Baleia assassina; orca (Kardszárnyú delfin/Wikimedia Commons)
Redação Exame
Publicado em 25 de março de 2025 às 08h46.
Em 2020, caçadores inuites no Ártico canadense descobriram as carcaças de 11 baleias-bowhead encalhadas, com marcas de mordidas que sugeriam a ação de orcas. As baleias estavam magras e jovens, indicando que não haviam morrido de causas naturais. Cientistas do Fisheries and Oceans Canada, que examinaram as fotos e as amostras de tecido enviadas pelos inuites, indicaram que essas orcas pertencem provavelmente a um grupo em expansão, conhecido por predar grandes mamíferos marinhos, como baleias e narwhals.
Essa migração das orcas para o Ártico é consequência do derretimento acelerado do gelo marinho, que tem aberto novas rotas para esses predadores. Segundo biólogos ouvidos pelo site Popsci, as orcas agora se tornaram uma ameaça crescente para as populações locais de baleias e outros mamíferos marinhos, como as belugas e os narwhals. O que antes era uma região difícil de acessar para esses animais, agora oferece novos caminhos de entrada, fazendo com que as orcas se tornem predadores dominantes no ecossistema.
De acordo com Steve Ferguson, cientista do Fisheries and Oceans Canada, em entrevista à Popsci a retirada do gelo tem causado um desequilíbrio no ecossistema do Ártico. "Com a diminuição do gelo marinho, as orcas estão se estabelecendo permanentemente em uma região onde antes eram apenas visitantes ocasionais", explica Ferguson. Esse fenômeno tem sido um problema tanto para as espécies de baleias quanto para as comunidades de inuites, que dependem da caça desses animais para sua subsistência.
Em uma pesquisa realizada com mais de 100 caçadores inuites, ficou claro que as orcas estão atacando narwhals e belugas com maior frequência. Para os inuites, isso significa não só uma mudança no equilíbrio das espécies que caçam, mas também um desafio para a sua forma tradicional de vida, que depende da caça desses mamíferos marinhos. O impacto dessas predadoras no ecossistema pode afetar a caça de subsistência e até mesmo alterar os padrões de migração de algumas dessas espécies.
Embora a população de orcas no Ártico ainda não seja considerada grande o suficiente para causar um colapso imediato nas populações de baleias, o aumento das orcas na região é preocupante. Estima-se que as orcas no Ártico cresçam a uma taxa de 2% ao ano, o que pode levar a uma pressão maior sobre as espécies locais de baleias.
Além disso, elas têm sido vistas caçando baleias de maior porte, como as baleias-azuis, o que está alterando a dinâmica alimentar global. A caça de orcas a baleias de grande porte foi registrada também em outras partes do mundo, como na costa da Austrália, onde orcas foram observadas matando e consumindo baleias-azuis ameaçadas de extinção.
A presença crescente das orcas no Ártico também tem um efeito indireto sobre os ursos polares. A escassez de gelo marinho tem reduzido drasticamente as populações de ursos polares em algumas áreas do Ártico, enquanto as orcas, mais adaptáveis às mudanças, prosperam nesse novo ambiente. Ao se estabelecerem de forma mais permanente no Ártico, as orcas podem se tornar as novas predadoras topo da cadeia alimentar, um papel que anteriormente era ocupado pelos ursos polares.
A contribuição dos inuites tem sido essencial para a pesquisa sobre o aumento das orcas na região. Graças aos relatos detalhados e às observações feitas pelas comunidades inuites, os cientistas conseguiram mapear a migração das orcas e entender melhor como essas mudanças estão afetando o ecossistema do Ártico.
Os inuites têm um conhecimento profundo da fauna local e, sem sua colaboração, os pesquisadores levariam anos para coletar as informações que obtiveram em apenas alguns meses.
O aumento da presença das orcas no Ártico pode representar um desafio tanto para a fauna local quanto para as populações humanas que dependem da caça dessas espécies marinhas. O derretimento do gelo está remodelando o ecossistema ártico de maneiras imprevistas, com consequências para a biodiversidade local e as práticas culturais tradicionais dos inuites.