Coronavírus em São Paulo: estado confirmou o primeiro óbito causado pela doença no país e há mais quatro casos de morte sob suspeita de relação com o novo vírus (DANIEL TEIXEIRA/Estadão Conteúdo)
Victor Sena
Publicado em 18 de março de 2020 às 07h55.
Uma série de técnicas para realização de autópsia de modo minimamente invasivo, desenvolvidas por pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP) nos últimos seis anos, deverá ser empregada para a confirmação de mortes pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2) em São Paulo.
Um dos objetivos do uso das ferramentas, baseadas em diagnóstico por imagem e intervenção percutânea – em que se faz uma punção na pele para o acesso aos órgãos internos e tecidos –, é aumentar a segurança dos profissionais de saúde pela redução do contato com os corpos.
“Como esse novo coronavírus adere à superfície de roupas e à parte externa do corpo, é preciso tomar uma série de cuidados de prevenção, principalmente para proteger os profissionais de saúde que lidam com os pacientes, inclusive aqueles que realizarão as autópsias”, disse à Agência FAPESP Paulo Saldiva, professor da FM-USP e coordenador do projeto, apoiado pela FAPESP.
“O emprego dessas técnicas ajudará a proteger esses profissionais”, afirmou.
De acordo com o pesquisador, em razão da contagiosidade do SARS-CoV-2, a confirmação da causa de morte pelo novo coronavírus não pode ser feita em uma sala de autópsia convencional.
“Não há uma sala de autópsia no país com nível de segurança necessário para esse tipo de análise e não há tempo para construir e colocá-la em operação”, afirmou.
Por essa razão, a ideia é que a confirmação da causa de óbitos por COVID-19 seja feita nos próprios hospitais, disse Saldiva.
“O protocolo que será implementado no Hospital das Clínicas [HC-FM-USP], por exemplo, será realizar a confirmação da causa da morte de pacientes que vierem a óbito com suspeita de infecção pelo novo coronavírus no próprio hospital por meio de procedimentos minimamente invasivos”, afirmou.
As regras que serão seguidas no HC-FM-USP estão em consonância com uma recomendação de protocolo de atendimento de pacientes com suspeita de infecção por coronavírus em hospitais públicos e privados de São Paulo, anunciada em coletiva de imprensa nesta terça-feira (17/03), na Secretaria Estadual da Saúde.
São Paulo confirmou nesta terça-feira o primeiro óbito causado pela doença no país e há mais quatro casos de morte sob suspeita de relação com o novo vírus, também na capital paulista.
Os casos deverão ser confirmados ou descartados por testes de diagnóstico, que já são feitos no próprio hospital particular onde os pacientes vieram a óbito, explicou Paulo Rossi Menezes, professor da Faculdade de Medicina da USP e diretor da Coordenadoria de Controle de Doenças da Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo.
“Já foram coletadas amostras de tecidos desses quatro pacientes e estamos aguardando os resultados dos exames. Os casos de morte confirmada por infecção por coronavírus não serão encaminhados para o Serviço de Verificação de Óbito [SVO]”, disse Rossi.
De acordo com Saldiva, a coleta de amostra de tecidos de pacientes com morte causada por COVID-19 em São Paulo por meio dessas técnicas de autópsia de modo minimamente invasiva possibilitará aumentar o conhecimento sobre a biologia da doença.
“A ideia é criar também um biorrepositório de tecidos que possa ser usado para pesquisas voltadas a entender os mecanismos da infecção e a aprimorar o diagnóstico", completou.
As mesmas técnicas foram usadas na realização de autópsia de casos de morte por febre amarela em São Paulo, em 2018.
Os pesquisadores realizaram mais de 60 autópsias de casos suspeitos de morte por febre amarela em São Paulo naquele ano.
“Temos a maior série de casos de autópsias de pacientes mortos por febre amarela em uma região urbana no mundo”, afirmou Saldiva.
Durante o surto de febre amarela, em 2018, os pesquisadores também validaram o uso das técnicas para fazer vigilância epidemiológica.
Com um equipamento portátil de ultrassom adquirido com recursos da FAPESP, do tamanho de um tablet e utilizado pelo Exército dos Estados Unidos em campo de batalha, os pesquisadores foram até o local com registro de mortes atribuídas à febre amarela para obter imagens de órgãos do cadáver e coletar pequenas amostras de tecidos para confirmar o diagnóstico em laboratório antes mesmo da remoção do corpo.
“A utilização dessas técnicas em casos de doenças de alta contagiosidade, como a COVID-19, permite obter material de pesquisa sem colocar em risco os profissionais de saúde. Além disso, não requer investimento em uma estrutura de sala de autópsia com alto nível de segurança”, disse Saldiva.