Da esquerda para a direita: Flávia Ferrari, Wasim Syed, Thomas Conti e Isaac Schrarstzhaupt (EXAME/Divulgação)
Laura Pancini
Publicado em 17 de março de 2021 às 10h12.
Última atualização em 17 de março de 2021 às 19h23.
Um ano após a chegada da pandemia do coronavírus no Brasil, divulgadores científicos continuam usando o Twitter e outras redes sociais para comentar artigos científicos e falar sobre os atrasos e avanços do combate à doença. De forma voluntária, eles trabalham diariamente para informar a população da maneira mais acessível e objetiva possível.
Mesmo divididos em uma variedade de áreas e grupos, a comunidade de divulgadores de informações sobre a covid-19 é unida, porque o sucesso de um significa alcançar o objetivo de todos: ajudar os brasileiros a se proteger de maneira consciente.
Enquanto alguns os enxergam como “exagerados” ou “alarmistas”, para outros eles já ganham status de super heróis no combate à desinformação na pandemia. A EXAME conversou com a professora de ciências biológicas Flávia Ferrari, o cientista de dados Isaac Schrarstzhaupt, o doutor em economia Thomas Conti e o graduando em Ciências Farmacêuticas Wasim Syed para entender mais a fundo o trabalho voluntário ao qual eles vêm se dedicando há um ano.
Como professora de ciências biológicas, Flávia sempre teve um interesse em ser a ponte entre pessoas e informação. Uma das fundadoras do Observatório Covid-19 BR, ela trabalha majoritariamente no Twitter da iniciativa e na criação de materiais didáticos para divulgação.
O Observatório surgiu em maio de 2020 e foi proposto para Flávia pelo professor Paulo Inácio Prado do Departamento de Ecologia da USP. Ele foi criado com o intuito de divulgar informações sobre a covid-19, baseando-se em dados atualizados e na metodologia científica. Hoje, a iniciativa conta com mais de 80 voluntários de inúmeras áreas de especialização e 42 mil seguidores no Twitter.
“A ideia inicial era fazer algo para professores usarem em escolas, porque não sabíamos ainda se as aulas iam voltar e queríamos mostrar como tratar do assunto em aula”, explica Ferrari, que diz que acabou entrando “de cabeça” no projeto e acabou se tornando uma intérprete dos estudos complexos sobre o coronavírus. “Eu faço a tradução para o povão”, brinca.
Junto com o Observatório, Ferrari também idealizou a campanha Todos Pelas Vacinas, que surgiu em janeiro deste ano para garantir que problemas como fake news ou conteúdos anti-vacina não fossem as vozes mais predominantes na internet. Ela conta com apoio da União Pró-Vacina, a equipe Halo da ONU e a Rede Análise Covid-19, além de outras 25 instituições.
A campanha já recebeu apoio de nomes como Felipe Neto, Gabriela Prioli, Leci Brandão e Denise Fraga, além de um vídeo do Porta dos Fundos onde a personagem dona Helena, feita pelo ator Fábio de Luca, ironiza os comentários de quem acredita em teorias de conspiração sobre a vacina.
O tempo na cisterna fez a Dona Helena lançar o hit da vacinação, perfeito pra dançar na fila do postinho, respeitando o distanciamento de 1,5m. Chama o Zé Gotinha e vem decorar essa letra com a gente! #todospelasvacinas @fabiodluca pic.twitter.com/1IVjEPYjqF
— Porta dos Fundos (@portadosfundos) January 21, 2021
No site da campanha, materiais didáticos estão disponíveis para serem baixados e compartilhados pelo WhatsApp ou qualquer outra rede. A ideia, como explica Ferrari, é eles serem os mais acessíveis possíveis para a população. Outro site, o Previna-se, ensina de forma simples as medidas de prevenção recomendadas. “São informações que as pessoas acabam esquecendo ou tendo uma falsa sensação de segurança sobre”, explica ela.
Ferrari reflete sobre seu trabalho no Observatório e na campanha Todos Pelas Vacinas: “São muitos sentimentos mistos, mas você fica com a sensação de dever cumprido. Ver que as fichas de algumas pessoas caíram pelo nosso trabalho é altamente recompensador, mas às vezes recebemos algumas perguntas e críticas que te deixam meio sem chão”, conta.
O trabalho de Flávia, assim como o de todos os outros participantes das iniciativas, é totalmente voluntário. “Nós estamos em um processo de muita dedicação. Nos baseamos em evidências científicas, mas a todo tempo analisamos a sociedade e pensamos junto com ela”, diz. “A divulgação científica não pode só falar, ela tem que ouvir também.”
O trabalho de Isaac sempre foi conectar dados com a tomada de decisão. Quando a pandemia chegou, decidiu usar sua experiência para entender qual caminho ele mesmo deveria seguir. “Peguei os dados da China e da Itália, percebi que o assunto era muito sério e que, daquele jeito que estava, o coronavírus iria tomar o mundo”, diz o cientista de dados.
Buscando alguma forma de divulgar estas informações, Schrarstzhaupt criou o grupo “Covid-19 Dados e Projeções” no Facebook e eventualmente migrou para o Twitter, publicando na sua conta estagnada de 30 seguidores — hoje com 17,8 mil. Em agosto, recebeu o convite da biomédica e neurocientista Mellanie Fontes-Dutra para participar do Rede Análise Covid-19, grupo multidisciplinar dividido nas áreas de análise e modelagem de dados, coleta e análise de bancos de dados e textos de divulgação científica.
