Ciência

Hospitais brasileiros testam inteligência artificial contra sepse

2,5 milhões de pacientes já foram monitorados e 12.289 acabaram beneficiados pela tecnologia criada pelo Instituto Laura Fressatto

Tecnologia funciona monitorando dados do prontuário do paciente e informações contidas em uma ferramenta (Getty Images/Reprodução)

Tecnologia funciona monitorando dados do prontuário do paciente e informações contidas em uma ferramenta (Getty Images/Reprodução)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 15 de outubro de 2019 às 13h08.

A cada 3,8 segundos, o robô Laura faz uma varredura nas informações sobre pacientes internados e, utilizando inteligência artificial, consegue mapear casos de sepse, grave infecção que pode afetar o funcionamento dos órgãos e levar à morte.

A plataforma, criada pelo arquiteto de sistemas Jacson Fressatto, de 40 anos, está presente em 13 hospitais em três Estados e deve chegar à capital e ao interior de São Paulo em novembro.

Quadro que causa a morte de 250 mil pessoas ao ano no País e de cerca de 6 milhões de pacientes no mundo, a sepse tem sido alvo de estudos de instituições, principalmente dos Estados Unidos.

A ideia de criar uma plataforma para evitar a complicação em pacientes que estão internados ocorreu depois de uma tragédia na família de Fressatto. Em 2010, a filha Laura nasceu prematura e, após 18 dias na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), morreu por sepse.

"Até 2012, fiquei estudando o que era e vi que se fazia necessário construir uma tecnologia que fosse integradora, mas pouco se falava em inteligência artificial e "machine learning" (aprendizado das máquinas)", lembra Fressatto.

"Passei a investir recursos pessoais, vendi meu patrimônio e construí, em 2015, um protótipo que foi testado em um hospital para validar o tratamento."

Segundo o fundador do Instituto Laura Fressatto, a primeira implementação foi em julho do ano seguinte no Hospital Nossa Senhora das Graças, em Curitiba, e a plataforma se mostrou eficiente. O balanço da entidade, de outubro de 2016 a junho deste ano, aponta que 2,5 milhões de pacientes já foram monitorados e 12.289 acabaram beneficiados pela tecnologia.

"A minha meta pessoal não está relacionada com o que eu passei, mas em saber que a gente pode ter um controle efetivo de risco de morte. Não sou médico nem da área de saúde, mas o que fiz salva 12 pessoas por dia."

Atualmente, a plataforma está em funcionamento em cinco hospitais do Paraná, entre eles o Erasto Gaertner e o Nossa Senhora das Graças, na capital, além de uma instituição de Minas e sete do complexo da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre no Rio Grande do Sul. O valor de implementação varia de acordo com o tamanho do hospital e há um gasto mensal de, em média, R$ 4 mil.

Infectologista e diretor médico da plataforma, Hugo Morales explica que a tecnologia funciona monitorando dados do prontuário do paciente e informações contidas em uma ferramenta. Sinais vitais e resultados de exames são analisados pela plataforma, que emite alertas para a equipe médica, caso o paciente apresente alterações no quadro clínico.

"A plataforma é a potencialização do ser humano pela máquina, mas quem toma a decisão é o ser humano. Fizemos um estudo seis meses antes e seis meses depois do uso da tecnologia, com 55 mil pacientes. Tivemos redução de mortalidade de 25% e o tempo de internação caiu 10%."

Diretor assistencial do Hospital Ministro Costa Cavalcanti, em Foz do Iguaçu (PR), Sandro Scarpetta diz que a ferramenta está sendo utilizada há pouco mais de um ano e já trouxe resultados. "A (taxa) de mortalidade passou de 4,33% para 1,64%."

Alerta

Presidente do Instituto Latino-Americano de Sepse e intensivista do Hospital Sírio-Libanês, Luciano Azevedo observa que grupos em outros países estão estudando e desenvolvendo plataformas para evitar a complicação, mas ainda são necessários trabalhos científicos para comprovar a eficácia.

"Isso é uma tendência, mas ainda não tem uma plataforma que esteja totalmente validada cientificamente para uso. É como um medicamento, que passa por várias etapas de validação", explica Azevedo.

"A inteligência artificial que a gente tem ainda não é capaz de discernir totalmente se é um caso de sepse", observa ele. "Se alarma o tempo inteiro com pacientes que não têm sepse, fadiga a equipe médica. Mas, no futuro, certamente ajudará."

Diagnóstico

A dona de casa Francielli Colle Santana, de 34 anos, estava grávida de 21 semanas do segundo filho quando sentiu um mal-estar, em abril do ano passado. Ela buscou um hospital e foi liberada após três dias de internação. Mas não melhorou.

"Fiquei mais dois ou três dias em casa, mas estava com muita fraqueza e falta de ar", lembra ela. "Fui diagnosticada com sepse por causa do robô, que deu um alerta. Uma bactéria dentária pegou uma válvula do meu coração. Fiz uma cirurgia cardíaca grávida. O médico não deu muita esperança para o bebê."

Naquele momento, Francielli não conseguia compreender a gravidade de seu estado. "Estava tão ruim que não conseguia pensar. Quem sofreu mais foi a minha família." Foram 20 dias de internação, mas a gravidez correu bem. Rafael, que está com 1 ano, e a mãe estão saudáveis.

Montanha-russa

Bianca, de 1 ano e 8 meses, é outra paciente que teve a sepse detectada com a plataforma. A mãe da criança, a jornalista Jéssica Amaral, de 33 anos, teve uma infecção no útero e a menina nasceu prematura.

"A gente ficou 77 dias na UTI. Durante a internação, ela teve várias complicações: pneumonia, hemorragia pulmonar. Nem sabia que o hospital tinha essa tecnologia. Mas vi no laudo, depois, que ela teve a sepse. Foi uma forma de salvar a Bianca."

No período de internação, ela viu o robô Laura sendo utilizado pela equipe médica em outros pacientes. "Via a movimentação dos médicos e descobri depois que era a sepse. A UTI é uma montanha-russa. Um dia, a pessoa está bem, no outro, está muito ruim. A minha filha, quando quase estava saindo do hospital, teve a pneumonia. É difícil ver o começo da vida daquele jeito." As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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