(Instituto Max Planck de Ornitologia/Divulgação)
Lucas Agrela
Publicado em 30 de novembro de 2018 às 09h13.
Última atualização em 30 de novembro de 2018 às 09h14.
Diariamente, bilhões de animais se movimentam por terra, pelo ar e pelos oceanos, conectando as regiões mais remotas e inacessíveis da Terra. A observação da movimentação desses animais em tempo quase real, contudo, é difícil hoje em razão das tecnologias convencionais para rastreamento global de animais via satélite excluírem cerca de 75% das aves e mamíferos, pois a maioria deles é de pequeno porte.
Além disso, as redes de telefonia móvel usadas para fazer o rastreamento de animais não funcionam em muitas partes do mundo, especialmente em regiões de terra aberta, montanhas, florestas, desertos e mares. Já os sistemas de comunicação direta baseados em UHF e VHF não fornecem a faixa necessária, e os sistemas de comunicação por telefone via satélite não podem ser miniaturizados o suficiente, dizem especialistas na área.
A solução para esse problema pode vir do céu. Um consórcio internacional de pesquisa está se preparando para iniciar a operação de um ambicioso projeto de rastreamento de todos os tipos de fluxos migratórios de animais, em escala mundial, a partir do espaço.
Os dados coletados pelo projeto, batizado de Icarus (sigla de International Cooperation for Animal Research Using Space) e liderado pelo Instituto Max Planck de Ornitologia, em parceria com a agência espacial russa (Roscosmos) e o Centro Espacial Alemão (DLR), estão previstos para serem liberados para uso científico em janeiro de 2019.
“As informações obtidas por meio do projeto permitirão compreender a história de vida dos animais de forma muito melhor, identificar hot spots de biodiversidade animal ou regiões onde essa biodiversidade tem sido perdida”, disse Daniel Piechowski, pesquisador do Instituto Max Planck de Ornitologia e participante do projeto em palestra na terça-feira (27/11) no Frontiers of Science Symposium FAPESP Max Planck, organizado pela Instituto Max Planck e pela FAPESP.
“Além disso, possibilitarão compreender melhor a disseminação de zoonoses [doenças transmitidas por animais], fazer novas descobertas sobre mudanças climáticas e prever desastres naturais, entre outras aplicações”, avaliou Piechowski.
Para rastreá-los, os pesquisadores integrantes do projeto irão implantar nos animais minúsculos radiotransmissores, conhecidos como tags (etiquetas), que desenvolveram ao longo dos últimos 16 anos.
As tags são carregadas com um receptor GPS, acelerômetro 3D e sensores de temperatura, umidade, pressão, altitude e frequência cardíaca. Dessa forma, conseguem coletar dados sobre a aceleração, a temperatura ambiente e a orientação dos animais em relação ao campo magnético da Terra e registrar suas rotas.
Os dispositivos também são equipados com painéis solares e baterias recarregáveis, com o intuito de operarem em modo econômico de baixa energia.
As tags de geolocalização existentes hoje, que estão implantados nos animais, queimam muita energia transmitindo dados por meio de redes de telefonia celular ou sistemas de satélite, explicou Piechowski.
“As tags desenvolvidas no projeto usam um esquema especial de codificação de acesso múltiplo por divisão de código [CDMA, na sigla em inglês] para se comunicar com satélites, usando muito pouca energia”, disse.
Os menores dispositivos pesam 2,5 gramas, mas os pesquisadores pretendem diminuir ainda mais o peso e o tamanho deles de forma que seja possível implantá-los em abelhas e gafanhotos, por exemplo.
“O ideal é que os dispositivos ligados aos animais não tenham peso superior a 3% da massa corporal deles, de modo a não afetar seu comportamento natural”, explicou Piechowski.
Os dados coletados pelos sensores das tags de geolocalização são captados por três antenas receptoras, de 200 quilos cada, enviadas para a Estação Espacial Internacional (ISS) em um foguete Soyuz, em fevereiro de 2017, e instaladas em agosto deste ano. As antenas juntaram-se a um computador, também enviado à ISS em outubro de 2017, que funcionará como o “cérebro” do projeto.
