Os designers Kota Iguchi e Asao Tokolo, que criaram os símbolos dos Jogos de Tóquio (Divulgação/Divulgação)
GabrielJusto
Publicado em 1 de agosto de 2021 às 08h00.
Última atualização em 3 de agosto de 2021 às 18h32.
Não existe honraria maior para um atleta do que ser medalhista olímpico. Se for de ouro, então, nem se fala. Mas, no universo olímpico, existe um "hall da fama" ainda mais restrito e difícil de fazer parte do que o dos esportistas: o dos designers que assinam os visuais de cada uma das edições, definindo o "look and feel" e dando a "cara" dos Jogos.
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Cada edição dos Jogos Olímpicos tem apenas um emblema - que é escolhido através de um concurso com anos de antecedência. E entre estes, existem os mais marcantes, como os de Munique, em 1972, e do México, em 1968. Nesta edição, o emblema e a comunicação visual das Olimpíadas de Tóquio também conquistaram a simpatia do mundo todo, tanto pela simplicidade quanto pela inventividade do trabalho.
Em 2016, após o emblema originalmente escolhido ter sido descartado por suspeita de plágio, um novo logo, desenhado pelo designer japonês Asao Tokolo, se tornou o símbolo oficial dos Jogos. Composto por uma repetição de três formas geométricas básicas que se repetem formando um círculo, o emblema, em um tom de azul tradicional da cultura japonesa, representa a diversidade e a união - que já eram marcas do trabalho de Tokolo mesmo antes dos Jogos.
"Um conceito que sempre esteve presente no meu trabalho, e sempre vai estar, é que eu quero mostrar a conexão. Desde o momento em que abriram o concurso, eu pensei: 'o que eu consigo fazer, a partir desse meu estilo, que funcione para a Olimpíada? Onde eu consigo chegar?'", contou Tokolo em entrevista à EXAME, direto do Japão. Mais abaixo, você confere a entrevista completa com o designer - ou com o artista, como ele prefere ser chamado.
Outra novidade dessa edição dos Jogos Olímpicos foram os pictogramas. Presentes em todos os jogos desde a primeira edição japonesa, em 1964, desta vez os símbolos ganharam vida - se adaptando às necessidades modernas e aos suportes, cada vez mais tecnológicos. Responsável pela criação dos pictogramas animados, uma novidade dos jogos de 2020, o designer Kota Iguchi também falou à EXAME sobre os desafios e a responsabilidade de tocar um trabalho com um alcance tão grande.
Iguchi abriu o seu próprio estúdio de animação gráfica quando ainda estava na faculdade, há mais de 10 anos, "em uma época em que ainda estávamos no começo deste tipo de mídia", explicou ele. "Os protagonistas são os atletas, mas para mim também era um sonho participar de alguma forma das Olimpíadas."
Na entrevista, que você também confere na íntegra mais abaixo, Iguchi contou que esportes como a vela e o hipismo foram especialmente difíceis de representar, por incluir movimentos alheios aos do corpo humano, e comemorou que os Jogos de Inverno de Pequim, em 2022, também terão pictogramas animados. Estaria Iguchi, portanto, iniciando uma tradição?
"Recriar esses movimentos foi um aprendizado muito grande, pois ali estão os melhores modelos para uma pessoa que faz design de movimentos", conta ele. "Para os Jogos de Inverno de 2022, em Pequim, pictogramas em movimento já foram produzidos por criadores de lá. Se continuarem passando este bastão nos Jogos ao redor do mundo, este novo desafio será herdado para as próximas gerações. Aguardo ansiosamente para que isso aconteça."
Confira a entrevista completa com Asao Tokolo, designer do emblema dos Jogos Olímpicos de Tóquio
EXAME: Qual a importância do design na realização de um evento do porte de uma Olimpíada? Como ele ajuda a compor a experiência dos Jogos?
Asao Tokolo: Sendo bem sincero, quando escolheram o meu emblema no concurso, eu não tinha nenhuma expectativa, não pensei muito sobre isso. Eu senti, claro, uma alegria de ser escolhido. Mas só depois, quando o meu nome foi divulgado, diversos veículos de imprensa vieram conversar comigo e eu comecei a ver esse emblema sendo reproduzido em todo lugar como um símbolo da Olimpíada, que eu comecei a sentir o peso de fazer um emblema para um evento desse tamanho. Depois que eu comecei a conversar com a organização do evento, aí sim a minha ficha caiu: realmente, isso é uma coisa importante.
Só depois, também, passou pela cabeça que esse emblema será, pra sempre, passado de geração em geração. Assim como eu consegui sentir a história das edições passadas da Olimpíada ao ver os emblemas antigos, com certeza as pessoas sentirão o mesmo ao ver o meu emblema. Eu, com certeza, quero que meu filho olhe esse emblema e diga "esse foi o meu pai que fez".