A rede, que acumulou 36,3 mil seguidores no Twitter desde sua criação em abril de 2020, conta com 80 voluntários de diversas áreas. Schrarstzhaupt é coordenador da área de modelagem de dados, mas também cria textos que explicam conceitos não tão simples da ciência de dados.
“Coisas como atraso de notificação, o que é positividade e taxa de crescimento”, comenta ele, que também usa seu canal pessoal no YouTube para explicar tais conceitos em formato de vídeo. “Tento falar de um jeito que acaba chegando nas pessoas, como esclarecer se aquele dado quer dizer se o filho dela vai para a escola ou não."
A prefeitura de Caxias do Sul (RS), cidade de Isaac, já até convidou ele para dar sua interpretação dos números de casos e óbitos da região. Isso evidencia uma mudança em como divulgadores científicos vêm sendo vistos, mas, para Isaac, o trabalho deles ainda está longe de chegar no mainstream.
“Quero que a pandemia acabe de uma vez, mas não quero que o interesse pela ciência vá embora junto”, comenta Isaac. “Espero que a gente continue nosso trabalho e que as pessoas continuem querendo entender e divulgar ciência.”
No último ano na faculdade de Ciências Farmacêuticas na USP de Ribeirão Preto, Wasim teve seu início como divulgador com cartazes que ele mesmo fez e distribuiu pela sua cidade sobre os cortes do governo na educação.
Já no segundo semestre de 2019, ele ingressou no União Pró-Vacina, criado pelo Instituto de Estudos Avançados da sua faculdade com o intuito de informar sobre a epidemia do sarampo e a importância das vacinas.
Apesar de brincar que a covid-19 “atrapalhou tudo” na sua vida acadêmica, Syed entrou de cabeça neste novo mundo. Junto com o União Pró-Vacina, passou a compilar fake news, monitorar e denunciar grupos anti-vacina e criar materiais didáticos para serem compartilhados pelo WhatsApp. “Assim, conseguimos garantir que as pessoas podem baixar e enviar o conteúdo para seus familiares”, explica.
Wasim também teve oportunidade de ingressar na Equipe Halo, iniciativa da Organização das Nações Unidas (ONU) para apoiar cientistas voluntários que produzem conteúdo sobre o coronavírus para o Twitter e o TikTok. Wasim criou uma conta na rede social voltada para vídeos curtos e com potencial viral imenso e, hoje em dia, tem mais de 197,3 mil curtidas e 13,8 mil seguidores por lá.
“O legal do algoritmo do Tik Tok é que um vídeo bem simples pode ter milhões de pessoas vendo. Em comparação com outras redes sociais, não temos tanto alcance”, explica Syed, que acha que o aplicativo possibilita alcançar e informar usuários fora da sua bolha. “No Twitter, tenho a impressão que é mais para formar redes e colaborações, realmente conversar com as pessoas.”
Sobre o último ano de cobertura, Wasim diz que viveu sua própria “pandemia psicológica”, mas que voluntariar na divulgação científica o ajudou a se desenvolver como profissional. “Foi um ano horrível, mas fortaleceu a imagem de autoridades científicas no Brasil. O nível de conteúdo sendo divulgado mostra que não estamos fazendo algo amador.”
@wasimvacinas Tá ansioso pro shot? #equipehalo #teamhalo #todospelasvacinas #ciencia #vacinas #learnontiktok
Doutor em economia, analista de dados e professor, Thomas Conti enxerga seu trabalho como divulgador científico mais como um “curador de informações” do que qualquer outra coisa. Ele sempre teve interesse em informar e, desde 2013, faz publicações em seu blog e sua página no Facebook sobre temas como política e economia.
Em fevereiro de 2020, porém, as coisas mudaram para Conti. Em entrevista à EXAME, ele conta que foi impactado pela notícia de um cruzeiro no Japão que registrou 542 casos de coronavírus. “Com algumas contas básicas, percebi que o problema era muito maior do que eu e as pessoas estávamos imaginando”, conta o professor. “Não havia ninguém, pelo menos no meu círculo, falando sobre isso. Foi quando comecei a correr atrás e me informar.”
Conti tem quase 16.000 seguidores em sua página no Facebook, além de administrar algumas outras páginas, mas ele comenta que as informações divulgadas lá não têm o mesmo impacto como no Twitter. Por isso, hoje a rede social do passarinho é seu foco como curador de informações e seu crescimento lá é constante: de 11 mil seguidores em março do ano passado para 56 mil agora. Em 2020, inclusive, ele foi identificado como um dos perfis de maior influência na divulgação científica no Twitter, segundo pesquisa do Instituto Brasileiro de Pesquisa e Análise de Dados (IBPAD).
Hoje, o professor participa de três grupos voluntariamente. O primeiro é o Infovid, criado pelo professor e epidemiologista Paulo Lotufo, que junta diversos especialistas de diferentes áreas para divulgar informações sobre a covid-19, mas também com uma preocupação acadêmica sobre publicações que ainda estão por vir.
Os outros grupos são a Rede Análise Covid-19 e o Medicina Baseada em Evidências, que é composto inteiramente por médicos (Conti é o único economista). Nele, ele acompanha discussões sobre tratamentos, situação nos hospitais e o que está sendo feito para combater o coronavírus.
“Nós vamos, na medida do possível, dividindo trabalho e tentando construir algo junto. A sensação que nos move é basicamente de obrigação moral. Ainda que o perfil dos grupos não sejam tão grandes, os nossos pessoais cresceram muito e conseguimos ter um impacto significativo na mídia”, reflete Conti, que comenta que, apesar da atenção online, a falta de repercussão que as informações divulgadas sobre a pandemia tiveram entre os “tomadores de decisão” é evidente. “É estranho, é realmente estranho.”