Coronavírus: doença já deixou mais de 22 milhões de mortos no mundo (Aly Song/Reuters)
Carolina Riveira
Publicado em 20 de agosto de 2020 às 09h16.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) está preparando um grupo rumo à China para encontrar a origem do novo coronavírus. Os primeiros casos datam de um mercado em Wuhan, mas a origem ainda é incerta --- há resquícios da covid-19 em outros lugares antes dos primeiros casos, de Barcelona ao esgoto de Florianópolis.
Seja como for, o objetivo é descobrir não só a região onde a pandemia começou, mas a origem epidemiológica do vírus e como ele foi passado de animais ou outros ambientes para humanos.
Há um porquê: isso pode acontecer novamente. Especialistas estimam que pode haver mais de 1 milhão de vírus com potencial para infectar humanos, segundo reportagem do jornal South China Morning Post, de Hong Kong, que conversou com especialistas envolvidos na missão da OMS. O problema é que só uma pequena fração deles está catalogada e um percentual ainda menor já foi estudado pela ciência.
Os motivos são muitos, e uma parte é por falta de tecnologia apropriada. Mas há também pouco investimento em pesquisa, falta de coordenação internacional e, até mesmo, falta de vontade política dos governantes mundo afora que levem à decisão de financiar esse tipo de pesquisa.
Nos últimos 20 anos, por exemplo, os estudos sobre coronavírus receberam 550 milhões de dólares, menos do que a metade dos 1,2 bilhões de dólares (1,1% dos gastos globais) investidos em pesquisas sobre o ebola, segundo uma análise feita por pesquisadores da Universidade de Southampton, no Reino Unido.
Assim, tal qual o novo coronavírus apareceu "do nada" e levou a mais de 22 milhões de infectados no mundo, o mesmo pode acontecer com outros patógenos que estão à solta no planeta.
A Sars, síndrome respiratória causada pelo SARS-CoV, que também é um tipo de coronavírus, foi relacionada a morcegos após pesquisas na época. A epidemia da Sars surgiu em 2002, mas nenhuma transmissão ocorre desde 2004.
O novo coronavírus, um "primo" da Sars e causador da doença covid-19, é chamado de Sars-CoV-2. A suspeita é que ele também tenha sido transmitido por morcegos, mas a hipótese ainda não é totalmente confirmada.
Ao SCMP, o pesquisador Wang Linfa, de Singapura, um dos responsáveis por fazer a conexão entre a Sars e os morcegos, diz que a família de coronavírus é um problema ainda menor do que os que podem vir.
Cerca de 70% dos patógenos encontrados nos últimos 50 anos vieram de animais. Os morcegos também transmitiram aos humanos outros vírus mortais, como o Ebola e o MERS-CoV (causador da Mers e também da família do coronavírus).
Linfa afirmou que, pelo fato de os coronavírus já terem causado duas epidemias em menos de 20 anos (a Sars e a Mers), a humanidade poderia "ter feito muito mais". "Algumas [dessas doenças] são desconhecidas que são mesmo desconhecidos", disse. "Mas a covid-19 é uma desconhecida que é conhecida."
A existência de organismos que podem causar novas crises de saúde globais tem sido alertadas por cientistas diversas vezes nos últimos anos. "Vivemos num planeta em que estamos acrescentando um bilhão de pessoas por década. Somos densamente povoados, estamos explorando ambientes até então imaculados, estamos criando e levando a pressões ecológicas... isso está levando risco à barreira entre espécies animais e humanas", disse em coletiva sobre o novo coronavírus o diretor do Programa de Emergências de Saúde da OMS, Mike Ryan.
A expectativa é que a humanidade, governantes e organizações tenham aprendido a lição da nova pandemia e que, cada vez mais, os milhares de vírus espalhados pelo planeta sejam estudados e novas tragédias evitadas -- e que a humanidade, ao mesmo tempo, aprenda a lidar melhor com o planeta. A missão da OMS para investigar o vírus na China é um primeiro passo para isso.
Quando expostas ao Mers (síndrome respiratória do Oriente Médio, que surgiu em 2012, também causada por um coronavírus) as células dos morcegos --- apontados como fonte da covid-19 --- se adaptaram e mantiveram suas respostas antivirais.
Uma vez dentro dos morcegos, o vírus sofreu mutações rápidas. Cientistas da Universidade de Saskatchewan (USask), do Canadá, descobriram, em 2017, que o vírus podia permanecer em hibernação nos animais por até quatro meses.
Os pesquisadores, então, sugerem que mudanças na vida dos animais, como a exposição deles em mercados primitivos, a outras doenças e prováveis perdas de habitats podem ter contribuído na transmissão para outras espécies, inclusive a humana. “Quando um morcego passa por estresses em seu sistema imunológico, isso altera o balanço dele e permite que o vírus se multiplique”, disse o microbiologista Vikram Misr. É nesse momento que pode ocorrer o salto do vírus para as demais espécies.
“Os morcegos não se livram do vírus e não ficam doentes”, afirmou o microbiologista. “Em vez de matar as células do morcego, como o vírus faz com as células humanas, o coronavírus Mers entra em uma relação séria com o hospedeiro, mantido pelo sistema de super imunidade do morcego. O mesmo pode acontecer com o Sars-CoV-2", afirmaram.
Isso explica porque o morcego, ao contrário dos humanos, não pode ser infectado pela doença --- apesar de ser um hospedeiro em potencial.