. (Asif Akbar / Stock Xchng/Thinkstock)
São Paulo - O uso de antibióticos na alimentação de animais criados para o consumo humano é controverso. Ao longo das últimas décadas, algumas bactérias comuns em aves e ruminantes desenvolveram resistência aos medicamentos usados para combatê-las e puderam voltar a causar doenças em seus hospedeiros. Humanos que ingerem esses alimentos contaminados estariam, portanto, sujeitos a desenvolver infecções uma vez que o alimento fosse absorvido pelo organismo, certo?
O senso comum, neste caso, não podia ser comprovado pela ciência. Agora, um novo estudo da Sociedade Americana de Microbiologia dá mais um passo para demonstrar que bactérias resistentes podem ser transmitidas de animais para humanos por meio do consumo de carne contaminada, além de fornecer um modelo de como sistemas de vigilância poderiam impedir a transmissão de bactérias desde sua origem nas fazendas.
Estudos que ligam a presença de antibióticos na dieta dos animais ao desenvolvimento de infecções nos humanos que as consomem não são totalmente aceitos na comunidade científica. A maioria tem caráter observacional e não permitia apresentar provas concretas de que haveria uma relação direta com problemas de saúde em pessoas.
A pesquisa recente, coordenada pelos microbiólogos Cindy Liu e Lance Prince, realizou uma investigação profunda no genoma da adaptação bacteriana na alimentação de animais e humanos. Com isso, foi possível comprovar que um antibiótico “X” dado ao animal “Y” deu origem à bactéria “Z” e causou a doença “D” no humano que consumiu aquela carne. Antes da pesquisa, o rastreamento de todo o processo não podia ser dado como certo, apesar das suspeitas.
Para os testes, foram analisadas amostras de carne vendidas na cidade de Flagstaff, no Arizona, e amostras de fezes e urina de pacientes em hospitais locais. A ideia era fazer uma linha do tempo que possibilitasse criar relações entre carne contaminada e o surgimento de doenças.
O alvo do estudo foi um grupo específico de E. coli chamado EXPEC (E. coli patogênica extra-intestinal, em relação a sua capacidade de sair do intestino e causar infecções em outras partes do organismo). A porta de entrada das EXPECs é geralmente a bexiga, então infecções urinárias costumam ser um sinal de alerta para esse tipo de doença.
Resistente aos antibióticos comumente administrados, esse tipo de infecção urinária pode se deslocar até os rins e cair na corrente sanguínea. As EXPECs podem causar doenças ainda mais graves que infecções alimentares e podem levar a choque sépticos ou até mesmo à morte.
Um dos focos do estudo foram as bactérias do tipo H22, que carregavam marcadores genéticos indicando que já tinham estado presentes em aves antes de se adaptarem ao organismo humano. A escolha se mostrou reveladora, já que o H22 geralmente não é alvo de análises oficiais dos órgãos de controle americanos.
"Acho que esta é a primeira vez que podemos realmente estabelecer a direção da transmissão", disse Price em entrevista à revista Wired. “Isso mostra claramente que as pessoas estão recebendo infecções urinárias de E. coli originárias de aves domésticas.”
Para gerar soluções mais práticas à rotina dos consumidores de carne, o resultado da pesquisa de Liu e Price precisa ser aliado a um refinamento do sistema de controle atual, que ainda tem acesso limitado à origem do ambiente onde os animais nascem e são criados, criando um sistema de monitoramento realmente eficiente que garanta uma alimentação mais segura.