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Tudo o que você precisa saber sobre a Operação "Sol Poente", do golpe de mais de R$ 724 milhões

Operação Sol Poente foi batizada com o nome de um dos quadros mais valiosos da artista

O esquema foi combinado com a filha da vítima durante três anos (TV Globo/Reprodução)

O esquema foi combinado com a filha da vítima durante três anos (TV Globo/Reprodução)

AO

Agência O Globo

Publicado em 11 de agosto de 2022 às 11h54.

Pioneira do movimento modernista, a pintora Tarsila do Amaral (1886-1973) tem obras espalhadas por diversas coleções de prestígio, do Museu de Arte Latino-Americana de Buenos Aires ao Reina Sofia, em Madri. Ontem, uma de suas criações, “Sol poente”, óleo sobre tela de 1929, foi encontrada escondida embaixo da cama de um apartamento em Ipanema, Zona Sul do Rio.

A pintura batizou operação deflagrada pela Delegacia Especial de Atendimento à Pessoa da Terceira Idade (Deapti), ponto alto da apuração de um golpe que se prolongou por cerca de três anos e envolveu mais de R$ 724 milhões.

Segundo as investigações, 21 joias e três relógios Rolex, itens avaliados em R$ 6 milhões, foram levados pela quadrilha. O esquema também resultou no roubo de 16 obras de arte, tesouros assinados por nomes como Cicero Dias, Alberto Guignard, Di Cavalcanti e Rubens Gerchman, além de Tarsila.

Onze obras foram recuperadas na casa de Rosa Stanesco Nicolau. Os policiais arrombaram a porta do imóvel na Rua Maria Quitéria, onde encontraram a filha da vítima, Sabine Coll Boghici, e a dona do apartamento, que ainda tentou fugir pela janela. Segundo a polícia, Sabine e Rosa tinham uma união estável. Os quadros estavam embaixo da cama.

"Devidamente embalados, como se já estivessem prontos para uma venda", explicou Nilton Thaumaturgo, chefe do Serviço de Perícias de Merceologia do Instituto de Criminalística Carlos Éboli (ICCE), que constatou de forma preliminar a originalidade das telas.

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Entenda o caso

Essa história rocambolesca envolve duas famílias de origem romena: a de Jean Boghici, respeitado marchand e colecionador de arte radicado no Brasil, morto há sete anos, e a dos integrantes da quadrilha, formada por pessoas que se diziam videntes para aplicar golpes — algumas com registros na polícia feitos nos últimos 20 anos.

De acordo com o inquérito, em janeiro de 2020, na saída de uma agência bancária em Copacabana, a viúva de Boghici, hoje com 82 anos, foi abordada por Diana Rosa Aparecida Stanesco Vuletic. Apresentando-se como vidente, ela disse que a filha da viúva estava doente e morreria em breve. Convenceu a vítima a ir até seu apartamento, em Copacabana, onde teria jogado búzios e constatado o “evento trágico”. As duas seguiram para o Leme e uma segunda vidente, identificada como Jacqueline Stanescos, confirmou a previsão.

Em busca de uma “solução”, a viúva foi levada até a casa de Rosa Stanesco Nicolau, conhecida como Mãe Valéria de Oxóssi, na Rua Maria Quitéria. Lá, ela ofereceu trabalhos espirituais para a cura de Sabin, por R$ 5 milhões. A idosa conversou com a filha, já envolvida no golpe, e teria sido orientada a aceitar a proposta e providenciar o pagamento. As transferências foram efetuadas entre os dias 22 de janeiro e 5 de fevereiro de 2020. Dois beneficiados foram Ronaldo Ianov e Slavko Vuletic.

Dias após o início do tratamento espiritual, Sabine começou a isolar a mãe de pessoas com quem ela convivia regularmente. Também dispensou funcionários domésticos, sob a justificativa de preservá-la durante a pandemia. Com acesso ao imóvel, pessoas ligadas ao suposto tratamento espiritual aproveitavam essas ocasiões para pegar objetos de valor no apartamento. Alegavam que os itens estavam amaldiçoados e deveriam ser “rezados”.

Em fevereiro de 2020, desconfiada do envolvimento da filha com as falsas videntes, a idosa resolveu suspender os pagamentos. A partir daí, a vítima chegou a ser ameaçada por Sabine com uma faca no pescoço. E Rosa, ou “Mãe Valéria” passou a frequentar a residência para ameaçá-la pessoalmente. Em setembro de 2020, a idosa realizou 38 novas transferências para Gabriel Nicolau Traslaviña Hafliger, filho de Rosa, totalizando R$ 4 milhões. Afastada de amigos e parentes de janeiro de 2020 a abril de 2021, a viúva viveu situação que se caracteriza como crime de cárcere privado.

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Operação “Sol Poente”

Ao desarticular a quadrilha, a Polícia Civil prendeu Sabine Coll Boghici e outras três pessoas: Jacqueline Stanescos, Rosa Stanesco Nicolau e Gabriel Nicolau Traslaviña Hafliger. Diana Rosa Aparecida Stanesco Vuletic e Slavko Vuletic tiveram o mandado de prisão expedido, mas seguem foragidos. Os suspeitos são acusados dos crimes de estelionato, roubo, extorsão, cárcere privado e associação criminosa.

Rosa é mãe de Gabriel, que recebeu transferências bancárias da idosa, e irmã de Diana Rosa, que, por sua vez, é filha de Slavko Vuletic e nora de Ronaldo Ianov — ambos também receberam valores das extorsões praticadas. Jacqueline, outra das “videntes”, é prima de Diana e de Rosa.

Cinco das obras roubadas foram vendidas por Sabine para a galeria de arte de Ricardo Camargo, em São Paulo. O marchand explicou que, por conhecer a família Boghici, não desconfiou de nada. Ele devolveu três delas. Outras duas foram revendidas em 2021 para Eduardo Constantini, fundador do Museu de Arte Latino-Americana (Malba), em Buenos Aires, na Argentina. O colecionador emitiu nota dizendo que adquiriu obras por meio do galerista Ricardo Camargo e que “duas dessas obras pertenciam à filha de Boghici”. As telas são “Elevador social” (1966), de Rubens Gerchman, e “Maquete para meu espelho” (1964), de Antonio Dias. Eduardo afirma que mantém contato com a viúva de Boghici.

Em abril de 2021, a viúva usou uma chave reserva e escapou do apartamento onde era mantida em cárcere privado. Foi até a casa de uma amiga em busca de ajuda para ligar para uma clínica psiquiátrica e pedir a internação da filha. Sabine fugiu e não foi mais vista pela mãe.

De acordo com o delegado Gilberto da Cruz Ribeiro, em janeiro deste ano a própria idosa procurou a Deapti, acompanhada por um advogado, e denunciou a filha e todo o esquema.

"Ela levou quase um ano para fazer a denúncia. Estava muito amedrontada e com o sentimento de mãe. 'Como denunciar a minha filha?'", contou o delegado.

(O Globo)

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