Ciência

Desastres ambientais têm maior impacto em cidades pequenas

Falta de recursos financeiros e humanos para lidar com questões ambientais e desastres naturais torna as cidades pequenas mais vulneráveis

Desastres ambientais: maiores cidades brasileiras têm um número maior de pessoas expostas às mudanças e aos desastres ambientais. (Douglas Magno/AFP Photo/AFP)

Desastres ambientais: maiores cidades brasileiras têm um número maior de pessoas expostas às mudanças e aos desastres ambientais. (Douglas Magno/AFP Photo/AFP)

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Da Redação

Publicado em 1 de dezembro de 2016 às 10h58.

A maioria dos pequenos municípios brasileiros, cuja população é composta por até 100 mil habitantes e onde está concentrada metade da população brasileira, não tem um fundo de financiamento de ações de adaptação a mudanças ambientais, como a elevação da temperatura e do volume de chuvas, ou de aumento da resiliência e de mitigação de impactos de desastres naturais.

A falta de recursos financeiros e humanos para lidar com questões ambientais e desastres naturais apresentada por esses pequenos municípios – que representam 95% das cidades brasileiras – os torna mais vulneráveis a ser arrasados por desastres ambientais como o que ocorreu em Mariana, em Minas Gerais, em novembro de 2015.

A avaliação foi feita por Ricardo Ojima, professor do Departamento de Demografia e Ciências Atuariais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), durante palestra no seminário “Finding solutions for urban resilience to nature’s challenges”, realizado entre os dias 28 e 29 de novembro, na FAPESP.

Promovido pela FAPESP, em parceria com a Finnish Funding Agency for Innovation (Tekes, na sigla em finlandês), da Finlândia, o objetivo do evento foi fomentar o desenvolvimento de novas colaborações científicas entre pesquisadores do Estado de São Paulo e finlandeses e apresentar os resultados de pesquisas apoiadas pela FAPESP em áreas como resiliência urbana, meteorologia, planejamento urbano e segurança hídrica.

“Se um desastre ambiental da magnitude do que aconteceu em Mariana tivesse ocorrido em São Paulo, por exemplo, o número de mortes certamente seria maior, afetaria o funcionamento da cidade, mas não a teria destruído completamente”, estimou Ojima.

“Já no caso de um município pequeno, como Mariana, um evento como o rompimento da barragem de minérios pode representar o fim da cidade, de seu patrimônio histórico e cultural e das relações afetivas que os moradores estabeleceram com o lugar”, comparou.

De acordo com o pesquisador, que realizou pós-doutorado com Bolsa da FAPESP, em números absolutos, as maiores cidades brasileiras – cuja população totaliza mais de 500 mil habitantes, concentram a outra metade da população brasileira e representam 5% dos municípios do país – têm um número maior de pessoas expostas às mudanças e aos desastres ambientais.

Os pequenos municípios, contudo, têm menos recursos e maior dificuldade de gerenciamento e capacitação técnica para lidar com problemas ambientais. “Estamos no fio da navalha em relação à adaptação das cidades brasileiras a mudanças ambientais e de resiliência a desastres naturais”, afirmou.

Segundo o pesquisador, são necessários investimentos para as duas situações: em adaptação e aumento da resiliência das grandes cidades, onde uma quantidade muito maior de pessoas pode ser afetada por um único evento extremo, e na busca de mecanismos para melhorar a capacidade adaptativa e a resiliência dos pequenos municípios que podem ser completamente arrasados por um desastre como o de Mariana.

Aumento da exposição

Em comum, tanto nas grandes cidades, quanto nos municípios pequenos no país, tem se observado um aumento do número de pessoas vivendo em condições precárias, o que contribui para aumentar sua exposição a desastres ambientais, apontou Maria Camila Loffredo D’Ottaviano, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP).

Segundo dados apresentados pela pesquisadora, obtidos do Censo Demográfico de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 5,61% das famílias brasileiras vivem em favelas, das quais 9,79% na região metropolitana de São Paulo e 9,95% em São Paulo – cidade onde vive 10% da população do país.

“O levantamento do IBGE considera como famílias que vivem em favela aquelas que declaram morar em áreas invadidas. Com isso, a população que vive em loteamentos irregulares em áreas precárias no entorno das represas do Guarapiranga e da Billings em São Paulo, por exemplo, não é contabilizada como moradora de favela”, explicou D’Ottaviano.

Ao incluir essas famílias na contagem, o percentual de domicílios no município de São Paulo situados em áreas precárias chega quase a 30%, indicou a pesquisadora.

“Há uma grande concentração de áreas de favela na região Sul da cidade, onde estão as represas Guarapiranga e Billings, além de na região norte, na Cantareira, onde há uma área de proteção ambiental, e no extremo leste da capital. E essa situação piorou muito em 2010 em comparação com 2000”, apontou.

Os moradores dessas áreas precárias são os mais afetados pelas mudanças no regime de chuvas, por exemplo. Essa vulnerabilidade pode decorrer tanto da variabilidade climática natural quanto do crescimento da urbanização, que contribuiu para agravar os efeitos da “ilha de calor” – fenômeno climático que ocorre principalmente nas cidades com elevado grau de urbanização, como São Paulo, onde o ar e as temperaturas da superfície são mais quentes do que em áreas rurais no entorno –, apontaram pesquisadores participantes do evento.

Com o aumento da urbanização, o solo da cidade – antes protegido pela vegetação remanescente da Mata Atlântica – tornou-se impermeável ao ser coberto por materiais como asfalto e concreto, que absorvem muito calor e não retêm umidade.

Com isso, durante o dia o clima na cidade fica muito quente e, à noite, o calor acumulado é liberado para a atmosfera. A umidade relativa do ar da cidade é reduzida e a evaporação de água do solo para a formação de nuvens é acelerada.

“Há espaço para se estudar exatamente a localização das ilhas de calor na cidade e a utilidade dos bolsões verdes para mitigar os efeitos desse fenômeno climático em determinadas regiões da cidade, como baixios”, disse Humberto Rocha, professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP durante o evento.

“Ainda temos muita ciência a produzir para esclarecer questões de escala e atribuição de causas para mudanças climáticas em cidades como São Paulo”, apontou.

Falta de conexão

Na avaliação de Paulo Saldiva, professor da Faculdade de Medicina da USP, as universidades brasileiras já produzem um número expressivo de estudos sobre cidades.

A USP, por exemplo, é a quarta universidade no mundo com maior número de trabalhos indexados no Web of Science, e a terceira em estudos relacionando cidades e saúde.

A grande dificuldade, entretanto, é converter os resultados desses estudos em soluções integradas que sejam adotadas pelos administradores públicos, apontou.

Para isso, segundo ele, é preciso demonstrar aos gestores o quanto eles poderão ter que pagar por não adotar uma solução proposta e os danos à população, apontou.

“No caso do Brasil, onde os prefeitos se debatem com dificuldades econômicas, é preciso apontarmos os efeitos futuros ou benefícios imediatos em termos financeiros”, avaliou.

Também participaram do evento Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FAPESP; Jarkko Wickström, coordenador de Cooperação para Educação, Ciência e Pesquisa da Embaixada da Finlândia no Brasil; e Ari-Matti Harri, do Finnish Meteorological Institute (FMI).

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