AstraZeneca: vacina pode demorar mais do que o previsto para chegar no Brasil (Paul Biris/Getty Images)
Tamires Vitorio
Publicado em 29 de outubro de 2020 às 14h05.
Última atualização em 29 de outubro de 2020 às 14h47.
O governo brasileiro tentou firmar um acordo com a farmacêutica anglo-sueca AstraZeneca para que a vacina contra o novo coronavírus, desenvolvida em parceria com a universidade britânica de Oxford já tivesse doses desembarcadas no Brasil entre dezembro deste ano e o início de 2021. Segundo uma fonte que entrou em contato com o jornal brasileiro O Estado de S. Paulo, a mudança no prazo de entrega se deu por motivos como logística e desafios que possam aparecer pelo caminho. Agora, o comprometimento da farmacêutica é de que as vacinas chegarão a partir de janeiro, "se não antes".
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Uma nova rodada de negociações deve acontecer em breve. Nesta reunião serão tratados os detalhes da transferência de tecnologia do produto para o Brasil, que será fabricado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), de acordo com fontes a par das negociações. A transferência do conhecimento tende a ser completa, de acordo com elas.
O acordo fechado com o governo brasileiro é entregar 15 milhões de doses por mês até julho de 2021, quando deve-se chegar ao total de 100 milhões de unidades encomendadas pelo Ministério da Saúde. Apenas no final do próximo ano é que a Fiocruz, responsável pela ponta doméstica de recebimento das doses nesse contrato com a empresa britânica, poderá ter condições de fabricar as vacinas de forma independente. A AstraZeneca e a Fiocruz, em conjunto, é que serão responsáveis pela estratégia inicial de distribuição das vacinas, e registro das mesmas na Anvisa, por exemplo.
O contrato sobre a transferência de conhecimento para a produção local, porém, ainda não foi fechado entre as partes. O Ministério da Saúde, conforme o relato, teve dúvidas no fechamento da primeira parte do acordo — sobre a entrega inicial. Entre elas estava justamente a alteração do prazo de dezembro para janeiro, que já foi definido. Outra foi em relação à transferência de tecnologia.
O governo brasileiro queria ter mais detalhes no contrato conversado em agosto e fechado em setembro, mas não foi possível saná-los na ocasião. "Não é assim que funciona. A transferência vai acontecer, mas essa conversa foi adiada para dezembro", explicou a fonte, lembrando que foi formalizado um prazo de 90 dias após o fechamento do primeiro memorando de entendimentos para uma nova rodada de negociações.
A expectativa é que no último mês do ano a própria AstraZeneca tenha mais detalhes sobre o andamento de sua produção e logística. Com acordos firmados com vários governos do mundo, a confecção das doses pela companhia já começou mesmo antes da certificação de que a vacina será eficiente. É por causa dos contratos com os países que a empresa vem tendo condições de iniciar sua produção, que será vendida, inicialmente, a preço de custo.
Até o momento, os resultados da pesquisa vêm sendo apontados como "promissores". Uma das mais recentes comemorações do trabalho da parceira Oxford-AstraZeneca foi a resposta imunológica da aplicação feita em idosos, divulgada nesta semana. "Notícias boas estão vindo, mas temos de esperar os resultados finais dos testes", ponderou a fonte.
A vacina de Oxford é uma das que já estão passando pela fase 3 de testes, ou seja, que está num dos estágios mais avançados do processo de desenvolvimento. Um dos pontos que podem conferir mais celeridade ao processo é o recrutamento de voluntários para experimentos. No caso desta farmacêutica, há 10.000 voluntários no Brasil, 10.000 no Reino Unido, onde está a sede da companhia, e outros espalhados por outros países. Metade das pessoas que participam do projeto recebe a vacina e metade, placebo.
Verifica-se agora quem vai ser infectado pela covid-19 entre os dois grupos. "Se o vírus estiver se movimentando, vamos descobrir isso rapidamente", considerou a fonte. Apesar de as taxas terem baixado no Brasil recentemente, a avaliação é de que a circulação do coronavírus no país ainda seja alta o suficiente para fazer a comparação.
Pelo governo, as tratativas foram encabeçadas com o secretário executivo do Ministério da Saúde, Élcio Franco, o número 2 da Pasta. Antes das negociações para o fechamento de um acordo entre as partes, o ministro Eduardo Pazuello teve conversas iniciais sobre o tema com representantes da AstraZeneca e do governo britânico. Também participaram dessa rodada de aproximação, em maio, técnicos do Ministério da Economia e do Itamaraty.
Segundo uma pesquisa publicada no jornal científico American Journal of Preventive Medicine uma vacina precisa ter 80% de eficácia para colocar um ponto final à pandemia. Para evitar que outras aconteçam, a prevenção precisa ser 70% eficaz.
Uma vacina com uma taxa de eficácia menor, de 60% a 80% pode, inclusive, reduzir a necessidade por outras medidas para evitar a transmissão do vírus, como o distanciamento social. Mas não é tão simples assim.
Isso porque a eficácia de uma vacina é diretamente proporcional à quantidade de pessoas que a tomam, ou seja, se 75% da população for vacinada, a proteção precisa ser 70% capaz de prevenir uma infecção para evitar futuras pandemias e 80% eficaz para acabar com o surto de uma doença.
As perspectivas mudam se apenas 60% das pessoas receberem a vacinação, e a eficácia precisa ser de 100% para conseguir acabar com uma pandemia que já estiver acontecendo — como a da covid-19.
Isso indica que a vida pode não voltar ao “normal” assim que, finalmente, uma vacina passar por todas as fases de testes clínicos e for aprovada e pode demorar até que 75% da população mundial esteja vacinada.
