Ciência

Água de má qualidade pode ser causa de baixa estatura

Falta de saneamento e de acesso a água potável pode estar na origem de problemas com estatura e outras condições associadas à desnutrição

Saneamento: infecções bacterianas repetidas no início da vida podem alterar definitivamente a capacidade do intestino de absorver nutrientes (Marcelo Casal Jr/Agência Brasil)

Saneamento: infecções bacterianas repetidas no início da vida podem alterar definitivamente a capacidade do intestino de absorver nutrientes (Marcelo Casal Jr/Agência Brasil)

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Da Redação

Publicado em 21 de setembro de 2017 às 09h54.

Reduzir as taxas de mortalidade infantil foi uma das metas estabelecidas pela Organização das Nações Unidas (ONU) no ano 2000, por meio dos Objetivos do Milênio. De fato, muitos avanços nesse sentido foram alcançados nas duas últimas décadas em todo o mundo.

“As crianças estão sobrevivendo mais, tanto nos países desenvolvidos como nas nações em desenvolvimento. Porém, boa parte delas não está prosperando como poderia e não consegue atingir seu potencial de desenvolvimento cognitivo e físico. E isso tem uma tremenda implicação para os países”, afirmou a pesquisadora Helen Raikes, do Colégio de Educação e Ciências Humanas da University of Nebraska-Lincoln, nos Estados Unidos.

Em uma palestra apresentada na terça-feira (19/9) durante a FAPESP Week Nebraska-Texas, Raikes falou sobre como a falta de saneamento básico e de acesso a água potável de qualidade pode estar na origem de problemas como déficit de estatura e de outras condições associadas à desnutrição.

“Já está bem estabelecida a relação entre a ocorrência frequente de diarreia e mortalidade infantil. Porém, estudos recentes têm mostrado que infecções bacterianas repetidas também podem afetar as vilosidades intestinais e o perfil da microbiota – prejudicando a absorção de nutrientes para o resto da vida”, contou a pesquisadora.

Quando o problema ocorre em períodos de alta vulnerabilidade, como os primeiros dois anos de vida, os danos podem ser definitivos.

Segundo Raikes, três áreas são particularmente comprometidas: o desenvolvimento cognitivo, a estatura e o microbioma intestinal [fortemente relacionado com a saúde metabólica e a imunidade].

Tal condição cria grandes disparidades no desenvolvimento de crianças de diferentes contextos socioeconômicos e causa perda de potencial humano”, afirmou a pesquisadora.

Como comentou Raikes, a neurociência tem mostrado que as experiências que um indivíduo vivencia nos primeiros anos de vida são incorporadas no organismo e constroem as bases para as experiências futuras. Um período de desenvolvimento, disse a pesquisadora, é construído com base no anterior.

Panorama acreano

A importância dos primeiros mil dias de vida para o desenvolvimento infantil também foi abordada durante a palestra de Marly Augusto Cardoso, professora da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da Universidade de São Paulo (USP). Ela apresentou, na terça-feira (19/9), resultados de uma pesquisa feita ao longo de 10 anos (2003-2012) no município de Acrelândia (AC) com cerca de mil crianças menores de 10 anos.

“O que chama atenção nessa região, em relação ao cenário nacional, é que a desnutrição infantil – e consequentemente o déficit de estatura e a prevalência de anemia – não diminuiu tão fortemente como em outros estados brasileiros.

O Acre ainda apresenta indicadores de saúde infantil bem precários. A ocorrência de diarreia em crianças pequenas, por exemplo, é bem mais frequente do que em outras regiões”, disse Cardoso.

Ao mesmo tempo, contou a pesquisadora à Agência FAPESP, é possível observar um ganho de peso excessivo nas crianças em fase escolar – possivelmente causado pela substituição do padrão alimentar tradicional pelo moderno, composto principalmente de produtos industrializados.

“Isso configura um cenário de carga dupla de doenças relacionadas ao estado nutricional: ainda há deficiências não completamente sanadas e, ao mesmo tempo, risco de ganho excessivo de peso que predispõe a doenças cardiovasculares e metabólicas na vida adulta”, comentou.

A investigação em Acrelândia foi feita com apoio da FAPESP durante o doutorado de Bárbara Hatzlhoffer Lourenço.

Atualmente, Cardoso coordena um Projeto Temático que pretende identificar no município de Cruzeiro do Sul – o segundo mais populoso do Acre e uma região endêmica para a malária – fatores que podem potencializar tanto a promoção da saúde na vida escolar e na adolescência como a redução de fatores de riscos na vida adulta.

O estudo de base populacional, que teve início em 2015, pretende acompanhar os determinantes de saúde materno-infantil desde a gestação e o parto até o final do segundo ano de vida.

Participam cerca de 1,5 mil famílias captadas na única maternidade da cidade, graças à parceria com agentes do Programa Saúde da Família (PSF). Também colaboram com o estudo docentes e alunos da Universidade Federal do Acre (UFAC).

“O projeto tem muitos eixos. Vamos investigar deficiências nutricionais nas mães e nas crianças, risco de infecção por malária e dengue, ganho de peso precoce, práticas alimentares das mães. Pretendemos também estudar a microbiota intestinal dos voluntários e fazer análises epigenéticas [para entender como os fatores ambientais estão modulando a expressão dos genes]”, contou Cardoso.

Um estudo-piloto feito com 500 gestantes do mesmo município mostrou que 19% delas são adolescentes – índice mais alto que a média nacional.

Além disso 24% apresentam sobrepeso, 18,7% não ganharam peso suficiente durante a gestação e 59%, por outro lado, ganharam peso em excesso no período (embora não estivessem necessariamente acima da média considerada ideal quando foram avaliadas).

O índice de anemia no terceiro trimestre gestacional foi de 17,5% e 13,4% apresentaram deficiência de vitamina A.

“Algo que já pudemos notar é que a malária gestacional é um problema negligenciado e sabemos que pode ser uma das causas de baixo peso no nascimento”, afirmou.

No dia anterior, também durante a programação da FAPESP Week Nebraska-Texas, Susan Sheridan, diretora do Centro Nebraska de Pesquisa em Criança, Juventude, Famílias e Escolas, apresentou uma série de estudos voltados a promover a saúde mental familiar e, desse modo, possibilitar um melhor desenvolvimento infantil.

Segundo Sheridan, um trabalho colaborativo feito por pesquisadores do Brasil e de Nebraska concluiu que, quando os pais têm um relacionamento sólido, as crianças se saem melhor.

Essa linha de investigação busca atualmente identificar intervenções que melhoram os relacionamentos familiares, como a teleterapia. Mais informações neste link.

Este conteúdo foi originalmente publicado no site da Agência Fapesp.

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