Luz: pesquisa descobriu que a iluminação pode alterar a probabilidade de uma pessoa tomar decisões prazerosas e não práticas (foto/Thinkstock)
Da Redação
Publicado em 4 de junho de 2018 às 15h34.
Última atualização em 4 de junho de 2018 às 17h43.
Aqueles que saem para jantar sem intenção de comer demais em um restaurante podem adotar estratégias para se prepararem para isso. Algumas opções são consultar os cardápios antecipadamente ou evitar aquela doceria que tem um cheesecake simplesmente irresistível. Mas há outro fator que provavelmente ninguém leva em conta: a iluminação do restaurante.
Uma nova pesquisa da Kellogg School sugere que há causa para preocupação. A pesquisa descobriu que a iluminação pode alterar a probabilidade de uma pessoa tomar decisões prazerosas e não práticas. E o mecanismo por trás disso não é simplesmente o fato de vermos melhor a salada ou o sundae com uma luz brilhante e nos sentirmos envergonhadamente forçado a escolher opções saudáveis.
A verdade é que nós nos sentimos menos conectados às outras pessoas no escuro. Assim, atribuímos menos relevância ao que os outros pensam e mais importância ao que realmente desejamos. E o que realmente queremos é o cheesecake.
“A luz ambiente é uma experiência muito importante que é facilmente manipulada”, diz Ping Dong, professor assistente de marketing da Kellogg. “Isso mostra uma nova consequência psicológica da escuridão: os consumidores escolhem com mais frequência a opção que proporciona prazer imediato".
As descobertas também apontam de forma mais geral para o poder de impacto da luz em nosso comportamento, um tema que se pesquisa em várias disciplinas.
“A luz é muito onipresente”, diz Dorothy Sit, professora associada de psiquiatria e ciências comportamentais da Feinberg School of Medicine, da Northwestern, que há tempos estuda o uso da luz para tratar da depressão. “Há muita pesquisa que precisa ser feita para entender como usar a luz para otimizar a maneira como as pessoas se sentem no trabalho e em casa".
A iluminação pode influenciar os comportamentos de inúmeras formas mensuráveis, e os pessoal de marketing já está a par disso. Estudos anteriores mostraram que, em lojas de varejo mais escuras, por exemplo, os consumidores fazem compras em ritmo mais lento. Em restaurantes pouco iluminados, os consumidores subestimam o tamanho da porção e têm a percepção de que alimentos condimentados são menos agradáveis.
Pesquisas anteriores também mostraram que, pelo fato de a escuridão do ambiente reduzir a acuidade visual das pessoas, os consumidores se sentem mais escondidos dos demais. A proposta anterior que explicaria o motivo de os consumidores fazerem escolhas mais prazerosas no escuro seria a sensação de anonimato.
Porém, os pesquisadores da Kellogg tiveram outra ideia.
Devido a outras pesquisas, Dong e Aparna Labroo, professora de marketing da Kellogg, sabiam que, quando nos sentimos psicologicamente distantes dos outros, tendemos a baixar nossa guarda e agir de acordo com o que desejamos. Talvez os consumidores também estejam mais propensos a fazer escolhas agradáveis em ambientes mais escuros, como pegar uma barra de chocolate em vez de escolher uma maçã ou comprar sapatos de salto alto que estão na moda em vez das práticas rasteirinhas. Não se trata de se sentirem fisicamente escondidos, mas sim em decorrência daquele sentimento de distância psicológica que os libera para fazer o que realmente querem.
Para testar essa hipótese, os pesquisadores realizaram três estudos. Em cada um deles, manipularam os níveis de iluminação para ver como as escolhas dos participantes mudavam quando se oferecia um produto útil em vez de um mais agradável ou “prazeroso”.
No primeiro estudo, 103 alunos de graduação foram levados a uma sala, um por um, e instruídos a imaginar que estavam comprando uma cadeira. Foram apresentadas duas opções com preços parecidos: uma cadeira útil, com mais apoio para as costas, ou uma cadeira prazerosa, mais elegante, com apenas um apoio simples para as costas. Para alguns dos alunos, a sala estava bem iluminada, enquanto que, para outros, a iluminação estava suavizada. Além disso, alguns alunos foram informados de que a cadeira seria usada em um contexto público, como um escritório, enquanto outros disseram que ela seria usada em um contexto privado, como na casa de alguém.
Os participantes da sala com iluminação reduzida preferiam a cadeira prazerosa com mais frequência do que os da sala bem iluminada, independentemente de acharem que a cadeira seria usada em ambiente público ou privado.
"Isso mostra o efeito da escuridão na escolha prazerosa", diz Dong. “Mesmo se houver poucas pessoas visitando sua casa, você ainda prefere a cadeira com os benefícios prazerosos se fizer a escolha no escuro".
No segundo estudo, os pesquisadores pediram a 180 participantes on-line que fizessem uma série de escolhas, cada uma com uma opção prazerosa e outra útil. Será que selecionariam um candidato a emprego competente ou um divertido? Um aplicativo móvel para o trabalho ou um aplicativo para entretenimento? Um laptop durável ou um elegante? Um documentário ou um drama romântico?
