Retorno ao escritório: empresas precisam informar e ter cautela ao abordar funcionários sobre status vacinal (Luis Alvarez/Getty Images)
Thiago Lavado
Publicado em 13 de agosto de 2021 às 07h00.
Última atualização em 13 de agosto de 2021 às 10h42.
O avanço da vacinação no Brasil e no mundo colocou muitas empresas diante de uma situação: é preciso falar sobre a vacina com os funcionários. A maioria das pessoas está se vacinando pró-ativamente, mas as empresas programam retornos aos escritórios, estruturam turnos e dias para equipas e muitas já falam em requerer que a vacinação seja obrigatória entre os trabalhadores.
Em São Paulo, maior centro empresarial do país, mais de 90% dos paulistanos acima de 18 anos já receberam ao menos uma dose, faltando ainda a vacinação dos grupos de 21 a 18 anos, que deve acontecer a partir de amanhã, 14. Os efeitos da imunização começam a ser sentidos no sistema de saúde: no início deste mês, a ocupação dos leitos de UTI no estado foi menor do que 50% pela primeira vez em 2021.
Ainda que haja uma melhora da pandemia e as empresas estejam se preparando logisticamente, não é é fácil fazer uma pergunta simples: você está vacinado?
O assunto é mais pacífico no Brasil, país que tem bom histórico de cobertura vacinal, de acordo com epidemiologistas, do que em outros países, onde há um sentimento anti-vacina mais forte. Os Estados Unidos, por exemplo, que têm 50% da população adulta completamente vacinada, penam para aumentar os índices e atingir uma forma de imunidade coletiva — estados e municípios estão remunerando financeiramente a vacinação, em meio a histórias de fatalidades pela recusa do imunizante.
Mas, ainda assim, é preciso cautela para tratar o assunto por aqui: existem muitas camadas envolvidas na pergunta da vacinação, especialmente porque a covid-19 é a doença que tomou o mundo de assalto. Há aspectos políticos, ideológicos e religiosos a serem levados em consideração, e até mesmo legais: manter uma base de dados com informações de saúde de funcionários, vacinados ou não, pode incluir até mesmo implicações na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
Para Sofia Esteves, presidente do conselho do grupo Cia. de Talentos e colunista da Exame, é preciso que as empresas pensem campanhas internas de informação, falem com médicos, passem a mensagem de que os funcionários precisam zelar pela saúde coletiva e que a imunização seja tratada como uma questão de bem-estar comum.
“As empresas estão optando por voltar aos poucos, para testar se há novos casos e como está a motivação dos funcionários. Ainda são muitas incertezas, muitas variáveis, é preciso pensar no ânimo do indivíduo e do coletivo”, afirma a especialista.
Preocupadas com a ascensão da variante Delta e com o retorno aos escritórios que já estava programado, algumas empresas americanas passaram a exigir a vacinação junto a funcionários para garantir a segurança em escritórios e campi. No final de julho, gigantes como Google e Facebook, entre as primeiras a adotar o home office no início da pandemia, anunciaram que iriam requerer que funcionários fossem vacinados para retornar ao trabalho presencial.
Foram seguidas por diversas outras companhias e indústrias. Até militares nos EUA já foram ordenados pelo Pentágono a se vacinar contra a covid-19. Outra história que surpreende é a do jornal norte-americano CNN, que demitiu três funcionários não vacinados após violarem a política obrigatória de imunização.
Google e Facebook contam ainda com uma comodidade: têm suas sedes em campi próprios, com bastante espaço e áreas abertas, ao contrário de muitas outras companhias, que têm rotinas bastante distintas. “Há empresas que compartilham prédios. Uma companhia não pode afetar outras. São pequenas coisas que fogem do controle da empresa”, comenta Esteves.
Para especialistas é também recomendado cautela na hora de abordar colegas de trabalho sobre sua situação vacinal: as dicas são não fazer julgamentos ou discussões sobre o assunto, mas tentar solucionar a situação de maneira respeitosa e que tenha uma resolução que satisfaça a todos. Justamente por isso, empresas devem estar atentas a regras de convivência, como usos de máscaras e compartilhamento de espaços, quando retornarem ao trabalho presencial.
Nenhum governo tomou medidas contra quem não quer se vacinar, mas as empresas brasileiras já contam com o apoio do Ministério Público do Trabalho (MPT). Os trabalhadores que se recusarem a tomar a vacina contra a covid-19 sem apresentar razões médicas documentadas poderão ser demitidos por justa causa.
A Justiça Trabalhista, inclusive, já garantiu a um hospital o direito de demitir por justa causa uma funcionária que se recusou a tomar a vacina. O Supremo Tribunal Federal (STF), ainda no ano passado, determinou que o Estado tem liberdade de impor medidas restritivas a quem se recusar a tomar o imunizante, podendo incluir multa, vedação a matrículas em escolas e proibição de entrar em determinados lugares.
"Como o STF já se pronunciou em três ações, a recusa à vacina permite a imposição de consequências. Seguimos o princípio de que a vacina é uma proteção coletiva. O interesse coletivo sempre vai se sobrepor ao interesse individual. A solidariedade é um princípio fundante da Constituição", disse Alberto Balazeiro, procurador-geral do MPT.
A orientação do MPT é que a demissão ocorra como última alternativa e que seja estimulada a conscientização sobre a importância de se proteger contra a covid-19. "Todos temos amigos e parentes que recebem diariamente
Mas como falar com aquele colaborador que se recusa a vacinar? De acordo com nova pesquisa EXAME/IDEIA, 67% dos brasileiros acham que os empregadores podem exigir a vacinação contra o coronavírus dos funcionários. Os que discordam dessa medida são 12%, e os que nem concordam nem discordam somam 21%.
Já na visão de Otavio Calvet, Juiz do Trabalho no TRT/RJ e Mestre e Doutor em Direito do Trabalho pela PUC-SP, não é possível tomar uma decisão “100% segura” enquanto não houver alguma lei trabalhista ou norma reguladora do Ministério do Trabalho em ação.
“O empregador não é a autoridade que pode impor a vacinação obrigatória. É um ator privado, que não tem esse poder”, opina Calvet, que compreende a polarização do tema. “Nesse momento, também precisamos pensar na saúde coletiva e isso se sobrepõe ao direito do indivíduo de se vacinar.”
O Brasil não estabeleceu alguma norma que torna obrigatória a comprovação de vacinação para a vida social, como um “passaporte da vacina” que já acontece em alguns países. Para Calvet, deve ser estimulado no escritório “um ambiente favorável a que as pessoas busquem a imunidade”. “O empregador pode, por exemplo, orientar, informar sobre a doença e os benefícios da vacinação.”
O advogado também sugere a possibilidade de um meio termo enquanto nada é determinado, como mover todos os funcionários não vacinados ao home office. “Na minha opinião, hoje, é a melhor medida que o empregador poderia fazer para evitar todas essas consequências que ainda são muito prematuras.”