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Vromage, o queijo vegano francês

Mariana Zanon, de Montpellier O queijo faz parte da vida da França. O ex-presidente Charles de Gaulle costumava dizer que era impossível governar um país que produz 246 tipos de queijo. Hoje, são cerca de 1.000 tipos de queijos diferentes, incluindo frescos, fermentados e não-fermentados feitos com leite de vaca, de cabra e até de corça. […]

VROMAGE: o queijo vegano Praire é feito à base de castanha de caju, suco de limão e sal rosa do Himalaia   / Divulgação

VROMAGE: o queijo vegano Praire é feito à base de castanha de caju, suco de limão e sal rosa do Himalaia / Divulgação

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Da Redação

Publicado em 4 de novembro de 2016 às 16h12.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h45.

Mariana Zanon, de Montpellier

O queijo faz parte da vida da França. O ex-presidente Charles de Gaulle costumava dizer que era impossível governar um país que produz 246 tipos de queijo. Hoje, são cerca de 1.000 tipos de queijos diferentes, incluindo frescos, fermentados e não-fermentados feitos com leite de vaca, de cabra e até de corça. O queijo é uma instituição presente à mesa e fabricá-lo exige dominar uma arte transmitida de geração para geração. Portanto, ao se falar em veganismo e no boom do sem glúten — e, pasmem, dos sem lactose — não é fácil para um francês retirar o tradicional queijo da dieta. Mas para aqueles que querem seguir uma dieta mais restritiva, começa a surgir o movimento dos vromages, queijos 100% de origem vegetal feitos à partir de leites vegetais e sementes oleaginosas com objetivo de reproduzir os fromages (queijos, em francês).

Lançado pela primeira vez nos Estados Unidos em 2009 pelo artesão queijeiro Youssef Fakhouri, o queijo vegetal levou ao deleite (perdão) veganos americanos e rapidamente chegou à produção industrial e consequentemente aos supermercados descolados do mundo todo.

A França tem um mercado promissor para essa tendência. Segundo a organização Vegactu, a França está em último lugar no ranking europeu de pessoas vegetarianas ou veganas. No entanto, o número de adeptos dessas dietas crescem ano após ano. Uma ótimo oportunidade para novos negócios, portanto.

De olho nesse público crescente está Mary Carmen Jähnke, uma artesã queijeira vegana. Sem suportar a ideia de abolir do cardápio queijos, iogurtes e afins e nem de abrir mão de seus princípios contra todo e qualquer consumo proveniente da exploração animal, ela abriu este ano, em Paris, as portas da primeira queijaria vegana da França, a Jay & Joy.

Com suas preparações caseiras, a empresa atende a vários segmentos da população: veganos, vegetarianos, mas também pessoas intolerantes à lactose, ou com problemas de colesterol alto — por conter ácidos graxos insaturados, o queijo vegetal é mais saudável e menos calórico.

A ideia surgiu quando Mary, ainda lacto-ovo-vegetariana, queria lutar contra a crueldade da indústria leiteira. Segundo ela, a Jay & Joy se construiu sobre três pilares: a saúde, a ecologia e o direito dos animais. “Dia após dia crescia a necessidade de fazer minha parte na construção de um mundo melhor. Pode parecer ingênuo, mas foi assim que nasceu a Jay & Joy“, afirma.

Mary não é somente vegana, mas também uma ativista ambiental. “Nossos queijos são feitos à partir de produtos orgânicos cultivados por produtores locais, as embalagens são recicláveis feitas de amido de milho compostável e a energia elétrica da nossa loja é fornecida pela produção renovável de uma cooperativa. Além disso, usamos bicicletas para entregar nossos produtos em domicílio”, revela Mary.

O leite vegetal utilizado para produção do vromage é produzido na própria loja com amêndoas ou castanha de caju. Os vromages são aromatizados com diferentes tipos de ervas finas para serem consumidos puros, em sanduíches, grelhados, em saladas ou como sobremesa – hábito muito comum na França. Para a artesã, o objetivo é oferecer uma alternativa apetitosa aos produtos lácteos por meio de produtos feitos com ingredientes seletos, frescos e saborosos. “Para mim, o que é bom para o planeta também é bom para nós. Deixar em paz o mundo animal nos ajuda a reduzir o fardo que carregamos sob a destruição do ambiente”.

