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Valéria Bretas
Publicado em 30 de outubro de 2016 às 21h46.
Última atualização em 30 de outubro de 2016 às 21h57.
Na Jamaica – e onde mais poderia ser? – um grupo de pescadores, sem nenhum equipamento, pescava com facilidade durante à noite, guiando seus barquinhos no breu. Eram todos fãs de cannabis.
A história atiçou a curiosidade de alguns pesquisadores locais, há mais de duas décadas. Outros relatos e experimentos com haxixe sugeriam que, de fato, a visão noturna melhorava em quem fumava maconha. Mas foi só em 2016 que a ciência conseguiu entender qual o mecanismo biológico por trás desse “superpoder”.
Para isso, pesquisadores do Instituto Neurológico de Montreal decidiram estudar girinos. Eles criaram uma cópia sintética da maconha e aplicaram a substância no tecido dos olhos de cada filhote de sapo. Depois, usaram eletrodos minúsculos para acompanhar como as células da retina dos bichinhos reagiam.
A experiência mostrou que substâncias presentes na maconha se prendem a receptores no nervo óptico dos girinos, diminuindo a concentração de cloretos dentro das células da retina. A consequência é que os olhos se tornavam mais sensíveis à luz, mesmo em lugares pouco iluminados.
Só essa descoberta já comprovou que os efeitos da maconha eram sentidos diretamente no olho e não no cérebro, como “parte da brisa”. Até aí, tudo bem, mas os pesquisadores queriam confirmar se o aumento de sensibilidade também melhorava a visão no escuro.
Em uma segunda etapa do estudo, eles colocaram os girinos em placas de Petri – metade deles “chapados”, e os demais sem maconha. No meio da placa, os cientistas adicionaram pontos pretos, que os girinos associam a predadores.
No experimento, eles observaram que os dois grupos se movimentavam do mesmo jeito com as luzes acessas: nadando livremente e evitando ao máximo os pontos pretos. Já quando diminuíram a iluminação, mudou tudo.
Sem enxergar os pontos pretos, os girinos sóbrios esbarravam neles com frequência. Já os bichos tratados com canabinóides seguiam desviando das ameaças com muito mais eficiência, mesmo sem luz.
Os resultados mostram que os pescadores jamaicanos não estavam só viajando, mas também enxergando melhor. E a descoberta abre espaço para que a maconha seja explorada para o tratamento de doenças na retina, como retinite pigmentosa. Hoje, nos EUA, a droga já é recomendada para casos de glaucoma, outro mal que afeta os olhos.
Para os pesquisadores, resta entender se é possível desassociar a visão noturna acima do normal com os outros efeitos recreativos da maconha – e com que frequência os candidatos a X-Men precisariam consumir a erva para manter o efeito sobre os olhos.
Texto publicado originalmente na Superinteressante