas, como acontece com todos os medicamentos, a chave é pesar os riscos e benefícios.
"Os benefícios gerais da vacina na prevenção superam os riscos dos efeitos colaterais", insistiu a EMA nesta quarta-feira.
Até agora, a maioria dos casos ocorreu em "mulheres com menos de 60 anos".
Mas nenhuma conclusão pode ser tirada, pois isso pode ser devido ao fato de que esta vacina foi usada, inicialmente, especialmente em jovens.
Além disso, o fato de os casos registrados serem principalmente mulheres pode ser devido ao fato de a vacina ter sido amplamente utilizada na vacinação de profissionais de saúde, categoria prioritária da população. Um setor no qual trabalham muitas mulheres.
"No momento, os testes não identificaram fatores de risco específicos", disse a EMA.
No Reino Unido, onde a vacina tem sido usada para camadas mais amplas da população, os casos detectados são 51 mulheres e 28 homens, com idades entre 18 e 79 anos.
Após a primeira rodada de suspensões, em meados de março, alguns países decidiram interromper o uso da vacina abaixo de certa idade.
O Reino Unido só a usará com pessoas com mais de 30 anos. Alemanha e Holanda decidiram restringi-lo a menores de 60 anos, Canadá, França e Bélgica pararam de usá-lo com menores de 55 anos. Suécia e Finlândia a menores de 65 anos.
"Não temos apenas uma vacina, temos várias. Portanto, me parece que faz sentido reservar a AstraZeneca para pessoas mais velhas", disse Sandra Ciesek, virologista da Universidade Goethe em Frankfurt, à revista Science.
As autoridades do Reino Unido divulgaram estatísticas nesta quarta-feira mostrando que a covid-19 representa um risco à saúde seis vezes maior do que a vacina, nas idades entre 20 e 29 anos.
Já na faixa etária de 60 a 69 anos, o risco é 600 vezes mais importante. Noruega e Dinamarca optaram por suspender totalmente o uso da vacina, por enquanto.
Vários elementos apontam para uma reação imunológica excessiva causada pela vacina.
Em um estudo publicado online em 28 de março, mas ainda não avaliado por outros cientistas, pesquisadores alemães e austríacos estabeleceram uma comparação com outro mecanismo conhecido.
O fenômeno associado à vacina AstraZeneca "se assemelha clinicamente à trombocitopenia induzida por heparina (HIT)", disse a equipe de cientistas, liderada por Andreas Greinacher (Universidade de Greifswald).
HIT é uma reação imunológica incomum, grave e anormal, desencadeada em alguns pacientes por uma droga anticoagulante, a heparina.
O grupo de pesquisadores propõe que se dê um nome ao fenômeno observado com a vacina AstraZeneca (sigla em inglês VIPIT).
O grupo francês de pesquisadores e médicos "Du côté de la science" (Do lado da ciência) também opta por "uma reação imunológica intensa" e acredita na hipotése de que tudo começa com "a injeção acidental da vacina em uma veia do músculo deltóide"(no ombro).