Metade dos participantes foi instruída a acender todas as luzes da sala antes de fazer o teste, enquanto se pediu ao restante que a desligassem e usassem apenas a luz natural. Depois de completarem o questionário, os participantes responderam a declarações destinadas a medir sua autenticidade, tais como “sinto que ninguém pode me dizer o que fazer” e “sinto que posso ser eu mesmo em situações cotidianas”, em uma escala de 1 a 9.
Mais uma vez, os pesquisadores descobriram que aqueles que fizeram o teste em uma sala escura eram mais propensos a escolher as opções prazerosas, em comparação com os que fizeram o teste na sala iluminada. No entanto, o mais importante é que eles também descobriram que os participantes nas salas escuras expressaram maior autenticidade.
“Isso começou a nos mostrar uma nova consequência psicológica da escuridão”, diz Dong.
A descoberta estimulou uma nova pergunta: A tendência poderia ser invertida?
No estudo final, 350 participantes on-line passaram pelo mesmo processo do estudo anterior. Mas, desta vez, antes de responder às perguntas, alguns participantes foram instruídos a listar três nomes de pessoas próximas a eles e uma experiência pessoal que tiveram com cada uma delas. Outros participantes foram instruídos a fornecer três características faciais próprias.
Os pesquisadores descobriram que a maioria dos que fizeram o teste no escuro novamente escolheu as opções prazerosas, com uma grande exceção: aqueles que listaram suas conexões pessoais mudaram para escolhas úteis, mesmo que estivessem em um espaço mais escuro.
“Quando lembrávamos as pessoas de suas conexões sociais com os outros, elas não se sentiam mais desconectadas no escuro”, diz Dong. “Isso reduziu a tendência de agir de maneira prazerosa".
A forma como os profissionais de marketing podem usar esses resultados depende dos seus objetivos. Talvez os restaurantes especializados em alimentos saudáveis devam aumentar o brilho da luz, diz Dong, já que os alimentos saudáveis são considerados mais úteis.
"Mas, para os restaurantes que vendem cheesecakes e outras sobremesas, ou alimentos mais prazerosos, talvez seja melhor reduzirem a iluminação", diz ela.
Como a iluminação é muito fácil de manipular, os profissionais de marketing também podem mudar a luz de uma sala para outra em uma loja, ou alterar a iluminação em anúncios de produtos específicos, colocando em destaque uma salada de quinoa, mas reduzindo a claridade nas bombas de chocolate.
Por outro lado, os consumidores que detêm esse conhecimento podem usá-lo para fazer escolhas melhores, mesmo quando a iluminação os indicasse a agir de outra forma.
“Os cinemas são bastante escuros e muitas vezes pedimos muita comida”, diz Dong. “Poderíamos ser mais conscientes de quantas calorias pedimos".
O mesmo vale para o local de trabalho. Para tornar o trabalho útil, aumente a claridade. E, como cada vez mais gente leva trabalho para casa e realiza atividades até tarde da noite, lembre-se do que a escuridão significa para nossas escolhas, seja em abrir aquela aba do navegador para fazer compras on-line ou pegar um pacote de cookies enquanto digita.
Esta pesquisa faz parte de uma linha mais ampla de pesquisas que aborda a forma pela qual a iluminação pode afetar uma série de comportamentos humanos. As descobertas influenciam áreas tão distintas quanto a produtividade dos trabalhadores, a segurança no trânsito e a saúde pública.
No campo da medicina, os médicos usam há muito tempo a luz brilhante para tratar de pacientes com distúrbios afetivos sazonais durante os meses mais escuros de inverno. Na Feinberg, Dorothy Sit testou recentemente se a terapia poderia ser usada para tratar pacientes com uma condição psicológica diferente: depressão devido a transtorno bipolar.
No estudo de Sit, 46 pacientes foram distribuídos aleatoriamente para receber tratamento com luz branca brilhante ou com luz placebo fraca na cor vermelha. Os pacientes se sentavam de frente para a respectiva luz todos os dias entre meio-dia e 14:30, inicialmente durante 15 minutos, e depois aumentado gradualmente para 60 minutos por dia.
Na sexta semana, quase 70% dos que usavam a luz branca relataram uma diminuição em sua depressão, em comparação com 22% do grupo de placebo.
“Os resultados foram bastante convincentes", diz Sit. “Os pacientes experimentaram não apenas melhora no humor, mas também uma melhora funcional. Puderam voltar à escola, voltar ao trabalho e os efeitos colaterais eram menores”.
Esses resultados significam que todos se beneficiariam de uma caminhada depois do almoço?
"É uma boa ideia", diz Sit, embora ela ainda não consiga estender seus resultados para além dos com transtorno bipolar. Ela espera realizar mais estudos para entender a biologia e a neurociência por trás da terapia com luzes.
Texto originalmente publicado no site da Kellogg School of Management.