“O que impulsiona o comportamento de sabotagem é uma resposta muito rápida", explicou Wang (Hoxton/Tom Merton/Getty Images)
Isabela Rovaroto
Publicado em 1 de fevereiro de 2019 às 15h16.
Última atualização em 1 de fevereiro de 2019 às 16h00.
Imagine um funcionário em uma gráfica: Após receber um comentário mal-educado de um cliente, ele começa planejar sua vingança. Talvez ele deliberadamente atrase o projeto trabalhando em passo de tartaruga ou “deixe passar” um erro de grafia embaraçoso nos panfletos do cliente.
Muitos de nós também pensamos em revidar com atos de sabotagem contra clientes inoportunos. Ainda assim, geralmente sabemos que é melhor não agir dessa maneira. Além de antiético, esse tipo de reação poderia colocar nossos empregadores em situação embaraçosa ou até mesmo causar a nossa demissão.
Mesmo assim, o que podemos aprender com situações em que os trabalhadores ficam irritados com clientes desagradáveis? Essa é a pergunta levantada em um novo artigo de Cynthia Wang, professora clínica de administração e organizações da Kellogg School.
Depois de serem tratados de forma desagradável, “por que exatamente os [funcionários] reagem mal?” Wang pergunta.
Além de estudar casos de sabotagem de clientes, Wang e suas coautoras esperavam identificar soluções e “entender as circunstâncias que podem mitigar esse processo deletério,” diz ela.
Há muita pesquisa no ramo de psicologia que se destina a entender como e por quê as pessoas tomam decisões morais. Para o estudo em questão, Wang e suas coautoras—Yu-Shan (Sandy) Huang, da Northern Michigan University, Rebecca L. Greenbaum, da Universidade Estadual de Nova Jersey, e Julena M. Bonner, da Universidade Estadual de Utah —foram atraídas para o que é chamado de modelo intuicionista social.
Os intuicionistas sociais argumentam que a tomada de decisão moral não é um processo criterioso e difícil. Pelo contrário, é o resultado de julgamentos precipitados, moldados pela emoção.
Baseado no modelo intuicionista social, as pesquisadoras supuseram que a sabotagem ao cliente é o fim de uma reação psicológica que se desencadeou anteriormente. Ser insultados ou maltratados por clientes aumenta nossa hostilidade. Neste estado emocional exacerbado, explica Wang, começamos a ver os clientes problemáticos numa ótica que os considera não merecedores de tratamento justo—um fenômeno que os psicólogos chamam de "desvalorização de pessoas"—que leva os funcionários a ver esses clientes como sub-humanos. Isso, por sua vez, leva a deixar um cliente esperando na linha mais tempo do que o necessário, ou a cuspir na comida do cliente.
Foi exatamente isso que as pesquisadoras descobriram quando analisaram os números da pesquisa e do experimento que realizaram: é uma queda vertiginosa, que vai dos maus tratos para hostilidade, desvalorização e sabotagem. E nada disso é feito inteiramente a nível consciente.
“Essas decisões são muito rápidas e implícitas. Nós não necessariamente nos damos conta de que estão acontecendo”, explica Wang.
Uma boa notícia é que as pesquisadoras descobriram que há uma maneira de quebrar o ciclo vicioso de sabotagem aos clientes. Quando os funcionários acreditam que estão trabalhando em um ambiente altamente ético, são menos propensos a seguir pelo caminho desvirtuado.
“O clima ético quebra a cadeia em dois pontos”, explica Wang. Evita a desvalorização de pessoas—ver os clientes como sub-humanos—e impede que os funcionários se tornem sabotadores, mesmo quando já desvalorizaram os clientes que atendem.
Para entender como ocorre sabotagem a clientes se no mundo real, as pesquisadoras entrevistaram 135 funcionários em período integral em uma central de atendimento em Taiwan.
Na pesquisa, pediram aos funcionários da central de atendimento para classificar de um a sete a frequência com que eram maltratados pelos clientes. Os trabalhadores também tinham que avaliar o grau de hostilidade que sentiam em relação a clientes mal-educados; o quanto eles desumanizaram os clientes (“Algumas pessoas merecem ser tratadas como animais”); com que frequência participaram de vários comportamentos de sabotagem (“Ignorei os clientes por um bom tempo de propósito”); e o quanto acreditavam que seus empregadores eram éticos ("Minha empresa impõe políticas fortes de comportamento ético").
As respostas da pesquisa ajudaram as pesquisadoras a entender a reação em cadeia da sabotagem ao cliente. Segundo a pesquisa, funcionários que sofreram maus tratos pelos clientes eram mais propensos a se sentir hostis. Essa hostilidade, por sua vez, os fez mais propensos a desvalorizar os clientes, o que levou a uma maior probabilidade de haver sabotagem.
