Kenneth Frazier, da MSD: para o CEO não se pode apressar a ciência e é preciso ser cauteloso com promessas de vacina (Bess Adler/Bloomberg/Getty Images)
Thiago Lavado
Publicado em 10 de setembro de 2020 às 19h37.
Última atualização em 14 de setembro de 2020 às 12h40.
O rigor científico é um dos grandes debates de 2020. Principalmente em torno da vacina contra o coronavírus, um assunto que se divide entre a segurança no desenvolvimento e a necessidade de imunização. O CEO e membro do conselho da farmacêutica Merck Sharp & Dohme (MSD), Kenneth Frazier, também entrou nesta discussão. Em uma conversa com Tsedal Neeley, professora de administração na Universidade Harvard, ele disse que, quando se afirma que haverá vacinas disponíveis até o final de 2020, está se prestando um grave desserviço à população.
"Eu acredito que, quando as pessoas dizem ao público que vai existir uma vacina até o final de 2020, por exemplo, elas estão prestando um grande desserviço", afirmou Frazier, que reiterou que não há um bom histórico de vacinas em outras pandemias. "No passado, com a gripe suína, a vacina causou mais mal do que bem. Não temos um grande histórico de introduzir vacinas rapidamente no meio de uma pandemia."
Frazier também apontou para um outro problema de fazer alarde sobre a vacina, um potencial descaso em relação às atitudes que precisam ser tomadas durante a crise atual. "Quando dizemos às pessoas que uma vacina está vindo, permitimos que políticos digam ao público para não fazer o que é preciso ser feito, como usar máscaras", disse o executivo, que apontou que houve desencontros em diversos pontos para evitar uma piora no cenário da pandemia, desde o monitoramento de casos, disponibilidade de material de proteção, até a testes em escala adequada.
"Nos últimos 25 anos, só tivemos sete vacinas realmente novas introduzidas clinicamente no mundo. Quando digo novas, isso significa que elas eram efetivas contra um patógeno para que antes não havia vacina", afirmou sobre o histórico das vacinas produzidas recentemente. Frazier também apontou que há uma tentativa de elaborar uma vacina contra o HIV desde os anos 1980 e que ainda não obteve sucesso.
A visão do executivo se contrapõe a farmacêuticas que estão preparando suas vacinas "a jato" e também a de políticos, como o presidente americano Donald Trump, que já afirmou reiteradas vezes que uma vacina estaria pronta antes mesmo das eleições americanas em novembro — uma declaração que levou críticos e opositores a apontar o potencial eleitoreiro da fala de Trump.
Para uma vacina ou medicação ser aprovada e distribuída, ela precisa passar por três fases de testes. A fase 1 é a inicial, quando as empresas tentam comprovar a segurança de seus medicamentos em seres humanos; a segunda é a fase que tenta estabelecer que a vacina ou o remédio produz, sim, imunidade contra um vírus, já a fase 3 é a última fase do estudo e tenta demonstrar a eficácia da droga.
Uma vacina é finalmente disponibilizada para a população quando essa fase é finalizada e a proteção recebe um registro sanitário. Por fim, na fase 4, a vacina ou o remédio é disponibilizado para a população.
Com isso, as medidas de proteção, como o uso de máscaras, e o distanciamento social ainda precisam ser mantidas. A verdadeira comemoração sobre a criação de uma vacina deve ficar para o futuro, quando soubermos que a imunidade protetora realmente é desenvolvida após a aplicação de uma vacina. Até o momento, nenhuma situação do tipo aconteceu.
Correção: uma versão inicial deste texto afirmava que Frazier é CEO da Merck Group, uma empresa distinta, ainda que historicamente conectada à Merck Sharp & Dohme (MSD), nos Estados Unidos e Canadá chamada apenas de Merck. A informação foi corrigida no dia 14 de setembro, às 12h.