Na loja, estão disponíveis seis tipos de vromages. O queridinho dos clientes, segundo Mary, é o Prairie. Feito à base de castanha de caju, suco de limão, água, alho, vinagre de cidra, sal rosa do Himalaia e aromatizado com pimenta preta, orégano, tomilho e manjericão (o Himalaia, nunca é demais lembrar, fica a quase 10.000 quilômetros da França, e o percurso não é feito de bicicleta). A unidade de 170g é vendida por 6,90 euros (25 reais). Segundo a artesã, uma ótima opção para passar no pão ou rechear legumes.

Em segundo lugar nas vendas, está o Jack Fondu. Visualmente parecido com o queijo cheddar, o Jack é feito à base de leite de amêndoa, óleo de coco aromatizado de raiz de araruta, vinagre de cidra, sal rosa do Himalaia (olha ele aí de novo), pasta de tomate, mostarda, cebola, alho, carragenina (um aglutinante natural obtido a partir de extratos de algas marinhas vermelhas) e ácido láctico. Mais elaborado que o Prairie, o atrativo desse queijo é que ele é um dos poucos queijos vegetais que derrete. Para o Jack, a unidade de 180g sai por 10.50 euros (38 reais). Uma outra opção gourmand que a loja oferece são os iogurtes caseiros, também 100% vegetais. É possível escolher entre os sabores natural, amêndoa ou coco. A unidade sai por 1.80 euros (6,50 reais).

Erick Gourdan, parisiense de 29 anos, segue um regime vegano há 3 anos e aprova a ascensão dos queijos vegetais. “Abdicar dos produtos lácteos, particularmente o queijo, foi sem dúvida a parte mais difícil da minha escolha. Ainda há algum tempo atrás, mesmo em Paris, era muito difícil encontrar alternativas para esses produtos”, afirma.

Bom negócio?

Enfrentando uma inversão latente de comportamento de alimentação, a indústria de alimentos parece ter encontrado um novo segmento para se expandir. O preço, o sabor, a inovação e a embalagem são argumentos fortes para atrair novos seguidores de uma dieta mais saudável apoiada no apelo ao consumo consciente e na gestão de recursos naturais.

Fato é que, além de Jay & Joy, outras lojas ganham espaço no mercado como o açougue vegetariano La Boucherie Végétarienne, aberto em Paris ano passado e criador de produtos como costeletas de tremoços, salsicha de tofu e camarão feito de algas. Faz sucesso também o supermercado Le Monde Vegan, onde é possível encontrar desde cosméticos, adubo 100% vegetal e até ração vegetariana para pets.

Apesar de ainda estar no seu início, o vromage começa a incomodar os produtores de queijos tradicionais. Segundos eles, há uma lei no país que afirma que apenas produtos contendo leite animal podem ser chamados de fromage e que queijos vegetais não podem levar o mesmo nome por não serem “queijo de verdade”.

Trate-se de um lobby poderoso. A indústria de queijos na França é composta por cerca de 30.000 produtores de leite, 1.400 produtores de queijo, 250 cooperativas e 154 refinadoras exclusivas de queijo. Com média de 24 kg de queijo consumidos por ano per capita, os franceses estão entre os maiores consumidores do mundo.

Apesar do tema ser polêmico, para o artesão Robert-Pierre Caleson, da tradicional queijaria Barthélémy, em Paris, essa lei não faz sentido. “O queijo em si é composto de proteínas e ácidos graxos. Porém, se essas proteínas são animais ou vegetais não faz diferença. Elas perdem sua estrutura durante o processo de fabricação. Chamar de falso queijo é uma injustiça”, afirma.

Mas o gosto é bom, afinal? Gourdan, o vegano, é sincero. “Não tem o mesmo gosto, é óbvio. Mas, isso não impede de desfrutar e descobrir novos sabores, eles são deliciosos. Além disso, é muito bom poder compartilhar com os meus familiares e amigos uma tábua de queijos, ainda que os que eu como sejam os “falsos queijos”, brinca ele. “A parte social do queijo também conta”.

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