Ciência

Mosquito transgênico pode ser peça-chave contra dengue e febre amarela

Pesquisadora ressalva que o Aedes aegypti transgênico não deve ser entendido como estratégia exclusiva de combate, mas como parte de um controle integrado

 (James Gathany/Wikimedia Commons/Wikimedia Commons)

(James Gathany/Wikimedia Commons/Wikimedia Commons)

Lucas Agrela

Lucas Agrela

Publicado em 25 de junho de 2018 às 11h16.

Última atualização em 25 de junho de 2018 às 11h17.

Ao lado do desenvolvimento de vacinas, a produção de mosquitos geneticamente modificados pode se tornar uma das armas mais eficientes para o enfrentamento das epidemias de dengue, chikungunya, zika e febre amarela.

Machos transgênicos de Aedes aegypti, dotados de espermatozoides defeituosos, foram criados no Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP) e poderão ser produzidos em escala-piloto ao longo do próximo ano.

“Esses machos transgênicos procuram fêmeas selvagens onde quer que elas se encontrem – inclusive em locais inacessíveis à ação humana. Devido ao defeito introduzido em seus espermatozoides, os ovos resultantes da cópula são inviáveis e isso contribui para a diminuição da população de Aedes aegypti”, disse Margareth Capurro, professora do ICB-USP e principal responsável pelo desenvolvimento desse mosquito modificado por transgenia.

A pesquisadora ressalva que o Aedes aegypti transgênico não deve ser entendido como estratégia exclusiva de combate, mas como parte de um controle integrado, que vai da educação da população ao desenvolvimento de vacinas, passando pela eliminação de potenciais criadouros (depósitos de lixo, plásticos, garrafas, pneus) e pelo uso de larvicidas e inseticidas.

“Esse mosquito é um produto brasileiro. Seu desenvolvimento teve financiamento da FAPESP e da Agência Internacional de Energia Atômica [organização autônoma no âmbito da ONU, Organização das Nações Unidas]. Por isso, em vez de ser apropriado por alguma empresa privada, com objetivo de lucro, ele deve ser distribuído gratuitamente pela ONU para os 44 países envolvidos no controle de mosquitos. Já argumentei, inclusive, que não cabe requerer patente, pois a tecnologia deve ser doada para qualquer país que a queira adotar”, disse Capurro.

Segundo ela, foi concluída a fase 1 da pesquisa, com a produção do mosquito no campus da Universidade de São Paulo, em laboratório do ICB-USP.

“No próximo verão, terá início a fase 2, que é o teste em gaiola de campo. Os mosquitos serão confinados em espaços grandes, com 3 metros quadrados de base, imersos no ambiente natural. O objetivo é saber se eles sobrevivem e são capazes de copular na presença de ventos ou de chuvas. Esse é um teste importante, pois, quando fazemos uma modificação genética, além das características de interesse, podemos induzir também características indesejáveis”, explicou Capurro, que conduziu o projeto de pesquisa “Avaliação e melhoramento de linhagens transgênicas de Aedes aegypti para controle de transmissão de dengue”, apoiado pela FAPESP.

A fase 2 será realizada na biofábrica da Moscamed Brasil, em Juazeiro, na Bahia. Essa instituição parceira é uma organização social, sem fins lucrativos, criada com base no programa da Agência Internacional de Energia Atômica para o desenvolvimento de variedades estéreis da mosca-da-fruta do Mediterrâneo – daí o nome Moscamed. Tal programa já inspirou a criação de várias biofábricas para produção de insetos transgênicos ao redor do mundo.

Produção em escala-piloto

Cada ciclo de vida de mosquito leva 30 dias. Por isso, a fase 2, com a criação de várias gerações e as respectivas avaliações, precisará se estender por seis a oito meses, aproximadamente de setembro de 2018 a março/abril de 2019.

Se tudo correr bem, na transição de 2019 para 2020, poderemos ingressar na fase 3, que será a produção do Aedes aegypti geneticamente modificado em escala-piloto, em quantidades de aproximadamente 500 mil indivíduos por semana.

Nessa fase, o produto poderá receber ainda alguns ajustes. A etapa seguinte será a implementação da estratégia em grande escala. Para isso, a biofábrica de Juazeiro já possui capacidade instalada para produzir 14 milhões de mosquitos transgênicos por semana.

“Mas a produção em Juazeiro ou em outro lugar depende de várias considerações logísticas, que precisam contabilizar custos de produção, custos de transporte, contratação e treinamento de pessoal qualificado etc. Minha intenção é entregar a tecnologia pronta para o Ministério da Saúde e outros ministérios, para que, se houver interesse, seja criado um programa voltado para a implementação. Como o produto será entregue também à ONU, mesmo que o Brasil decida não implementar o programa, outros países poderão implementá-lo”, disse Capurro.

*Este conteúdo foi publicado originalmente no site da Agência Fapesp

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