Ciência

Com alta letalidade, sepse é a doença que mais mata em UTIs

Estudo nacional indica que mortalidade é elevada tanto no sistema público como no privado

Hospital: letalidade de sepse atinge setores público e privado da saúde (monkeybusinessimages/Thinkstock)

Hospital: letalidade de sepse atinge setores público e privado da saúde (monkeybusinessimages/Thinkstock)

Victor Caputo

Victor Caputo

Publicado em 13 de novembro de 2017 às 10h11.

O Brasil tem uma taxa extremamente alta de morte por sepse em UTIs, superando até mortes por acidente vascular cerebral e infarto nessas unidades. Segundo levantamento organizado por pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e do Instituto Latino Americano de Sepse (Ilas), a cada ano morrem mais de 230 mil pacientes adultos nas UTIs em decorrência da doença. A estimativa é sombria, 55,7% dos pacientes internados com sepse vão a óbito.

Os dados são do primeiro estudo nacional de pacientes com sepse atendidos em UTIs, que teve os resultados publicados na revista Lancet Infection Diseases. O trabalho é resultado de um Projeto Temático apoiado pela FAPESP.

A sepse é desencadeada por uma resposta desregulada do organismo na presença de um agente infeccioso. O sistema de defesa passa a combater não só esse agente, mas também o próprio organismo, gerando disfunção dos órgãos. Tanto as infecções de origem comunitária (40% dos casos) como aquelas associadas à assistência à saúde (60%) podem evoluir para sepse.

“A prevalência de 30% de sepse não é considerada tão alta. Ela já havia sido identificada em estudos anteriores. Já a mortalidade por sepse no Brasil é altíssima, principalmente pelo fato de ser uma doença passível de prevenção em grande parte dos casos”, disse Flávia Machado, professora do Departamento de Anestesiologia, Dor e Medicina Intensiva da Unifesp e coordenadora da pesquisa.

“A vacinação pode prevenir sepse comunitária. As estratégias de controle de infecção hospitalar podem prevenir parte da sepse hospitalar. São medidas simples e a falta delas mostra que o sistema de atendimento à saúde não está bom”, disse.

O levantamento identificou que, embora a qualidade de atendimento varie muito de uma instituição a outra, não foi encontrada diferença significativa entre a taxa de mortalidade no sistema público (56%) e privado (55%). No geral, dos 420 mil casos tratados por ano, 230 mil terminam em morte.

Para chegar a esses dados, os pesquisadores dividiram as UTIs do país em 40 estratos, de acordo com fatores como região geoeconômica, tamanho das cidades e se as instituições eram públicas ou privadas. O resultado foi a coleta de dados de 227 instituições, ou 15% de todas as UTIs brasileiras.

“Fizemos uma mostra randômica das UTIs brasileiras. Isso foi válido, pois toda vez que se fazia pesquisa em sepse no Brasil – e não conheço nenhum outro estudo brasileiro que tenha feito a amostragem dessa forma – perguntava-se se a instituição queria participar da pesquisa, o que gerava uma amostra enviesada, provavelmente com as melhores instituições apenas. A taxa de letalidade resultava em 40% e não de os 55,7% que encontramos”, disse Machado.

Uma série de fatores leva ao resultado sombrio do tratamento da sepse nas UTIs brasileiras, como falta de acesso às UTIs, diagnóstico tardio, demora do paciente na busca por serviço de saúde, tratamento inadequado, problemas de processo e falta de recursos.

Vale ressaltar que a doença, quando detectada precocemente, é relativamente simples de ser tratada, necessitando basicamente da administração de antibióticos, fluidos e do monitoramento do paciente na UTI e da análise de cultura bacteriana.

“O acesso à UTI é um definidor de letalidade”, disse Machado. Ela explica que estudos baseados apenas em pacientes internados em UTIs apresentam taxas de letalidade que podem variar bastante de um país para outro conforme o número de leitos disponíveis em relação à população do país.

