Ciência

Especialistas debatem potencial da cannabis na saúde do idoso

Uso terapêutico dos canabinoides é discutidos com foco em possíveis benefícios em tratamentos contra dor crônica e demência

Cannabis: uso da planta é considerado ilícito em boa parte do mundo, inclusive no Brasil (OpenRangeStock/Getty Images)

Cannabis: uso da planta é considerado ilícito em boa parte do mundo, inclusive no Brasil (OpenRangeStock/Getty Images)

AB

Agência Brasil

Publicado em 1 de novembro de 2019 às 19h50.

O uso de canabinoides na população idosa para fins medicinais foi tema de um debate na manhã desta sexta-feira (1) promovido no Rio de Janeiro pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia. Os canabinoides são substâncias derivadas da cannabis, considerada ilícita em boa parte do mundo e no Brasil. Com possíveis benefícios em tratamentos contra dor crônica, demência e outros problemas comuns em idosos, o uso terapêutico tem sua discussão atravessada por expectativas e preconceitos, avaliam os pesquisadores, que defendem uma abordagem científica do assunto.

Médico do Centro de Demência de Alzheimer do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPUB-UFRJ), Ivan Abdalla apresentou estudos internacionais sobre canabinoides e demência que apontam a necessidade de aprofundar o tema antes de prescrever ou afastar de vez essa hipótese.

"A gente tem evidências de que talvez tenha um efeito, mas a gente precisa caminhar alguns passos para poder chegar lá", disse.

O pesquisador apresentou um mapeamento feito pela Agência Canadense de Drogas e Tecnologias em Saúde (CADTH) que levantou 12 estudos realizados entre 1997 e 2017 em seis países: Canadá, Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha, Suíça, Holanda e Israel. Apesar de ter considerado as pesquisas de baixa qualidade e com alto risco de viés, a agência ainda assim concluiu que elas indicam que os canabinoides podem ser eficazes contra alguns sintomas da demência.

"Têm evidências para algumas situações clínicas, mas para demência a gente ainda não tem essa resposta. Existe um potencial, mas ainda estamos em um momento experimental", afirma o pesquisador. "É preciso estimular a pesquisa e o debate, e derrubar barreiras pra isso, mais do que para o uso."

No Brasil, a Resolução de 2.113/2014 do Conselho Federal de Medicina restringe o uso do canabidiol para o tratamento de crianças e de adolescentes com epilepsia que tenham sido refratários às terapias convencionais. Somente neurologistas, neurocirurgiões e psiquiatras podem fazer essas prescrições. A recomendação da cannabis in natura ou de qualquer outro derivado diferente do canabidiol é proibida pela resolução.

O debate foi mediado por uma das fundadoras da Comissão de Cuidados Paliativos da SBGG, Claudia Burlá, que afirma não ter dúvidas de que os canabinoides podem ter um grande potencial terapêutico para os idosos.

"A gente tem que estudar, não pode ficar em um reducionismo e em um moralismo", diz ela, que vê esse potencial para descobertas no tratamento de dor crônica, quadros de epilepsia e náusea decorrente de quimioterapia. Ela adverte que é preciso cautela no debate, para não criar na sociedade uma expectativa alta demais em relação às possibilidades terapêuticas dos canabinoides. "Nada de panaceia", enfatizou ao iniciar a discussão, que lotou uma das salas do congresso.

O presidente da SBGG, Carlos André Uehara, lembra que qualquer prescrição médica para idosos ainda depende de mais estudos, mas que o papel de uma sociedade científica é apoiar o debate. "Não impede que a gente tenha a discussão."

Sobre o congresso

O debate sobre os canabinoides ocorre em uma programação que trouxe temas contemporâneos para o congresso de geriatria e gerontologia, como o combate aos preconceitos, a Previdência Social, o envelhecimento LGBT e o uso de tecnologia para assistir idosos à distância.

"Temos que discutir a questão de gênero, o velho não é um ser assexuado, e tem a questão de doenças sexualmente transmissíveis", lembra Uehara, que destaca a importância de preparar os geriatras para lidar com idosos diversos. "O profissional tem que entender que existem diferenças. O mundo não é binário. Não é zero ou um, e sim ou não."

O envelhecimento populacional torna o debate da qualidade de vida na velhice urgente para a população brasileira, e o médico chama a atenção que a transição do país para uma sociedade com mais idosos depende de um planejamento público e individual. "Se não nos programarmos e não fizermos uma transição demográfica em melhores condições, isso vai impactar na saúde e até na Previdência. Envelhecer é um planejamento."

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