"Os desafios imediatos que estes resultados implicam são principalmente éticos", diz o professor David Menon (Paulo Whitaker/Reuters)
AFP
Publicado em 17 de abril de 2019 às 17h19.
Um grupo de pesquisadores conseguiu restabelecer certas funções neuronais no cérebro de porcos que haviam morrido fazia algumas horas, um marco digno da ficção científica, que não prova, porém, que a ressurreição seja possível.
O estudo publicado nesta quarta-feira na revista Nature indica que nos cérebros estudados não foi detectada "nenhuma atividade elétrica que implicaria um fenômeno de consciência ou percepção".
"Não são cérebros vivos, mas cérebros cujas células estão ativas", afirma um dos autores do estudo, Nenad Sestan.
Segundo este pesquisador da Universidade de Yale, estes trabalhos demonstram que "subestimamos a capacidade de restauração celular do cérebro".
Além disso, sugerem que a deterioração dos neurônios como consequência "da interrupção do fluxo sanguíneo poderia ser um processo de longa duração", segundo um comunicado da Nature.
Os cérebros dos mamíferos são muito sensíveis à diminuição do oxigênio provido pelo sangue. Por isso, quando se interrompe o fluxo, o cérebro para de estar oxigenado e os danos são irreparáveis.
Os pesquisadores utilizaram 32 cérebros de porcos mortos havia quatro horas. Graças a um sistema de bombeamento batizado BrainEx, foram irrigados durante seis horas com uma solução a uma temperatura equivalente à do corpo (37 graus).
Esta solução, um substituto do sangue, foi concebida para oxigenar os tecidos e protegê-los da degradação derivada da interrupção do fluxo sanguíneo.
Os resultados foram surpreendentes: diminuição da destruição das células cerebrais, preservação das funções circulatórias e inclusive restauração de uma atividade sináptica (sinais elétricos ou químicos na zona de contato entre neurônios).
Segundo os pesquisadores, o estudo poderia permitir uma melhor compreensão do cérebro, estudando de que forma este se degrada "post mortem". Também abriria caminho para futuras técnicas para preservar o cérebro após um infarto, por exemplo.
Teoricamente, a longo prazo, poderia servir para ressuscitar um cérebro morto, algo impossível por enquanto.
"Os desafios imediatos que estes resultados implicam são principalmente éticos", ressalta o professor David Menon, da Universidade de Cambrigde, que não participou do estudo.
O estudo reabre a questão sobre "o que é que faz com que um animal ou um homem estejam vivos", afirmam outros cientistas em um comentário publicado paralelamente na Nature.
"Este estudo utilizou cérebros de porcos que não haviam recebido oxigênio, glicose nem outros nutrientes durante quatro horas. Portanto, abre possibilidades até agora inimagináveis", segundo Nita Farahany, Henry Greely e Charles Giattino, respectivamente professora de Filosofia e especialistas em neurociências.
O estudo poderia colocar em questão dois princípios científicos, segundo estes especialistas.
"Primeiro, o fato de que a atividade neuronal e a consciência param definitivamente após segundos ou minutos de interrupção do fluxo sanguíneo no cérebro dos mamíferos".
"Segundo, o fato de que a menos que se restaure rapidamente a circulação sanguínea, é ativado um processo irreversível que leva à morte das células e em seguida à do órgão", afirmam.
Estes três especialistas exortam a estabelecer "diretivas sobre as questões científicas e éticas que este estudo levanta".
Em outro comentário publicado pela Nature, especialistas em bioética destacam que o desenvolvimento da técnica BrainEx poderia a longo prazo prejudicar a doação de órgãos.
Para os transplantes, a maioria dos órgãos são extraídos de doadores em estado de morte cerebral. Se for considerado que este estado é reversível, o que acontecerá com a doação?
O trio Farahany, Greely e Giattino cita uma frase do filme americano "A princesa prometida", de 1987: "Há uma pequena diferença entre estar quase morto e completamente morto (...) Quase morto, ainda se está um pouco em vida", afirma um curandeiro no filme.