Crianças: faixa etária pode ser afetada pela internet de forma negativa (Getty Images/Getty Images)
Tamires Vitorio
Publicado em 11 de novembro de 2020 às 08h00.
Última atualização em 13 de novembro de 2020 às 07h51.
Diversos estudos têm apontado que a inteligência das pessoas tem sido reduzida por conta da internet --- em especial a das crianças, que já nascem acostumadas com tablets, smartphones e tudo o que há de mais novo no setor. Desde 2018 o assunto toma conta dos jornais científicos e de livros lançados no mundo todo.
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O livro do autor americano Jaron Lanier, Dez Argumentos Para Você Deletar Agora Suas Redes Sociais, por exemplo, explica como as redes sociais estão fazendo com que os seres humanos se tornem cada vez mais "idiotas" (termo utilizado por Lanier em sua obra).
Ao mesmo tempo em que defensores da tecnologia negam que ela é a culpada pela diminuição no QI dos indivíduos, neurocientistas estão do outro lado da calçada --- e apontam os grandes riscos que a internet pode oferecer no desenvolvimento das crianças e, também, na vida dos adultos.
Em um estudo realizado pelo neurocientista Fabiano de Abreu Rodrigues, o especialista explica que "a internet é um mundo aberto ao facilitismo". Com cada like e comentário em fotos ou vídeos, as pessoas se sentem recompensadas, o que gera dopamina em seus cérebros (neurotransmissor que é responsável pelo humor humano).
Quando expostas a isso desde cedo, as crianças encontram dificuldades em tarefas que não geram a mesma resposta imediata --- como na leitura. "As conquistas são fáceis e alcançáveis em quase todas as aplicações, seja um like numa rede social ou uma meta de um jogo. Este tipo de rotina cria um ciclo vicioso, a necessidade de dopamina gera mais ansiedade e esta leva ao cansaço devido ao cortisol e outros hormônios liberados que resultam na fadiga", explica o estudo.
Em entrevista à EXAME, Rodrigues explica que, com essa necessidade constante de dopamina, conseguida tão facilmente na internet, os níveis de ansiedade e fadiga podem aumentar. "A gente vai lá e consegue likes no Instagram, isso gera dopamina. Tem vários comentários no Facebook, o que também gera dopamina. Em pouco tempo, isso se torna viciante. E quando você fica viciado em dopamina, você fica ansioso. Seu organismo pede por ela, e você aumenta a sua ansiedade, o que ativa o cortisol. É um ciclo vicioso", diz.
Em 2008, um estudo conduzido pela Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA) escaneou o cérebro de 24 pessoas enquanto elas faziam buscas no Google. O que os pesquisadores descobriram, à época, foi que aqueles que tinham mais experiência ao usar o mecanismo de busca tiveram um aumento mais intenso na atividade cerebral, em particiular no cortex pré-frontal, área responsável pela consciência, usada para a tomada de decisões. O que pode até parecer benéfico à primeira vista --- mas não é.
O lado ruim disso acontece porque, ao encontrar um texto com hyperlink, o cérebro se questiona se deve ou não clicar nele. Com essa interrupção constante na tomada decisão, é fácil se perder e não absorver informação nenhuma.
E isso tem explicação. "O cérebro é perigoso por natureza porque ele tem que economizar energia. Em 1800, a gente tinha a agricultura, o trabalho rural. E hoje a gente fez uma mudança que, com o Google, você já sabe que tem aquela informação ali, então para que um indíviduo se sentirá atraído à leitura, se já tem aquilo disponível na internet? Ou seja, é uma economia de energia --- e o cérebro gosta disso", explica Rodrigues.
Pense nos cães de Pavlov. O cientista russo Ivan Pavlov, no século XX, treinou alguns cachorros para que eles ficassem com fome, mesmo sem nenhuma comida perto deles.
A forma que ele encontrou para fazer isso foi tocar uma campanhia sempre que os animais eram alimentados. Depois de um tempo, sempre que a campainha tocava, os cachorros acreditavam que a recompensa estava próxima. As redes sociais funcionam quase da mesma forma: os indivíduos postam uma foto esperando as curtidas (a recompensa) e jogam jogos em seus celulares para conseguirem a mesma forma de recompensa.
Mas é claro que não é tão simples assim --- e nós, seres humanos, não somos os cães de Pavlov e a teoria behaviorista tem muitas outras nuances. O que vale aqui é o básico: fazemos algo quase que automaticamente buscando uma recompensa.
Isso acontece com os adultos. E também não é muito diferente do que ocorre com as crianças.
Suponha que, ao entrar em uma sala com 15 delas, todas têm um smartphone, ou um tablet, ou um iPad em mãos. A maioria delas pode estar jogando um jogo ou rolando infinitamente o feed de alguma rede social --- muito provavelmente o TikTok.
