Antonio Martínez Rivas, de 70 anos, enche o interior de um "Rei Leão" de pelúcia em sua Hospital dos Brinquedos, em Madri (AFP/AFP)
AFP
Publicado em 22 de dezembro de 2022 às 12h30.
De jaleco branco e segurando uma chave de fenda que será usada como bisturi, Antonio Martínez Rivas ouve um carro de controle remoto no "Hospital dos Brinquedos", localizado em Madri, uma oficina única que está prestes a fechar as portas após meio século de reparos.
Este apaixonado "médico", de 70 anos, que se aposentará em 31 de dezembro, trabalha em sua "mesa de cirurgia" poucos dias antes do último Natal que viverá em sua oficina.
"Agora sou eu que vão consertar", diz a um cliente esse homem de bigode grisalho e voz rouca, que luta contra um terceiro câncer.
Iluminada por um pálido néon e cercada por ferramentas e peças soltas, sua mesa de operação ocupa a lateral de uma oficina lotada até o teto de brinquedos coloridos.
Bonecas, jogos de tabuleiro, bichos de pelúcia, cavalos de madeira enviados por clientes espanhóis, mas também da França, do Reino Unido, de Portugal e até do Uruguai, povoam sua oficina, transformada em uma máquina que permite viajar no tempo até o início do século passado.
“Somos os únicos que se dedicam a [restaurar] todo o tipo de brinquedo” na Espanha, conta este madrilenho, que aprendeu o ofício com o pai.
Os clientes “que mais vêm são os adultos nostálgicos de algo que tiveram quando crianças”, conta Antonio.
“Tem quem diga: 'não mude nada, se colocar forro novo, deixe o que tem dentro, porque esse é o espírito do brinquedo'”, afirma.
David Hinojal, um cliente de 40 anos, foi buscar um macaco de pelúcia que grita quando sua barriga é apertada.
"É um presente que trouxe para minha sogra, do México, anos atrás", relembra.
"Ela faleceu, e temos muito carinho pelo bichinho de pelúcia", diz, com um sorriso.
A professora Julia Fernández chega de Barcelona com o marido para conhecer a oficina.
“Soubemos que o Hospital de Brinquedos ia fechar e achamos muito interessante ter a oportunidade de vir”, conta.
“É uma pena que fechem (...) porque é uma espécie de reciclagem de brinquedos, de estimular a reciclagem, de não consumir mais”, diz David Hinojal.
“Se continuarmos a jogar fora desse jeito, sem motivo, o lixo vai nos devorar”, defende Antonio, que porá fim a uma longa aventura familiar.
Em 1945, seu pai abriu uma pequena fábrica de brinquedos artesanais. Com o passar do tempo e com a chegada de brinquedos de plástico que não conseguia produzir, transformou o espaço em uma oficina de reparos.
“Quando voltava da escola, com 12, 13 anos, terminava o dever de casa e sentava com ele na bancada de trabalho”, lembra, ao explicar como aprendeu o ofício, uma mistura de bricolage, artesanato, relojoaria.
Antonio, que assumiu o lugar do pai na década de 1970 e não tem funcionários, enfrentou a chegada dos videogames, que diminuíram o interesse pelos brinquedos tradicionais.
“Agora estão todos com o tablet, o celular, ou o console do videogame", lamenta.
Nenhum de seus três filhos quis continuar no negócio, e os poucos aprendizes que passaram pela loja logo percebiam que o ofício dificilmente dava lucro, em meio a longas horas de trabalho na oficina e aos baixos salários.
“Depois de tantos anos de trabalho, tudo que fica são emoções e tristeza, porque tem um monte de clientes que não são mais clientes, são amigos”, afirma, baixando a cabeça.
Como despedida, os amigos que o ajudam na loja penduraram um cartaz no balcão onde se pode ler: "'Quase' tudo está à venda (o patrão não se deixou rotular)".