No entanto, assim como as pesquisadoras previram, isso moderou-se pelo ambiente ético: em ambientes de trabalho altamente antiéticos, a desvalorização do cliente conta com uma probabilidade significativamente maior de se traduzir em sabotagem do que em ambientes de trabalho altamente éticos.
Os resultados do estudo da central de atendimento foram intrigantes, mas as pesquisadoras sabiam que não teriam a visão completa apenas a partir das respostas voluntárias da pesquisa. Afinal de contas, é difícil perguntar às pessoas sobre as ocasiões em que se envolveram na sabotagem ao cliente no passado—os funcionários podem, na retrospectiva, minimizar seus erros.
Por isso a equipe elaborou um experimento que lhes permitiria entender a sabotagem ao cliente no momento em que ocorria. (Não se preocupe, elas não estudaram garçons. “Não medimos cuspir na comida como variável dependente", brinca Wang.)
Em vez disso, recrutaram 156 participantes on-line para concluir duas tarefas de revisão para um "cliente" em nome da empresa fictícia Expert Editing Services. Depois de concluir o primeiro projeto, alguns dos participantes do estudo assistiram um vídeo sobre o compromisso da Expert Editing Services com a conduta ética. Como controle, os outros participantes assistiram um vídeo sobre o processo de edição.
Assim, antes de iniciar o segundo projeto de edição, os participantes receberam um de dois e-mails do cliente (fictício). Alguns receberam uma mensagem cordial, observando que, apesar de terem cometido alguns erros, o cliente ficou satisfeito com o trabalho. Outros participantes receberam uma resposta mais hostil, na qual o cliente os censurava, chamando-os de “lentos”, “preguiçosos” e “burros”. ("Foi super chato ter que escrever isso", Wang admite).
Depois de receber os e-mails, os participantes do estudo concluíram uma segunda tarefa de edição e, em seguida, responderam perguntas sobre sua experiência com a Expert Editing Services. Incluídas na pesquisa estavam perguntas projetadas para avaliar sentimentos de hostilidade, desvalorização das pessoas e percepções do clima ético da empresa, semelhantes aos usados no estudo da central de atendimento.
As pesquisadoras mediram a sabotagem ao cliente de duas maneiras: pela velocidade (elas teorizaram que trabalhar rapidamente indicava falta de cuidado) e pelo número de erros que os participantes do estudo corrigiram.
Os resultados do experimento foram muito semelhantes aos da pesquisa na central de atendimento.
Os participantes que receberam o e-mail grosseiro do cliente relataram maiores níveis de hostilidade e estavam mais propensos a desvalorizar o cliente do que os que receberam o e-mail neutro. No entanto, da forma como as pesquisadoras haviam hipotetizado, o clima ético suprimiu o comportamento de sabotagem. Os participantes não expostos ao vídeo sobre ética foram significativamente mais propensos a sabotar o cliente. Já a maior taxa de sabotagem desapareceu completamente para os participantes maltratados que assistiram o vídeo sobre ética. Em outras palavras, o fato de terem sido relembrados de seus compromissos éticos impediu que a hostilidade inicial das pessoas se transformasse em sabotagem, mesmo quando eram maltratadas por seus clientes.
Esses resultados apoiam o modelo de reação em cadeia da sabotagem ao cliente.
No entanto, Wang vê algumas razões para se ter esperança nos resultados do estudo.
Os maus tratos do cliente estão errados, obviamente, mas geralmente não são premeditados nem planejados.
“O que impulsiona o comportamento de sabotagem é uma resposta muito rápida. São julgamentos feitos num estalar de dedos”, explica ela.
Uma vez que as pesquisadoras mediram reações emocionais—as quais tendemos a adotar intuitivamente sem deliberação metódica—e essas reações emocionais levaram a maus tratos, elas foram capazes de concluir que essas decisões acontecem espontaneamente.
Além disso, as empresas podem ajudar os funcionários a oferecer a outra face, simplesmente deixando claro que levam a ética à sério. Em suma, em uma organização onde se enfatiza a ética, as reações hostis dos funcionários em relação a clientes com mau comportamento têm menor probabilidade de produzir desvalorização, e a desvalorização tem menor probabilidade de resultar em sabotagem direcionada ao cliente.
"O que a organização defende ou divulga para o público, de fato tem uma influência muito forte nas ações internas", diz Wang. Quando os funcionários acreditam que a empresa se importa com a conduta ética, "isso pode interromper a progressão das reações hostis que levam à sabotagem".
Texto publicado com a permissão da Northwestern University (em representação da Kellog School of Management). Publicado originalmente no Kellogg Insight.