Mutações: de acordo com a OMS, as variantes britânica, sul-africana e brasileira são as mais preocupantes (style-photography/Getty Images)
Laura Pancini
Publicado em 23 de março de 2021 às 13h54.
A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) desenvolveu um estudo que indica que a disseminação do novo coronavírus no Brasil está levando a ainda mais mutações das variantes que já estão em circulação.
O artigo, ainda não revisado por pares e produzido por 31 pesquisadores, utilizou amostras colhidas entre 12 de março de 2020 e 28 de fevereiro de 2021. Todas fazem parte da Rede de Vigilância Genômica Covid-19 da Fiocruz.
O levantamento identificou 11 sequências de vírus com "mutações preocupantes" em cinco estados: Rondônia, Paraná, Bahia, Maranhão e Amazonas. De acordo com o estudo, as novas cepas podem ser mais resistentes à imunidade anteriormente adquirida por indivíduos, assim como a variante P1 identificada em Manaus no início do ano.
Apesar de a descoberta chamar a atenção, ela já era esperada por cientistas analisando o contexto atual. Com um número alto de casos e grupos de risco sendo vacinados, o vírus tenta procurar novas formas de proliferar em indivíduos com anticorpos e, portanto, resistentes a uma reinfecção.
O que cientistas sugerem é que uma vacinação rápida e completa pode ser o necessária para interromper o surgimento de uma cepa mais contagiosa e transmissível. Com a vacinação lenta, o SARS-CoV-2 tem mais tempo de sofrer mutações, processo natural de qualquer vírus.
"Esses achados apoiam que a contínua transmissão generalizada do SARS-CoV-2 no Brasil está gerando novas linhagens virais que podem ser mais resistentes à neutralização do que as variantes parentais preocupantes", afirma o estudo, que enfatiza a "necessidade urgente de abordar a eficácia das vacinas para aquelas variantes emergentes" e também "o risco de transmissão comunitária não controlada contínua".
Atualmente, foram reconhecidas três variantes consideradas as mais transmissíveis, de acordo com estudos preliminares: a britânica, a sul-africana e a brasileira. Elas são as únicas na categoria da Organização Mundial de Saúde (OMS) que indica uma variante de preocupação (VOC). Outras, como a identificada recentemente na França, ficam em uma lista de "variantes sob investigação".
Além da mutação D614G, todas elas têm em comum a mutação N501Y (também apelidada de “Nelly”), que faz com que as cepas sejam mais contagiosas por conta da sua capacidade de ligar as proteínas das espículas do vírus mais facilmente às células humanas, ficando mais infecciosa.
Antes da variante B1351 (sul-africana) se tornar dominante, os testes realizados no início do estudo da vacina Oxford/AstraZeneca na África do Sul apresentavam 75% de eficácia para redução de riscos em uma única dose. No início de novembro, em meio aos testes, a cepa começou a se espalhar pelo país e mudou completamente os resultados: ao final, o resultado foi uma eficácia de 22%, chegando bem abaixo dos 60% esperados para aprovação.
De acordo com o epidemiologista Dr. Eric Feigl-Ding, sul-africanos previamente infectados e com anticorpos para a cepa antiga não tinham qualquer proteção contra a B1351, mesmo em casos graves. Ela carrega ainda uma segunda mutação: a E484K, que tem capacidade de escapar dos anticorpos neutralizantes, e que também é encontrada na variante brasileira P1.
A B117, cepa britânica que é de 35% a 45% mais transmissível, foi identificada em meados de dezembro e se tornou dominante no Reino Unido em menos de dois meses. De acordo com a OMS, ela já foi detectada em mais de 80 países, incluindo os Estados Unidos.
A variante brasileira P1 foi identificada em Manaus entre dezembro de 2020 e janeiro de 2021, quando uma alta nos casos fez com que pesquisadores testassem amostras e descobrissem a presença da cepa em 42% delas. Anteriormente, um estudo havia estimado que até 76% da cidade já havia sido contaminada, sugerindo uma probabilidade de imunidade alta na população.