Morcegos: animais são imunes à doença (Samuel Betkowski/Getty Images)
Tamires Vitorio
Publicado em 27 de outubro de 2020 às 16h10.
Última atualização em 27 de outubro de 2020 às 16h22.
Os morcegos são animais capazes de carregar vírus como o novo coronavírus em seus corpos sem sequer se infectarem pela doença, tornando-se imunes a ela graças à capacidade do animal e do vírus de evoluírem em conjunto, segundo pesquisas. Agora, dois novos estudos dão ainda mais indícios de como funciona o organismo dos animais tidos como origem da covid-19. Quer entender a evolução da pandemia e o cenário de reabertura no país? Acesse a EXAME Research.
Em uma delas, publicada nesta terça-feira, 27, pesquisadores da Universidade Estadual de Ohio, nos Estados Unidos, apontam que o distanciamento social não é coisa de ser humano: segundo eles, os morcegos também praticam distanciamento social quando estão doentes.
Para descobrir isso, os pesquisadores deram a animais da espécie morcego-vampiro uma substância que ativou o sistema imunológico deles, fazendo com que se sentissem doentes por horas seguidas, enquanto um grupo de controle recebeu um placebo.
O comportamento dos animais, monitorados por meio de uma "mochila" colada nas costas, mostrou que os que estavam doentes ficavam mais longe de outros morcegos, interagindo menos com os demais indivíduos, enquanto os saudáveis continuaram a viver sua vida normalmente — deixando de lado os doentes. 31 morcegos participaram do teste — sendo que 15 receberam a substância e outros 16, não.
Em média, comparado aos que estavam no grupo de controle, os morcegos infectados se associaram com menos quatro parceiros de espécie em um período de 6 horas e ficaram 25 minutos a menos interagindo com parceiros.
Outro estudo, feito pela Duke-NUS Medical School, de Singapura, mostra que os morcegos adotam certos mecanismos de defesa para evitar infecções.
Um dos mecanismos utilizados por eles consegue reduzir os níveis de uma proteína que pode causar a tempestade de citocina — hiper-reação do sistema imunológico que acontece quando o indivíduo continua a batalhar contra o vírus mesmo quando ele deixa de ser uma ameaça, liberando as citocinas no organismo até ele atingir um nível exaustivo.
Em humanos, é comum que a tempestade de citocina cause a síndrome de angústia respiratória (Sara) — que pode levar os infectados pelo novo vírus à morte.
"A supressão de respostas inflamatórias hiperativas aumentam a longevidade e previnem declínios relacionados à idade em humanos. Nossas descobertas podem oferecer um entendimento melhor para o desenvolvimento de novas estratégias terapêuticas, que podem controlar e tratar doenças infecciosas em humano”, afirmou Wang Linfa, professor de Duke e um dos autores do estudo.
Segundo uma pesquisa publicada no periódico científico Scientific Reports, feita pela Universidade de Saskatchewan (USask), do Canadá, os morcegos permanecem imunes à covid-19 porque as células do animal se adaptam às do vírus. Outro estudo, feito em abril pelo Museu de Chicago, apontou que os coronavírus e os morcegos têm evoluído juntos ao longo dos anos.
Quando expostas ao Mers (síndrome respiratória do Oriente Médio, que surgiu em 2012, também causada por um coronavírus) as células do morcego se adaptaram e mantiveram suas respostas antivirais. Uma vez dentro do animal, o vírus sofreu mutações rápidas. Cientistas da USask descobriram, em 2017, que ele pode permanecer em hibernação em um morcego por até quatro meses.
“Os morcegos não se livram do vírus e não ficam doentes”, explicou o microbiologista Vikram Misra, um dos autores da pesquisa. “Em vez de matar as células do morcego, como o vírus faz com as células humanas, o coronavírus Mers entra em uma relação séria com o hospedeiro, mantido pelo sistema de superimunidade do morcego. O mesmo pode acontecer com o Sars-CoV-2.”
A pesquisa também sugere que mudanças na vida dos animais, como a exposição deles em mercados vivos (comuns na China, onde começou a covid-19), a outras doenças e prováveis perdas de habitats podem ter contribuído na transmissão para outras espécies. “Quando um morcego passa por estresses em seu sistema imunológico, isso altera o balanço dele e permite que o vírus se multiplique”, diz o microbiologista.
É nesse momento que pode ocorrer o 'salto' do vírus para outras espécies de animais.