“Quando a disponibilidade de leitos é alta, isso implica um maior número de pacientes menos graves admitidos nas UTIs, consequentemente com menor letalidade. Já em países como o nosso, onde a disponibilidade é baixa, sobretudo no sistema público, somente pacientes mais graves tendem a ser admitidos nas UTIs, com consequente aumento da letalidade”, disse.

Infecção hospitalar

Para evitar que uma parcela de pacientes seja excluída do tratamento intensivo, os pesquisadores defendem a necessidade de unidades intermediárias. Para eles, a ausência de unidades de cuidados intermédios na maioria dos hospitais brasileiros pode ter contribuído para uma maior permanência na UTI e, consequentemente, para uma maior prevalência de sepse.

Machado destaca ainda uma reação em cadeia desses fatores. “Cuidamos mal dos nossos pacientes. O diagnóstico também é tardio, pois as pessoas procuram o hospital tarde, a detecção da sepse é tardia e o tratamento é inadequado. Com isso, a mortalidade é muito alta. Existe ainda um grave problema de processo também”, disse Machado.

Outro fator que contribui para os quadros de sepse são as altas taxas de infecção hospitalar devido à baixa adesão às medidas preventivas. De acordo com o estudo, a maioria dos pacientes que desenvolveu sepse apresentou infecção hospitalar.

De acordo com o estudo, a baixa qualidade dos cuidados nas unidades de internação regular limitaria as políticas de alta, bem como a provisão de suporte básico e monitoramento a pacientes de severidade leve a moderada. Outra causa possível da alta prevalência de sepse são as diferenças nos cuidados de fim de vida, como a quase ausência de tratamentos paliativos.

“No Brasil, decisões de fim de vida são incomuns e existem lacunas na comunicação, escassez de regulação legal, ausência de diretrizes avançadas e crenças culturais e religiosas que podem resultar em esforços desnecessários para sustentar a vida”, escreveram os pesquisadores no artigo.

Os pesquisadores desenvolveram um escore contendo oito itens necessários para tratar a sepse. Instituições que não contemplaram seis desses oito itens mostraram um aumento no risco de morte por sepse. Os itens eram: colher lactato e oxigenação do sangue (exames de laboratório), ter culturas para a detecção da bactéria, dispor de antibióticos, soro e cateter, monitorar pressão venosa (central) e ter noradrenalina.

“Note que são itens simples como antibiótico, colher culturas, dosar alguns exames que são simples, dar soro. Não precisa ter recursos elaborados. Isso diz muito das condições que temos no Brasil”, disse.

A incidência de sepse é um problema mundial, tanto que em maio deste ano a Organização Mundial da Saúde (OMS), braço da Organização das Nações Unidas (ONU), aprovou uma resolução para sepse.

“Hoje, a ONU reconhece a sepse como um problema de saúde mundial. Em breve, teremos que ter um plano nacional de ação como temos para infecção hospitalar, por exemplo. Acredito que as coisas começarão a mudar, pois os países-membros da OMS, incluindo o Brasil, vão ter que tomar providências nesse sentido”, disse.

Machado aponta que os dados do estudo poderão ajudar na elaboração de um plano nacional para a sepse. “Ter esses dados será importante para elaborar o plano. Queremos fazer novos levantamentos, no modelo do que fizemos, incluindo novos segmentos como pesquisa em pronto-socorro, UTIs pediátricas, neonatais e sobre infecção hospitalar”, disse.

O artigo The epidemiology of sepsis in Brazilian intensive care units (the Sepsis PREvalence Assessment Database, SPREAD): an observational study (doi: 10.1016/S1473-3099(17)30322-5), de Flavia R Machado, Alexandre Biasi Cavalcanti, Fernando Augusto Bozza, Elaine M Ferreira, Fernanda Sousa Angotti Carrara, Juliana Lubarino Sousa, Noemi Caixeta, Reinaldo Salomao, Derek C Angus, Luciano Cesar Pontes Azevedo, pode ser lido no Lancet Infectious Diseases aqui.

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