Alguns tipos de vacina têm sido testados para a luta contra o vírus. Uma delas é a de vírus inativado, que consiste em uma fabricação menos forte em termos de resposta imunológica, uma vez que nosso sistema imune responde melhor ao vírus ativo. Por isso, vacinas do tipo têm um tempo de duração um pouco menor do que o restante e, geralmente, uma pessoa que recebe essa proteção precisa de outras doses para se tornar realmente imune às doenças. É o caso da Vacina Tríplice (DPT), contra difteria, coqueluche e tétano. A vacina da Sinovac, por exemplo, segue esse padrão.
Outro tipo de vacina é a de Oxford, feita com base em adenovírus de chimpanzés (grupo de vírus que causam problemas respiratórios), e contendo espículas do novo coronavírus.
As outras vacinas em fases clínicas já avançadas também são baseadas em espículas, mas apresentadas em forma de RNA mensageiro, como as da Pfizer e da Moderna.
Sinovac Biotech: a vacina chinesa que começou os testes em fase 3 no Brasil na segunda-feira, 20, pretende fabricar até 100 milhões de doses anuais. Por aqui, 9.000 profissionais da área da saúde receberão a vacina.
Sinopharm (Wuhan e Pequim): a vacina com base em vírus inativado, que se mostrou capaz de produzir resposta imune ao vírus, começou as fases 3 de testes neste mês nos Emirados Árabes Unidos. Cerca de 15.000 voluntários participaram do período de testes e a empresa chinesa acredita que a opção estará disponível para o público já no final do ano.
Oxford e AstraZeneca: os resultados preliminares das fases 1 e 2 da vacina com mais de 1.000 pessoas mostraram que ela foi capaz de induzir uma resposta imune à doença. As fases 2 (que ainda está ocorrendo no Reino Unido) e 3 de testes (acontecendo no Reino Unido, Brasil e África do Sul) devem garantir a eficácia completa dela. A opção é tida como a mais promissora pela OMS.
Moderna: a empresa americana iniciou última fase de testes de sua vacina baseada no RNA mensageiro no dia 27 de julho. O teste vai incluir 30.000 pessoas nos Estados Unidos e o governo investiu pesado: cerca de 1 bilhão de dólares para apoiar a pesquisa. A expectativa da empresa é produzir 500 milhões de doses por ano.
Pfizer e BioNTech: a vacina agora também está na fase 3 de testes e também usa o RNA mensageiro, que tem como objetivo produzir as proteínas antivirais no corpo do indivíduo. A expectativa é testar a vacina em aproximadamente 30.000 voluntários com idades entre 18 e 85 anos no mundo. Desse total, 1.000 serão testados no Brasil. Se tudo der certo, a expectativa é que a eficácia da vacina seja comprovada até o outubro. A empresa espera produzir até 100 milhões de doses até o fim do ano. Outras 1,3 bilhão de doses podem ser fabricadas no ano que vem.
Instituto Gamaleya: em 11 de agosto a Rússia registrou a primeira vacina do mundo contra a covid-19. A vacina russa é baseada no adenovírus humano fundido com a espícula de proteína em formato de coroa que dá nome ao coronavírus e é por meio dessa espícula de proteína que o vírus se prende às células humanas e injeta seu material genético para se replicar até causar a apoptose, a morte celular, e, então, partir para a próxima vítima. Na última segunda-feira, 31, o país anunciou que o primeiro lote de sua vacina, a “Sputnik V”, estará disponível já neste mês.
CanSino: a vacina chinesa usa um vírus inofensivo do resfriado conhecido como adenovírus de tipo 5 (Ad5) para transportar material genético do coronavírus para o corpo e, segundo a companhia, conseguiu induzir uma resposta imune nos indivíduos que foram testados. No começo de agosto, a China concedeu a primeira patente da vacina.
Janssen Pharmaceutical Companies: a vacina, em parceria com o gigante Johnson & Johnson conseguiu induzir imunidade robusta em testes pré-clínicos. A tecnologia usada para a produção dela é a mesma utilizada no desenvolvimento da vacina do Ebola, que inclui o uso do vírus inativado da gripe comum, incapaz de ser replicado.
Novavax: a empresa americana nunca produziu uma vacina em mais de três décadas de existência, mas decidiu tentar. A vacina tem como base as proteínas do próprio vírus.
Para uma vacina ou medicação ser aprovada e distribuída, ela precisa passar por três fases de testes. A fase 1 é a inicial, quando as empresas tentam comprovar a segurança de seus medicamentos em seres humanos; a segunda é a fase que tenta estabelecer que a vacina ou o remédio produz, sim, imunidade contra um vírus, já a fase 3 é a última fase do estudo e tenta demonstrar a eficácia da droga.
Uma vacina é finalmente disponibilizada para a população quando essa fase é finalizada e a proteção recebe um registro sanitário. Por fim, na fase 4, a vacina ou o remédio é disponibilizado para a população.
Com isso, as medidas de proteção, como o uso de máscaras, e o distanciamento social ainda precisam ser mantidas. A verdadeira comemoração sobre a criação de uma vacina deve ficar para o futuro, quando soubermos que a imunidade protetora realmente é desenvolvida após a aplicação de uma vacina.
A mais rápida a passar por todas essas fases foi a do Ebola, que demorou cinco anos para ficar pronta e ser aprovada pela agência análoga à Anvisa nos Estados Unidos e pela Comissão Europeia, em 2019.
Até o momento, em relação à pandemia atual, nenhuma situação do tipo aconteceu.