Covid-19 persistente: pesquisadores buscam diagnóstico definitivo para tratamento de pacientes (Klaus Vedfelt/Getty Images)
Mariana Martucci
Publicado em 8 de janeiro de 2021 às 18h49.
A infecção por SARS-CoV-2 — o vírus da covid-19 — gera medo pela incerteza que carrega em relação aos sintomas que vai provocar em cada um dos infectados.: há quem apresente anomalias leves de curto prazo, outros desenvolvem complicações graves e, por fim, existem pacientes que não manifestam nenhuma condição aparente. Com a discussão sobre a incerteza dos sintomas amplamente disseminada, uma outra questão surge: afinal, quem vai ter as sequelas provocadas pela doença por um longo período de tempo?
A condição, apelidada de "covid longa" por especialistas, é caracterizada por um leque de sintomas, incluindo falta de ar, fadiga acentuada, dor de cabeça e perda de olfato e paladar. Ainda não existem respostas totalmente prontas sobre esta modalidade da doença, já que muitas pesquisas ainda estão sendo realizadas.
Ainda assim, algumas pistas já indicam que o número de sintomas apresentados em pacientes graves e a percepção da covid-19 como uma doença que afeta diferentes órgãos devem ajudar a chefar num veredito em breve.
Uma coisa é certa: os sintomas persistentes não são exatamente uma "novidade" do Sars-Cov-2. Um estudo publicado em fevereiro deste ano já mostrou que pulmões de uma parcela de pacientes que tiveram a Sars-CoV-1 permaneceram comprometidos.
A pesquisa acompanhou 71 pessoas entre 2003 e 2018 e, mesmo ao fim desse período, 4,6% das pessoas ainda tinham lesões visíveis nos pulmões, enquanto 38% tinham dificuldade de transferir oxigênio para o sangue e eliminar gás carbônico.
Em relação ao Sars-CoV-2, um estudo conduzido no maior hospital de Roma com 143 pessoas mostrou recentemente que 87% delas ainda apresentavam fadiga após dois meses do diagnóstico de contaminação. Outra pesquisa, conduzida em Dublin com 128 participantes, mostrou que mais da metade apresentava a mesma condição após dez semanas dos sintomas iniciais.
Um estudo recente, feito com 384 indivíduos, doentes o suficiente para serem hospitalizados, mostrou que, um a dois meses após a internação, 53% permaneceram sem fôlego, com 34% tendo tosse e 69% relatando fadiga. A análise de dados mostrou que 13% das pessoas com covid-19 apresentaram os sintomas por mais de 28 dias, enquanto 4% apresentam sintomas mesmo após um intervalo de 56 dias.
Talvez não seja uma surpresa, mas pessoas que tiveram um quadro mais grave da doença — caracterizada por mais de cinco sintomas — parecem apresentar maior risco de ter a chamada covid-19 de longa duração. Ter idade avançada e ser do sexo feminino também parecem ser fatores de risco para sintomas prolongados, assim como maior índice de massa corporal.
Outra pesquisa, que aguarda a revisão por pares, sugere que o SARS-CoV-2 também pode ter um impacto de longo prazo nos órgãos das pessoas. Porém, o perfil das pessoas afetadas neste estudo é diferente daqueles que relataram os sintomas anteriores.
Esse estudo, que analisou uma amostra de 200 pacientes que se recuperaram da covid-19, encontrou comprometimento leve de órgãos em 32% dos corações das pessoas, 33% dos pulmões e 12% dos rins. Lesões em múltiplos órgãos foram encontradas em 25% dos pacientes.
Os pacientes neste estudo tinham uma idade média de 44 anos, portanto, faziam parte da população em idade ativa. Apenas 18% foram hospitalizados com covid-19, o que significa que podem ocorrer danos aos órgãos mesmo após uma infecção leve.
Um estudo publicado em outubro mostrou que um quadro contínuo de sintomas após a infecção pela covid-19 pode causar uma montanha-russa de sintomas que podem afetar todas as partes do corpo e da mente. O relatório afirmou que um tema comum entre pacientes — alguns com sete meses ou mais com a doença — é que os sintomas aparecem em uma área fisiológica, como o coração ou os pulmões, para então diminuir e vir à tona novamente em outra área.
"Precisamos de diretrizes clínicas sobre como deve ser o tratamento de sobreviventes de COVID-19", disse Nahid Bhadelia, médico infeccioso da Escola de Medicina da Universidade de Boston, que está montando uma clínica para ajudar as pessoas com COVID-19. "Isso não pode evoluir até que quantifiquemos o problema.", afirma, em comunicado.
Há muitos motivos pelos quais as pessoas podem apresentar sintomas da doença mesmo após os pacientes terem se "curado". Mas chegar ao fundo do que está acontecendo pode ser mais fácil para algumas partes do corpo do que para outras.
Quando os sintomas apontam para um órgão específico, a investigação é relativamente direta. Os médicos podem examinar o fluxo elétrico ao redor do coração caso alguém esteja sofrendo de palpitações. Ou podem estudar a função pulmonar quando a falta de ar é o sintoma predominante.
Aliás, tratando especialmente da parte cardiovasular, a British Heart Foundation lançou seis programas de pesquisa no ano passado. O principal intuito é o de entender mais sobre esses pacientes e explorar o que diferencia os pacientes com sintomas leves daqueles que têm consequências graves a partir da contaminação com a doença.
Já a fadiga é um sintoma um pouco mais difícil de explorar. Outro estudo recente mostrou que esse sintoma é comum após a infecção por covid-19 — ocorrendo em mais da metade dos casos — e não parece estar relacionado à gravidade inicial da doença.
Além disso, os testes mostraram que as pessoas não apresentavam níveis elevados de inflamação, apontando que a fadiga não era causada por uma infecção contínua ou por um sistema imunológico abalado. Neste estudo, os fatores de risco para sintomas de longa duração incluíram ser do sexo feminino e, curiosamente, ter um diagnóstico prévio de ansiedade e depressão.
Embora entre os homens exista um risco maior de infecção grave, o fato de as mulheres parecerem mais afetadas pela "covid longa" pode refletir a questão hormonal feminina, já que o receptor ACE2 que o SARS-CoV-2 usa para infectar o corpo está presente nas células de muitos órgãos que produzem hormônios, incluindo a tireóide, a glândula adrenal e os ovários.
Alguns sintomas da "covid longa" se sobrepõem aos sintomas da menopausa, e a reposição hormonal com medicamentos pode ser uma opção para reduzir o impacto dos sintomas da infecção. No entanto, os ensaios clínicos serão essenciais para determinar com precisão se esta abordagem é segura e eficaz.