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Vinhos tchecos: qualidade pós-socialismo

Hana de Goeij © 2016 New York Times News Service Valtice, República Tcheca – Há doze anos, Mike Mazey fazia vinhos na sua terra natal, a Austrália, quando recebeu uma oferta de emprego inesperada na Europa: Venha para a República Tcheca e nos ensine sua arte. Intrigado, Mazey – cujo contrato como vinicultor para a Ausvin, […]

MIKE MAZEY: vinicultor australiano é um dos responsáveis pelo renascimento dos vinhos da República Tcheca, cuja qualidade foi negligenciada durante o período comunista / Gordon Welters/ The New York Times

MIKE MAZEY: vinicultor australiano é um dos responsáveis pelo renascimento dos vinhos da República Tcheca, cuja qualidade foi negligenciada durante o período comunista / Gordon Welters/ The New York Times

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Da Redação

Publicado em 2 de setembro de 2016 às 13h06.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 17h58.

Hana de Goeij © 2016 New York Times News Service
Valtice, República Tcheca – Há doze anos, Mike Mazey fazia vinhos na sua terra natal, a Austrália, quando recebeu uma oferta de emprego inesperada na Europa: Venha para a República Tcheca e nos ensine sua arte.

Intrigado, Mazey – cujo contrato como vinicultor para a Ausvin, uma empresa australiana, estava prestes a acabar – se mudou para a Morávia do Sul, a principal região produtora de vinho da República Tcheca. Ele nunca havia ouvido falar da Morávia, nem de algumas das variedades de uva com as quais iria trabalhar, mas ficou imediatamente encantado com seu novo lar.

“A Morávia tem alguns dos vinhedos mais espetaculares que já vi”, afirmou. E para melhorar, sob as ruas das cidades de Valtice e a vizinha, Lednice, existem adegas centenárias, sem falar em variedades de uva como a Palava e a Irsay Oliver, que são encontradas predominantemente na Morávia do Sul. “Foi uma experiência inesquecível”, afirmou.

No coração da indústria vinícola da Morávia está Valtice, uma cidadezinha na fronteira tcheco-austríaca, para onde Mazey, que vive em Brno – a cerca de 64 quilômetros dali – vai regularmente para dar aulas de inglês aos produtores de vinho locais e para participar do júri de uma competição de vinho.

Dominada por um impressionante palácio barroco, e cercada por montanhas forradas de vinhedos cuidadosamente organizados, Valtice foi durante muito tempo uma cidade sonolenta. Durante o governo comunista, muitas das pessoas que passavam por lá eram tchecos que tentavam atravessar a cerca de arame farpado da cortina de ferro em busca de uma vida melhor no Ocidente.

Atualmente, Valtice atrai inúmeros turistas interessados nos vinhos da região e nos chalés de caça das montanhas da região, que, além disso, é repleta de ciclovias. Durante o verão, a cidade se enche de atividade – com exposições de arte, festivais de música e degustação de vinhos – o que significa que os hotéis ficam cheios.

Durante uma tarde recente, um grupo de ciclistas fazia fila na frente de uma loja para comprar os famosos vinhos brancos de corpo leve, abrigados do sol sob uma pérgula coberta de parreiras.

Valtice já foi dominada pela Casa de Liechtenstein, que comprou propriedades na região ainda no século XIV.

Durante o século XIX, a família Liechtenstein transformou a área entre Valtice e Lednice em uma paisagem repleta de lagos artificiais, alamedas de nogueira e chalés de caça que se tornaram Patrimônio da Humanidade pela UNESCO.

Eles também eram grandes apreciadores e colecionadores de vinho, mantendo suas melhores safras em uma rede cada vez maior de adegas subterrâneas que continuam sendo utilizadas atualmente.

A presença da família Liechtenstein em Valtice chegou ao fim após a Segunda Guerra Mundial, quando foram forçados a deixar a Tchecoslováquia e suas propriedades foram transferidas para o Estado.

Assim como todos os outros empreendimentos da nação comunista, os vinicultores da Morávia também foram forçados a converter suas empresas em estatais. Os vinhedos foram nacionalizados e transformados em enormes fazendas que permitiam colheitas maiores e mais automatizadas. O sistema favorecia a quantidade em detrimento da qualidade, com variedades de uva que exigiam mais atenção sendo substituídas por outras que ofereciam safras volumosas.

