Wine faz campanha Imposto Zero (Daniel Rodrigues/The New York Times)
Guilherme Dearo
Publicado em 17 de agosto de 2019 às 07h00.
Última atualização em 17 de agosto de 2019 às 07h00.
Vila Seca, Portugal – Na adega de uma vinícola moderna de concreto nesta pequena cidade do Vale do Douro, Luís Seabra pegou uma amostra de seu Xisto Cru Branco 2018 do barril grande e antigo em que estava envelhecendo.
Mesmo em seus primeiros estágios, esse vinho branco estava maravilhoso, feito basicamente com a rabigato, uva que quase não é cultivada em outro lugar do mundo, misturada com um pouco das igualmente obscuras côdega, gouveio e viosinho.
O vinho era salino e mineral, com uma textura opaca, e não estava completamente pronto para admitir a exploração. Era exatamente o tipo de branco fresco que nunca foi característico do Vale do Douro. No entanto, é a evidência da evolução inesperada desta região histórica, por tanto tempo associada à produção de vinho do Porto.
O vale agora é a fonte de alguns dos mais frescos, energéticos e intrigantes vinhos de Portugal, brancos e tintos. Esses vinhos não representam o estilo dominante do Douro, mas são uma surpresa para quem, há uma década, pode ter pensado que a área só era capaz de produzir tintos poderosos e pesados.
O Douro é uma das maravilhas visuais do mundo da vinicultura. Há uma série de vales ribeirinhos ondulantes, com impressionantes encostas perigosamente íngremes, onde os terraços foram esculpidos ao longo de séculos por agricultores intrépidos.
Essa antiga rede de vinhedos é hoje pontuada por moratórios, antigos terraços que foram abandonados ao longo dos anos, muitos após a filoxera, um pulgão que praticamente destruiu os vinhedos europeus e que devastou a área há um século.
Alguns terraços, porém, foram abandonados mais recentemente por produtores que cultivavam algumas terras e vendiam as uvas para as grandes empresas produtoras de vinho do Porto, como os pequenos agricultores faziam há gerações. Mas seus filhos preferiam a vida na cidade, algo que tem acontecido em grande parte da Europa rural. Mais de 40.470 hectares de vinhedos no Douro poderão ser abandonados nas próximas décadas.
"É muito grande. Muito vinho está sendo feito, e o preço das uvas está bem baixo", disse Seabra, acrescentando que os preços da terra são altos.
O modelo dos pequenos agricultores e produtores que vendem aos distribuidores, que por sua vez rotulam e comercializam o vinho, é tão anacrônico no Douro quanto no resto do moderno mundo do vinho.
Hoje, grandes empresas compraram a terra e assumiram a agricultura e a produção do Porto. Muitas estão agora apostando também em vinhos tranquilos (aqueles que não passaram por uma segunda fermentação). Mas talvez sejam os pequenos produtores como Seabra que ajudarão a elevar a reputação do Douro como fonte de grandes vinhos de mesa, bem como de vinhos do Porto históricos.
Seabra, de 46 anos, passou dez deles trabalhando para Dirk Niepoort, visionário descendente de um distribuidor de Porto de longa data, que esteve entre os pioneiros dos vinhos tranquilos no Vale do Douro.
Em 2013, Seabra resolveu iniciar sua própria produção, e agora está fazendo alguns dos vinhos mais atraentes de Portugal, tanto brancos quanto tintos. No entanto, ele aluga sua adega e seus vinhedos, incluindo vinhas de 90 anos que produzem sua rabigato. Sua posição não é exatamente segura.
"Comecei sem dinheiro e ainda não tenho dinheiro. Tudo vai para o vinho."
Os vinhos não fortificados e de mesa têm uma história no Douro. Antes que a produção do Porto surgisse no século XVII, a região era conhecida por poderosos vinhos tintos que os britânicos chamavam de "blackstrap".
Quando um conflito interrompeu o acesso da Grã-Bretanha aos produtos franceses, os comerciantes britânicos vieram a Portugal para comprar vinho. Para conservá-lo durante a viagem oceânica de volta para casa, eles fortificavam a bebida com uma medida de conhaque.
