Cena de "Sérgio", filme da Netflix: Wagner Moura no papel principal (Netflix/Karima Shehata/Divulgação)
Guilherme Dearo
Publicado em 14 de abril de 2020 às 14h42.
Última atualização em 14 de abril de 2020 às 14h53.
O ator brasileiro Wagner Moura, depois da empreitada muito bem sucedida de "Narcos", estreia nessa sexta-feira (17) mais uma parceria com a Netflix americana. É "Sérgio", filme sobre o diplomata brasileiro Sérgio Vieira de Mello, morto em 2003 no Iraque, em um atentado a bomba na sede da ONU em Bagdá, durante a ocupação dos Estados Unidos no país.
Com filmagens na Tailândia (para emular o Timor Leste), na Jordânia (para emular o Iraque) e no Rio de Janeiro, "Sérgio" teve um orçamento de US$ 16 milhões e estreou com críticas favoráveis no Festival de Sundance, nos EUA, em janeiro. A direção ficou por conta de Greg Barker, diretor que estreou no cinema de ficção com esse filme original Netflix. Barker é famoso pelos seus documentários, como "The Final Year", sobre o último ano de Barack Obama na Casa Branca, e "Sergio", sobre o diplomata.
Não foi Barker ou a Netflix quem chamou Moura para embarcar no projeto, sim o contrário. A ideia do filme partiu do ator, que está com uma missão "quixotesca"(mas possível) em Hollywood: realizar mais projetos com personagens latino-americanos que não sejam estereotipados, que não sejam sempre o "traficante" da narrativa. Há boas histórias vindas do Brasil e da América do Sul. A história de Sérgio Vieira de Mello é uma delas.
Vieira de Mello era Alto Comissário da ONU para os Direitos Humanos desde 2002 e estava no Iraque para tentar intermediar negociações entre o governo americano, que iniciara a Guerra do Iraque meses antes, e forças locais, que começavam a entrar em um conflito civil, tudo enquanto os EUA prometiam sair do país assim que as eleições democráticas pós-derrubada de Saddam Hussein ocorressem. Ele acabou morto em um atentado com carro-bomba no Canal Hotel, a mando da Al Qaeda. Acredita-se que ele era o alvo direto do crime.
Para Moura, os valores e a ética de Sérgio Vieira de Mello contrastam com a atual situação dos poderes globais diante da pandemia do novo coronavírus: "É tudo muito mesquinho, pobre. É um culpando o outro pela crise. Faltam valores elevados", diz.
À EXAME, por telefone, Moura falou sobre as filmagens de "Sérgio" e a importância de contar essa história em 2020, durante uma pandemia global:
Como surgiu o projeto de filmar "Sérgio"?
A ideia partiu de mim. Atualmente, estou com um projeto de fazer filmes nos Estados Unidos com personagens latino-americanos, reais ou ficcionais, mas que não sejam estereotipados. Ainda somos muito mal representados no cinema de Hollywood. O processo foi surpreendentemente rápido. Conversei por telefone com o [diretor do filme] Greg Barker, cujo documentário sobre o Sérgio eu tinha gostado muito, e ele se animou com a ideia. Depois fui filmar "Marighella". Enquanto isso o roteirista Craig Borten já estava desenvolvendo o roteiro. Fizemos a apresentação na Netflix, eles autorizaram e seguimos adiante. Sempre me interessei por questões da ONU e, depois de 2003, fui pesquisar a história do Sérgio. É incrível. Existe uma ONU antes e uma ONU depois dele.
O que foi mais desafiador na hora de retratar o Sérgio, entrar nesse "personagem"?
Ultimamente tenho feito trabalhos sobre pessoas que já existiram. Não é uma predileção minha, não busquei isso, mas tenho feito. O Sérgio, o Carlos Marighella [Moura é diretor do filme sobre Marighella, ainda inédito], o Pablo Escobar em "Narcos". O que funciona para mim é tentar aprender ao máximo sobre essa pessoa. Ler muito, estudar. Mas, depois, esquecer tudo isso e criar minha própria versão. O resultado final é uma simbiose. Do que eu sou e do que a pessoa é. Fica uma coisa mais orgânica, não caricata. Mas o Sérgio era um cara bem complicado. Ele queria salvar o mundo, mas ao mesmo tempo era um homem que tinha uma vida privada muito caótica.
Foi o primeiro filme de ficção do diretor Greg Barker. Como foi essa experiência?
Foi muito bom. Uma grande troca de ideias, um aprendendo com o outro. A gente tinha atores de todos os lugares do mundo. Eram sotaques diferentes todos os dias. Isso é muito rico. Angola, Brasil, Iraque, Irlanda, Cuba, Estados Unidos. Tudo estava ali no set. Era uma coisa bonita de ver, esse multiculturalismo.
Qual a importância dessa história para os dias de hoje? Como você acha que o público vai receber o filme a partir do dia 17?
Pensei muito nisso, como vai ser o resultado final. Engraçado o filme estrear agora, justamente em um momento de fragilidade das lideranças mundiais. O público está trancafiado em casa. Enquanto isso, há um caos geral entre as lideranças. Estamos diante de uma ausência de valores elevados. É tudo muito mesquinho, pobre. É um culpando o outro pela crise, um governante brigando, o outro roubando máscaras. E o Sérgio Vieira de Mello era o oposto. Tinha predicados únicos, era um intelectual formado na Sorbonne com grau máximo. Ao mesmo tempo, formado nos campos de refugiados da Acnur [Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados]. Era um cara que via os direitos humanos de uma forma muito pragmática. Tudo o que ele fazia, fazia a partir de valores humanitários. É um filme sobre empatia, sobre a capacidade de alguém de ver o outro, entender o outro. É disso que precisamos agora.
Ficha técnica
"Sérgio"
Drama / Estados Unidos / 1h58
Direção: Greg Barker
Com: Wagner Moura, Ana de Armas, Brían F. O'Byrne, Garret Dillahunt, Bradley Whitford
17/4, na Netflix