Asteroides: a manobra espacial permitiria mudar a rota de satélites (JUAN GARTNER/Getty Images)
Isabela Rovaroto
Publicado em 14 de agosto de 2019 às 10h31.
Última atualização em 14 de agosto de 2019 às 10h42.
Um veículo espacial é conectado a um cabo de 100 quilômetros de comprimento, ancorado em um asteroide. Preso por esse space tether, como é chamado esse tipo de cabo espacial, o veículo pode ter sua trajetória alterada em muitos quilômetros, ganhando energia durante o processo de rotação, até finalmente se desconectar, sendo impulsionado em outra direção e podendo até mesmo sair do Sistema Solar.
A viabilidade teórica dessa manobra espacial foi apresentada na Sixth International Conference on Tethers in Space, realizada na Universidad Carlos III, em Madri, na Espanha, de 12 a 14 de junho. O trabalho rendeu à autora, Alessandra Ferraz Ferreira, o prêmio Mario Grossi, criado para homenagear o jovem cientista que apresentasse o projeto mais inovador durante a conferência.
Ferreira realiza estágio de pós-doutorado na Faculdade de Engenharia de Guaratinguetá da Universidade Estadual Paulista (FEG-Unesp), com bolsa da FAPESP. O estudo tem supervisão de Rodolpho Vilhena de Moraes, professor da FEG-Unesp, e integra o Projeto Temático “A relevância dos pequenos corpos em dinâmica orbital”, coordenado por Othon Cabo Winter.
O artigo premiado estabelece os parâmetros para uma manobra desse tipo em espaço tridimensional e será submetido a uma edição especial da revista Acta Astronautica. A manobra é chamada de Tethered Slingshot Maneuver (TSSM), ou manobra de estilingue com cabo, em uma tradução livre.
“A ideia é fixar uma das pontas de um cabo na superfície de um corpo, como um asteroide, e na outra extremidade ter um dispositivo de recebimento. Então lança-se, por exemplo, um satélite ou outro objeto na direção desse corpo e, quando chegar à posição em que está o dispositivo de recebimento, ele se conecta. A velocidade com que o objeto chega obriga o cabo a fazer uma rotação, gerando um efeito similar ao que temos se girarmos uma pedra amarrada em um barbante”, disse Ferreira.
O modelo aproveita corpos de massa menor do que planetas e satélites naturais para ganhar energia. No caso de corpos maiores, há manobras do tipo swing-by, em que o campo gravitacional empurra o satélite ou veículo espacial, poupando combustível, um fator crítico nas missões.
O trabalho de Ferreira busca dar viabilidade para o uso de pequenos corpos como asteroides, que não têm campos gravitacionais tão poderosos como os planetas, na realização de manobras que gerem impulso e economizem combustível.
Levando em conta as condições iniciais estudadas do espaço e as velocidades possíveis de serem alcançadas por um veículo espacial, os pesquisadores concluíram que o objeto precisaria chegar ao dispositivo de recebimento a 68,7 quilômetros por segundo (km/s) – o equivalente a 247.320 quilômetros por hora (km/h) – para se conectar ao cabo, obter o impulso desejado e, então, maximizar o ganho de energia. Isso ocorreria com inclinação da órbita próxima ao plano.
O trabalho também analisou outros cenários. No caso de se aproximar a 7,7 km/s (27.720 km/h), por exemplo, o corpo minimizaria o ganho de energia. Por volta dos 15 km/s (54.000 km/h), ele seria capturado pela órbita do asteroide, gravitando em torno dele indefinidamente.
“Todos esses cenários precisam ser previstos. Servem, inclusive, para outros fins como, por exemplo, se o objetivo for enviar um satélite para orbitar o asteroide”, disse Ferreira.
Além disso, o cabo pode também desviar o veículo espacial da sua rota, naturalmente elíptica. Em vez de orbitar indefinidamente em torno do Sol, ao ser preso ao cabo ele passaria a traçar uma rota hiperbólica, pela qual sairia completamente do Sistema Solar.
Depois de impulsionado pelo cabo, que no cenário estabelecido no estudo teria 100 quilômetros de comprimento, o veículo se desconectaria, ganharia energia e teria a rota alterada em relação àquela em que foi lançado.
“O cabo substitui o efeito que a gravidade teria se aquele fosse um corpo maior, como um planeta, o que também acaba economizando combustível”, explicou.
Usados em missões desde a Gemini 11, lançada pela Nasa, a agência espacial dos Estados Unidos, em 1967, os cabos espaciais têm geralmente entre 20 m e 1 km, com raras exceções, como a de uma missão de 1996, também da Nasa, que usou um de 19,6 km.
O conceito, porém, data pelo menos de 1895, quando o russo Konstantin Tsiolkovsky (1857-1935) descreveu um elevador espacial, composto por um cabo que levaria cargas para uma estação fora da atmosfera terrestre. No entanto, cabos espaciais na escala de tantos km, como o proposto pelo artigo, nunca chegaram a ser usados.
Tampouco se sabe como fixar um desses em um asteroide, nem o método e os materiais para a fabricação do cabo e do dispositivo de recebimento. O objetivo do estudo feito pelos cientistas brasileiros foi estabelecer os parâmetros para que uma manobra do tipo possa ser feita em um cenário em que todas essas questões já estarão resolvidas.
“Usamos como base um sistema de asteroides genérico, mas baseado em dados de um sistema existente. Calculamos os dados de aproximação do satélite a partir dos parâmetros desse sistema. Bastaria alterá-los para os de uma condição real para aplicá-los”, disse Ferreira.
O sistema de asteroides usado como referência foi o 99942 Apophis, localizado a 11.602.976 km da Terra.
O resumo do artigo Three-Dimensional Tethered Slingshot Maneuver in the Elliptic Restricted Problem, de Alessandra F. S. Ferreira, Rodolpho V. de Moraes, Antonio F. B. A. Prado e Othon Cabo Winter, pode ser lido na página 60 do livro da Sixth International Conference on Tethers in Space (disponível para download).