Em pouco tempo, começaram a adicionar o conhaque durante a fermentação e não depois, o que interrompia o processo antes que todo o açúcar da uva se transformasse em álcool, deixando o vinho agradavelmente doce. Esse vinho fortificado foi chamado de Porto, graças à cidade costeira do Porto, onde se instalaram as transportadoras britânicas.
Os vinhos de mesa apareceram ocasionalmente ao longo do século XX, mas foi só na década de 1990 que a produção decolou, depois que Portugal se juntou à União Europeia e os subsídios começaram a aparecer.
No início da década de 1980, o jovem Niepoort deixou Portugal para trabalhar na indústria vinícola da Califórnia. Quando retornou, em 1987, quase nenhum vinho estava sendo produzido no Douro.
"Trinta anos atrás, cem mil barris de Porto foram produzidos, e outros mil de vinho tranquilo. Agora, cem mil barris de Porto são produzidos, e 70 mil de vinho tranquilo", disse Niepoort.
Seu pai não estava interessado em vinhos tranquilos, contou Niepoort, e, assim, o jovem assumiu a liderança em sua família. Com a colheita de 1999, ele fez seu primeiro vinho tinto, usando três variedades tipicamente encontradas no Porto. Ele chamou o vinho de Batuta, como o bastão do maestro, e conta que o resultado foi um monstro: com muito carvalho, muito alcoólico e poderosamente frutado.
"Eu queria um vinho mais leve, mas não sabia como fazê-lo. Pensei que levaria vinte anos para fazer bons vinhos. Tenho ido em direção a algo mais leve e mais elegante", contou Niepoort.
A jornada do Porto para o elegante vinho de mesa não é simples. O cultivo de uvas para o primeiro é diferente do cultivo para o segundo. Muitos produtores dizem que os melhores vinhedos para o Porto não são os melhores para o vinho de mesa, e vice-versa.
A previsão de Niepoort de uma curva de aprendizado de vinte anos provou ser exata, não só para ele, mas também para outros produtores da região. Hoje, seus vinhos do Douro, brancos e tintos, são animados, salgados e sutis.
Os brancos são frescos e minerais. Ele descobriu que é preciso que os brancos bloqueiem a fermentação maloláctica, em que o ácido málico é transformado em ácido láctico, mais suave.
"Sou um fetichista no que se refere à acidez natural. É impossível fazer um bom vinho com acidez muito baixa."
Seu Charme 2016, um tinto sofisticado batizado em homenagem aos borgonhas de Charmes-Chambertin, é bom e suave, com o potencial de envelhecer e evoluir, e tem apenas 13 por cento de álcool. Seus Redomas com preços razoáveis, tintos e brancos, que custam de US$ 20 a US$ 35, são salgados, refrescantes e definitivamente diferentes dos vinhos do Porto.
"Minha primeira regra: não gosto de vinhos frutados", disse Niepoort.
Nem todas as empresas de vinhos do Porto mais conhecidas entraram no negócio de vinhos de mesa. A Taylor Fladgate, quase que desafiadoramente, permaneceu afastada. Mas alguns dos que tentam, como a Quinta do Noval e a Quinta da Romaneira, que são tangencialmente relacionadas, também estão se movendo em direção a vinhos mais leves e mais elegantes.
"O vinho tranquilo não existia de fato antes dos anos 1990", disse Carlos Agrellos, o diretor técnico da Noval, que é propriedade da Axa, uma corporação multinacional de seguros, e consultor da Romaneira, cujo dono é um diretor administrativo da Noval. "A qualidade nos últimos anos aumentou exponencialmente."
Agrellos cita em particular a qualidade da viticultura. Ele disse que o trabalho se tornou mais preciso, com mais atenção aos detalhes. A Noval e a Romaneira estão se concentrando no plantio de varietais em seus novos vinhedos, em vez da tradicional mistura de uvas.
"A qualidade das uvas agora é muito boa, ano após ano, não aleatoriamente", disse ele.