Ao entrarem no feixe da ISS – o que acontece, aproximadamente, quatro vezes ao dia –, os transmissores implantados nos animais recebem um sinal do computador em órbita para serem ativados. A partir desse momento, eles têm dois segundos para enviar os dados coletados para as antenas receptoras.
O computador a bordo da ISS separa, analisa, limpa os dados e os retransmite para uma estação terrestre. Todos os dados – exceto os mais sensíveis para a conservação de espécies, como a localização de rinocerontes – serão publicados em um banco de dados on-line de código aberto desenvolvido pela equipe do projeto: o Movebank.
“Em suma, o projeto é uma internet das coisas, via satélite, ou “internet dos animais”, que permitirá conectá-los com os humanos, avaliou Piechowski.
Até o início de 2019, o projeto contará com 1.000 transmissores em campo. Os pesquisadores pretendem, porém, aumentar esse número para 100.000 em um curto período de tempo.
A expectativa do consórcio é que o conhecimento sobre a movimentação dos animais em diferentes partes da Terra e as maneiras pelas quais eles interagem com os humanos ajude no combate das epidemias globais, por exemplo.
Aproximadamente 70% das epidemias globais, como a SARS (Síndrome Respiratória Aguda Grave), o vírus do Nilo Ocidental e a gripe aviária, originam-se como zoonoses, provocadas pela interação entre os animais e os seres humanos. Dados globais sobre movimentação de animais, em rede internacional, ajudariam a prever a ocorrência de surtos dessas doenças e proteger a saúde humana, avaliam os pesquisadores.
Para isso, porém, é preciso obter respostas para questões fundamentais, como a localização de um animal em qualquer ponto de sua vida, qual seu estado interno, que atividade está realizando e quais as razões de sua morte – o que ajudaria a protegê-los.
“Nenhuma dessas questões fundamentais foi suficientemente respondida para animais que vivem na natureza em períodos de médio ou longo prazo, especialmente para aqueles pequenos, que são de suma importância para a humanidade, como aves e morcegos, porque são disseminadores de doenças”, afirmou Piechowski.
O rastreamento da movimentação dos animais também poderia ajudar a prever pragas agrícolas e desastres geológicos, como terremotos, erupções vulcânicas e tsunamis, apontaram os pesquisadores.
No caminho para o sul, por exemplo, as cegonhas geralmente descansam nas proximidades de criadouros de gafanhotos na borda sul do Saara. Dessa forma, esses pássaros indicam, exatamente, onde esses enxames de insetos estão e para onde poderiam migrar.
E em testes do sistema em campo, equipando animais maiores com as tags e coletando dados via uma antena terrestre, os pesquisadores alemães foram capazes de prever erupções do Monte Etna, na Itália, com seis horas de antecedência, observando padrões de movimento de cabras nas encostas do vulcão.
“Sabemos que espécies de animais como elefantes também são capazes de prever terremotos. Podemos estudar o comportamento desses e outros animais para prever desastres naturais e avaliar os impactos das mudanças climáticas e do desmatamento de florestas, por exemplo, com maior acurácia”, disse Piechowski.
Realizado pela primeira vez no Brasil, o Frontiers of Science Symposium FAPESP Max Planck, que aconteceu nos dias 27 e 28/11, em São Paulo, teve o objetivo de estimular a colaboração em pesquisa científica e desenvolvimento tecnológico entre pesquisadores do Estado de São Paulo e dos Institutos Max Planck, fomentando a cooperação bilateral em diversas áreas.
“Esse simpósio representa uma grande oportunidade para a FAPESP aumentar a cooperação em pesquisa com a Sociedade Max Planck, com a qual mantemos um acordo que tem sido muito efetivo. Já lançamos duas chamadas de propostas voltadas à seleção de projetos de jovens pesquisadores”, disse Eduardo Moacyr Krieger, vice-presidente da FAPESP, na abertura do evento.
Antes de São Paulo, o evento aconteceu em Valparaíso, no Chile, em Buenos Aires, na Argentina, e na Cidade do México. A próxima edição do evento está prevista para ocorrer em Havana, em Cuba.
“A Sociedade Max Planck tem tradição de se envolver em colaborações internacionais em pesquisa. Os projetos que apoiamos no Brasil em parceria com agências de fomento à pesquisa, como a FAPESP, têm sido muito bem sucedidos”, avaliou Hajo Freund, representante da Sociedade Max Planck.