Chuva de meteoros (NASA/Divulgação)
Estadão Conteúdo
Publicado em 1 de abril de 2017 às 22h16.
Entre as mais de 800 chuvas de meteoros catalogadas pela União Astronômica Internacional, nenhuma havia sido descoberta por brasileiros. Isso mudou no último dia 20 de março, quando a organização registrou oficialmente em sua lista dois desses fenômenos, descobertos por astrônomos amadores brasileiros, e que jamais haviam sido observados por cientistas profissionais.
Uma chuva de meteoros ocorre quando, ao orbitar em torno do Sol, a Terra atravessa uma região onde há concentração de poeira e partículas. Ao entrar na atmosfera, as partículas se incendeiam, formando rastros luminosos no céu - as chamadas "estrelas cadentes".
Batizadas de Epsilon Gruids e August Caelids, localizadas nas constelações do Grou e do Cinzel, respectivamente, as duas novas chuvas de meteoros foram descobertas por membros da Rede Brasileira de Observação de Meteoros (Bramon), depois de três anos de trabalho, que incluiu a análise de mais de 86 mil registros do céu.
Pode-se dizer que o crescimento da Bramon foi mesmo "meteórico". De acordo com um de seus fundadores, o analista de dados Carlos Augusto Di Pietro, a rede criada em 2014 já conta atualmente com 54 membros, que operam 82 estações de monitoramento espalhadas em 19 Estados brasileiros. Eles já registraram 4.205 órbitas de asteroides e agora comemoram uma importante descoberta de impacto internacional.
"A Bramon foi a rede de observadores de meteoros que mais cresceu no mundo em um período muito curto - já é uma das maiores e uma das únicas do Hemisfério Sul. Temos membros de todas as idades, desde o Maranhão até o Rio Grande do Sul. Podemos dizer que a rede também é um experimento social", disse Di Pietro.
Segundo ele, a pulverização da rede em todo o território do País é importante para a observação dos meteoros sob grande número de pontos de vista. Quando os meteoros são observados de vários ângulos, os astrônomos podem determinar a órbita que ele possuía antes de encontrar a Terra pelo caminho.
"Também é importante termos muita gente espalhada em todos os lugares por causa das condições meteorológicas. Se o céu estiver encoberto em um determinado lugar, temos os registros obtidos em outras partes do País."
De acordo com Di Pietro, vários esforços para montar uma rede de observação de asteroides foram feitos no passado, mas nunca foram adiante porque o preço dos equipamento era proibitivo. "Não trabalhamos com observação visual e sim com videomonitoramento. Isso nos permite obter dados válidos e úteis para esse tipo de pesquisa. A partir de 2014 conseguimos encontrar equipamentos no mercado nacional, o que reduziu o custo de montagem de uma estação pela metade - cerca de R$ 1 mil. Hoje, já conseguimos montar uma estação com cerca de R$ 250."
Nas estações, o principal equipamento utilizado consiste em câmeras de alta sensibilidade luminosa, que são ligadas por um sistema de cabos a um computador. Um software grava as imagens cada vez que um meteoro passa diante da câmera, que em geral fica fixa em um ponto do céu previamente escolhido.
"Normalmente utilizamos câmeras de monitoramento de banco usadas. Os bancos costumam colocá-las à venda quando adquirem equipamentos mais modernos. Conseguimos comprá-las pela internet por cerca de 90 reais", conta Di Pietro.
As câmeras fazem a captura das imagens durante toda a noite. "Quando amanhece temos as imagens de uns 15 a 20 meteoros, mesmo sob o céu iluminado e poluído de São Paulo", conta. "Depois fazemos a análise dessas capturas remotamente - no trabalho, na hora do almoço e nas horas livres. Em épocas de chuvas de meteoros, chegamos a capturar 100 meteoros por câmera."
Di Pietro conta que a astronomia é uma paixão de infância - algo que parece ser uma característica comum entre profissionais e amadores. "Meu interesse começou, como o de toda uma geração, com a série Cosmos, de Carl Sagan. Quando tinha uns 16 anos, aprendi a ler inglês e francês, como autodidata, para poder ler os livros científicos. Foi ali o meu primeiro contato com os meteoros", disse.
Segundo ele, a Bramon está desenvolvendo um projeto para a inserção das estações de observação em escolas. "É uma ferramenta pedagógica de baixo custo e alto impacto educacional, promovendo a participação e dando ao aluno a percepção de que ele já pode fazer ciência", contou.
Um dos membros mais jovens da Bramon, Gabriel Zaparolli, de 16 anos, já é o coordenador da área de eventos atmosféricos transitórios da rede. Estudante do primeiro ano do ensino médio e morador de Torres, no Rio Grande do Sul, diz ter se apaixonado à primeira vista pela observação do céu.
"Em 2014 conheci a Bramon um pouco por acaso, via todos aqueles registros e queria muito ter uma estação para participar. Só que eu não podia comprar", contou Gabriel.
Algum tempo depois, seu amigo Carlos Fernando Jung, de Taquara (RS), deu a ele de presente uma estação completa. "No dia 15 de junho daquele ano comecei a captar meteoros e sprites", disse. Sprites, segundo o estudante, são fenômenos atmosféricos relacionados a descargas elétricas nuvem-solo.
"Eles ocorrem de 30 quilômetros acima da base da nuvem a até 90 quilômetros de altitude bem na Ionosfera. Duram menos de 50 microssegundos. São muito rápidos. As colorações deles são vermelho na parte mais alta e um azul alternando para roxo nas partes mais baixas", explicou.
"No dia em que peguei os primeiros sprites, viciei em apontar a câmera para qualquer tempestade forte", contou Gabriel. O jovem se informa sobre a chegada das frentes frias a partir dos dados divulgados pelos satélites do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Gabriel diz que tem estudado meteorologia e quer se especializar nessa área no futuro. O apoio é geral. "Meus pais e amigos veem como uma coisa boa essa contribuição à ciência."