Para Rodrigues, isso atrapalha o conhecimento cognitivo dos menores. "O QI das crianças está sendo reduzido porque não existe uma amplitude de conhecimento. O que o TikTok te ensina? Dancinhas. Mas cadê o desenvolvimento cognitivo? Não tem", explica.
Outro fator prejudicial para as crianças com uma exposição precoce às redes sociais é o aumento da ansiedade e depressão. Um estudo recente publicado no Canadian Journal of Psychiatry, feito com 3 mil adolescentes entre 13 e 16 anos, apontou que o uso excessivo de celulares e de redes sociais pode aumentar a incidência de problemas psicológicos. Mas nem todas as telas são perigosas, segundo o estudo. O aumento de depressão e da ansiedade acontece principalmente pelas redes sociais e por conteúdos assistidos na televisão, enquanto videogames não apresentaram conexões diretas.
Mas um estudo feito pela universidade estadual de Ohio, nos Estados Unidos, comparou crianças que começaram a pré-escola em 1998 --- seis anos antes de o Facebook ser lançado --- com as crianças que iniciaram a educação em 2010, mesmo ano que o primeiro iPad foi lançado.
O que eles descobriram foi que ambos os grupos tiveram o mesmo nível de habilidades interpessoais, como a de formar e manter amizades e se dar bem com outras pessoas, além de ambos possuírem a capacidade de regular o temperamento.
Alguns professores da geração dos anos 2000, inclusive, afirmou que as habilidades interpessoais entre esse grupo geracional é até maior do que as das crianças que estudaram no jardim de infância em 1998.
Então, não, nem tudo está perdido.
Os extremos são perigosos. É preciso haver um balanço entre vida real e online e, é claro, incentivar outras atividades que aconteçam fora das telinhas.
No caso dos adultos, a internet pode exacerbar uma questão narcisista inerente aos humanos. "O narcisismo crônico acontece porque, quando você está atrás de uma tela, você fala o que quer, e você acredita ter um poder que você, na verdade, não tem", continua.
Não é de hoje que existem discussões sobre o fato de que as pessoas, enquanto fazem postagens no Twitter, no Facebook e no Instagram, se aproveitam de um certo conforto por trás da anonimidade que lhes é oferecida. "A gente já tem uma vaidade e a internet fez com que isso vire algo extremo. No online, as pessoas pensam que podem fazer o que quer e criam razões abstratas para diversos temas. Quanto menos você sabe, mais você acha que sabe tudo", sintetiza.
O novo movimento antivacina
Em meio à pandemia do novo coronavírus, diversos conteúdos falsos têm sido compartilhados nas redes sociais, se tornando prejudiciais para a saúde das pessoas. Um estudo recente mostra que a quantidade deles causou o crescimento de um movimento antivacina que ultrapassou os limites da internet.
A análise, feita com ajuda dos dados da Wellcome Global Monitor sobre 137 países e da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre 166 países, os pesquisadores concluíram que a taxa de vacinação mundial foi reduzida devido às publicações em redes sociais. A pesquisa mostra que o uso delas causam a impressão de que as vacinas não são seguras.
Quando apenas um ponto sobe na escala de desinformação usada pelo estudo, acontece uma queda de 2% na cobertura de imunizações ano a ano.
Ao fazer uma busca rápida no Facebook, o usuário poed encontrar diversos grupos e páginas que compartilham conteúdos falsos sobre vacinas. Uma das teorias mais compartilhas nas redes sociais sobre o suposto lado "obscuro" das imunizações é a de que elas causam autismo.
Um estudo de 1998 semeou pânico no mundo por vincular o autismo infantil à vacina tríplice viral (sarampo, rubéola e caxumba). Em 2011, ele foi comprovado como uma "falsificação elaborada" pelo conceituado British Medical Journal (BMJ).
A revista médica britânica The Lancet se retratou formalmente, em fevereiro de 2010, sobre a investigação e decidiu retirar o artigo publicado do ar. Mesmo assim, o estrago estava feito: à época, a taxa de vacinação na Grã-Bretanha caiu. Tudo por conta de uma notícia falsa compartilhada na internet. E que continua a tomar conta dos debates.
Isso pode explicar as discussões políticas e em relação à covid-19 que acontecem diariamente em âmbito público. Há quem duvide da eficácia da vacina chinesa, CoronaVac, puramente por se tratar de uma imunização produzida por um laboratório da China, não levando em conta os estudos e pesquisas científicas que devem ser divulgados antes de comprovar se ela é ou não eficaz contra a pandemia que já deixou mais de um milhão de mortos no mundo todo.
O problema pode parecer maior em outros países, como nos Estados Unidos, mas respinga com força no Brasil. Um levantamento feito por EXAME mostra que o termo "Vachina" (usado comumente no Twitter para desmoralizar a imunização produzida pelo laboratório Sinovac em parceria com o Instituto Butantan) identificou que o termo foi usado mais de 100 vezes nas últimas 24 horas. Sendo que 60% dos tuites foram feitos somente em São Paulo.