Ciência

Grupos da USP descrevem nova estratégia de combate à sepse

Pesquisadores brasileiros descreveram uma nova estratégia para combater a inflamação e reduzir a mortalidade de pacientes com sepse

Leucócitos: dois fármacos com essa atividade já estão disponíveis no mercado, mas com outras finalidades (Agência Fapesp)

Leucócitos: dois fármacos com essa atividade já estão disponíveis no mercado, mas com outras finalidades (Agência Fapesp)

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Da Redação

Publicado em 8 de novembro de 2016 às 15h55.

Última atualização em 29 de novembro de 2016 às 21h01.

Em um artigo publicado na revista Scientific Reports, em outubro, pesquisadores brasileiros descreveram uma nova estratégia para combater a inflamação e reduzir a mortalidade de pacientes com sepse: a inibição de uma enzima chamada tioredoxina redutase (TrxR-1, na sigla em inglês).

Dois fármacos com essa atividade já estão disponíveis no mercado, mas com outras finalidades. O auranofin é hoje usado no tratamento da artrite reumatoide.

Já o carbonato de lantânio tem sido recomendado para portadores de insuficiência renal. Em testes com camundongos, a administração desses medicamentos aumentou em até 50% a sobrevida à sepse.

A investigação foi conduzida durante o doutorado de Silvia Cellone Trevelin, com bolsa da FAPESP e orientação dos pesquisadores Fernando de Queiroz Cunha, do Centro de Pesquisa em Doenças Inflamatórias (CRID), e Lucia Rossetti Lopes, do Centro de Pesquisa em Processos Redox em Biomedicina (Redoxoma). Os dois grupos de pesquisa são financiados pela FAPESP no âmbito do programa Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs).

“Os nossos resultados indicam que a enzima tioredoxina redutase pode ser um novo alvo terapêutico no tratamento da sepse. Porém, esses achados ainda precisam ser comprovados em pacientes humanos, por meio de um ensaio clínico para verificação da eficácia e análise de efeitos deletérios”, disse Lopes à Agência FAPESP.

De acordo com Cunha, os grupos de pesquisa já estão conversando com laboratórios farmacêuticos para tentar viabilizar os testes em pacientes com sepse.

“Dados de experimentos feitos in vitro sugerem ainda que a estratégia pode ser interessante também no tratamento da doença granulomatosa crônica (DGC), um defeito genético que impede o organismo de produzir radicais livres de oxigênio que são importantes para combater infecções”, contou o pesquisador.

Infecção bacteriana

Popularmente conhecida como infecção generalizada, a sepse é na verdade uma inflamação sistêmica potencialmente fatal – a condição é hoje uma das principais causas de mortalidade nas unidades de terapia intensiva (UTIs) do mundo.

A inflamação exacerbada geralmente é desencadeada por uma infecção bacteriana e pode permanecer ativa mesmo após os patógenos terem sido eliminados, produzindo mudanças na temperatura corporal, pressão arterial, frequência cardíaca, contagem de células brancas do sangue e respiração.

As formas mais graves de sepse também podem causar disfunção no funcionamento de diversos órgãos, condição conhecida como choque séptico.

De acordo com Cunha, esses efeitos deletérios são causados pela produção excessiva de substâncias inflamatórias pelas células de defesa – com destaque para a citocina TNF-α (fator de necrose tumoral alfa) –, que acabam lesionando os tecidos.

“Existe nas células de defesa um complexo proteico conhecido como NF-κB [fator nuclear kappa B], que atua como um fator de transcrição para vários mediadores inflamatórios. Normalmente, ele fica no citoplasma e, quando ocorre a produção de radicais livres de oxigênio após o contato da célula com um patógeno, o NF-κB é levado para o núcleo onde pode se ligar ao DNA e ativar a transcrição de citocinas”, contou o coordenador do CRID e professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP).

Em um primeiro momento, os pesquisadores pensaram que eliminar a produção de radicais livres seria uma boa estratégia para diminuir a inflamação, uma vez que, em tese, o NF-κB deixaria de migrar para o núcleo celular.

Testaram essa hipótese em um modelo de camundongo modificado geneticamente para não expressar as enzimas que produzem os radicais livres.

Porém, para surpresa do grupo, todos os animais morreram em decorrência da inflamação, até mesmo quando foram desafiados com componentes de bactérias mortas incapazes de causar uma infecção verdadeira.

“Em parceria com a equipe do Redoxoma, descobrimos que inibir a produção de radicais livres de oxigênio era uma má ideia por dois motivos: primeiro porque eles são importantes para matar as bactérias e, segundo, porque oxidam a enzima tioredoxina redutase (TrxR-1), impedindo que ela vá para o núcleo celular e lá modifique o NF-κB de modo a deixá-lo na forma capaz de induzir a produção de mediadores inflamatórios. Portanto, se por um lado os radicais livres podem causar lesões, por outro ajudam a balancear a inflamação durante a sepse”, contou Cunha.

A partir dessas conclusões, os pesquisadores decidiram testar como estratégia terapêutica a inibição da TrxR-1. Em um modelo de camundongo, a inflamação sistêmica foi provocada por um método conhecido como ligação e perfuração do ceco (CLP, na sigla em inglês), no qual uma abertura é feita no intestino de forma a permitir o extravasamento de fezes e de bactérias para a cavidade peritoneal.

Parte dos animais foi tratada apenas com antibióticos e apresentou sobrevida em torno de 50%. A outra metade recebeu, além dos antibióticos, as drogas inibidoras de TrxR-1. Neste segundo grupo a sobrevida aumentou para 80%.

Testes em leucócitos

Resultados de experimentos feitos in vitro sugerem que a mesma abordagem pode ser usada no tratamento da DGC. Conforme explicou Cunha, os portadores dessa doença genética não expressam as enzimas necessárias para a produção de radicais livres de oxigênio. O resultado são infecções recorrentes e inflamação crônica.

“Como o organismo dessas pessoas não consegue matar o microrganismo, ele o envolve com células inflamatórias formando um cisto ou granuloma. O objetivo é manter o patógeno isolado, impedindo que circule livremente. Mas estudos recentes têm mostrado que, muitas vezes, não há bactérias dentro desses granulomas e, ainda assim, há inflamação”, contou Cunha.

Segundo o pesquisador, os portadores dessa doença raramente chegam à idade adulta – seja pelas infecções recorrentes ou pelo excesso de inflamação.

“Pensamos, então, que ao inibir a TrxR-1 poderíamos diminuir a inflamação e as lesões dela decorrentes”, contou Cunha.

A hipótese foi testada em leucócitos de portadores de DGC estimulados com componentes bacterianos e depois incubados com carbonato de lantânio. A droga inibidora da TrxR-1 reduziu consideravelmente a produção de TNF-α – principal mediador inflamatório por trás da formação de granulomas.

Conforme destacaram os pesquisadores, esse medicamento é aprovado para uso humano no Brasil desde 2013. Na Europa e nos Estados Unidos tem sido usado por portadores de insuficiência renal há cerca de seis anos sem causar efeitos adversos graves.

“A dose do medicamento necessária para inibir a TrxR-1 é inferior à usada para tratar a insuficiência renal, o que minimizaria ainda mais a ocorrência de efeitos adversos. Portanto, acreditamos que já há condições de dar início a um ensaio clínico”, avaliou Cunha.

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