“De forma consciente ou inconsciente, os comunistas não eram muito fãs de vinho”, afirmou Petr Ocenasek, vinicultor da região. Sua teoria é a seguinte: “Se dez camaradas provassem um vinho, teríamos dez opiniões diferentes. Isso era o oposto da ideologia que exigia uniformidade em todas as áreas”.

Um escritório de vinicultura estatal foi criado para operar as cooperativas que produziam a maior parte do vinho da Tchecoslováquia, que os restaurantes e cantinas do país depois eram obrigados a comprar. Os vinicultores que trabalhavam nas fazendas tinham o direito de ficar com uma parte da uva para consumo pessoal e os vinhos que produziam com ela geralmente só aparecia no mercado negro.

Séculos de conhecimento sobre a produção de vinhos na Morávia praticamente desapareceram.

“A noção de terroir praticamente sumiu”, afirmou Mazey, referindo-se à influência que o local tem sobre as uvas. “Se você quisesse um vinho muito bom, era melhor conhecer o produtor e ser amigo dele, já que eles guardavam para si os vinhos feitos com as uvas das melhores partes do vinhedo.”

Com a privatização, os produtores de vinho tchecos gradualmente voltaram a ocupar os espaços que haviam perdido durante o governo comunista. As enormes cooperativas foram dividas e passaram a ser controladas por vinicultores dedicados. Métodos que já eram comuns no Ocidente, como o uso de inox e de fermentação com temperatura controlada, chegaram à região. Os produtores redescobriram o conceito de terroir.

Agora, os vinhos tchecos estão começando a ganhar espaço nas competições internacionais. Em 2010, um Chateau Valtice Gruner Veltliner 2009 recebeu uma dupla medalha de ouro na Competição Internacional de Vinho de San Francisco.

“Desde que cheguei, vi os produtores tchecos evoluírem; eles estão dispostos a abrir mão da quantidade para aumentar a qualidade”, afirmou Mazey.

Marek e David Stastny cresceram à sombra do Chateau Valtice, brincando no terreno, e mais tarde, já como produtores de vinho, passaram a admirar os métodos da família Liechtenstein. Atualmente, a família Stastny é proprietária da vinícola Chateau Valtice, cujas adegas são um destino popular entre os turistas.

Em um corredor de arcadas próximo à entrada principal do chateau é possível ver uma prensa de vinho de madeira feita em 1806, que leva a uma das adegas mais antigas da República Tcheca, construída em 1430 e ainda em uso. Perto dali, do outro lado de uma grande praça central dominada por uma fonte do século XVI construída pela família Liechtenstein, fica uma extensão das adegas feita em 1640.

A família Stastny começou a produzir vinhos com Antonin Stastny, pai de David e Marek, que trabalhou na cooperativa de Valtice desde 1966, e que foi privatizada após a queda do governo comunista. Durante uma tarde recente, os irmãos Stastny mostraram os tesouros da caverna subterrânea, mostrando barris multicentenários – que não são mais utilizados.

A empresa da família Stastny produz cerca de três milhões de litros de vinho por ano, tornando-se a segunda maior produção de vinho da Morávia. A maioria das uvas utilizadas é de variedades locais, como a Gruner Veltliner, ou a Riesling. A empresa também importa a Chardonnay e sempre está em busca de outras capazes de se desenvolver no clima frio da Morávia.

“Queremos utilizar o máximo de varietais possível; é muito mais divertido para nós, vinicultores, e também para os consumidores, do que se nos concentrássemos apenas nas tradicionais”, afirmou David Stastny.

Apesar da crescente reputação, os vinhos tchecos continuam desconhecidos entre os consumidores estrangeiros. Uma das razões é que a maior parte do vinho produzido é consumida no próprio país, já que os vinhos locais representam mais de 40 por cento do mercado doméstico. Uma pequena parcela é exportada, em sua maioria para a Eslováquia, que se separou da República Tcheca em 1993.

“É economicamente mais vantajoso vender do que exportar”, afirmou Stastny.

Outros especialistas em vinho, como Mazey, acreditam que, com o tempo, os vinhos da Morávia vão começar a aparecer em lojas do mundo todo.

Por enquanto, os produtores parecem contentes com a visita dos fãs de vinho, mesmo que muitas pessoas ainda brinquem dizendo que os vinicultores continuam guardando os melhores vinhos para si.

“É o que dizem. Os produtores de vinhos da Morávia deixam o vinho ruim para o pessoal de Praga, para manter a velha rivalidade entre Praga e a Morávia”, brincou Mazey.

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