Como foi o seu processo criativo e por que você acha que o seu emblema foi o escolhido? O que ele tem de especial?
Um conceito que eu sempre carreguei no meu trabalho é que eu quero mostrar a conexão. Essa conexão tem várias formas de interpretação, mas o que eu digo é em relação à obra mesmo. Desde o momento que eles abriram esse concurso, eu pensei: "o que eu consigo fazer, a partir desse meu estilo, que funcione para a Olimpíada? Onde eu consigo chegar?"
Duas coisas que eu sempre coloco no meu trabalho, e que talvez sejam o elemento especial, são o pensamento matemático e a referência à simplicidade do Japão em representar as coisas. O Japão sempre teve essa característica artística. Por isso, eu apostei nessa simplicidade do Japão.
Você pode me contar algumas dessas referências?
Quando vemos o ukiyo-e, um desenho tradicional japonês do periodo Edo, ele tem bem menos cores que os desenhos ocidentais, que mesclam diversas cores em um mesmo desenho. É uma coisa mais monotom. Não é que ele é menos representativo, mas é uma outra forma de apresentação. Já o Edo Kumon é um tipo de desenho que utiliza apenas duas cores (branco com azul, ou branco com vermelho, ou branco com preto) para representar algo.
Por fim, tem ainda a base matemática, que está sempre presente, deixando tudo como se fosse um puzzle. Eu vou pegando as pecinhas, vou colocando e formando milhares de junções possíveis. Uma delas é o que se tornou o emblema. Mas apesar de estar te dizendo isso, eu sou péssimo em matemática, não tenho nada a ver com isso. Mal consigo fazer contas.
Mas quanto tempo você levou para desenvolver o emblema?
Sendo muito sincero, eu não consigo te dizer isso exatamente. Na minha adolescência, eu queria ser arquiteto: meu pai era, eu estudei para e inclusive trabalhei como arquiteto. Por isso, desde criança eu já brincava com os compassos, triângulos e réguas que o meu pai usava para trabalhar, o que me deu intimidade com essas ferramentas e com as linhas que elas desenhavam - mesmo antes de trabalhar com computadores.
Essa coisa de fazer um desenho mesmo, desenhando à mão, é algo que eu continuo fazendo. Os desenhos Edo Kumon são uma referência para mim há pelo menos 10 anos, e essa coisa de fazer um desenho que é uma junção de linhas é algo que já faz parte do meu trabalho e do meu pensamento criativo há muito tempo.
Quando eu paro para criar um desenho, normalmente eu não faço cálculos, mas sim vou usando essas ferramentas para desenhar formas e linhas que vão se interligando entre si. Enquanto um matemático faz 10 mil fórmulas para chegar em uma forma ou desenho ideal, eu faço um trabalho só.
Eu penso: "posso ser muito lento para pensar nisso e chegar nesse único resultado. Mas se ele for satisfatório para mim, está bom". Meu processo criativo é assim e, por isso, eu não sei dizer quanto tempo eu demorei para fazer esse emblema. Eu usei muitos estudos que eu já tinha feito e fui compilando para conseguir chegar nele.
Qual é o sentimento de representar o seu país fazendo parte desse grupo tão seleto de designers "olímpicos"?
Em primeiro lugar, muitas pessoas me colocam como designer. Mas eu prefiro ser creditado como artista. Em japonês, existem duas formas de falar "artista": uma no sentido de artista plástico, e outra no sentido de designer publicitário, que cria artes para uma marca, para empresas, moldando o seu lado criativo de acordo com a necessidade daquele cliente.
Nesse ponto, eu acho que eu sou mais artista, porque eu sempre trabalhei pra mim, colocando o que eu gosto no meu trabalho. Por isso eu falo que sou um artista. Eu realmente gosto muito dos emblemas de 64, 68 e 72 - são minhas três referências, tanto para esse trabalho para a Olimpíada quanto para a minha vida.
Uma coisa muito importante que eu vejo um pouco diferente do resto do mundo é que os japoneses não assinam suas obras. Normalmente, por aqui, as obras são conhecidas, mas o artista ou as referências por trás não ganham tanta notoriedade. Tem dois aspectos aí: um, o artista não se importa muito com isso e, dois, dessa maneira ele não responde pela obra, seja a crítica positiva ou negativa. Eu não. Eu quero responder por esse trabalho.
Provavelmente, com o passar das Olimpíadas, as minhas possibilidades criativas e de trabalho fiquem mais restritas por conta da visibilidade que esse trabalho teve. Mas eu não quero ser resumido a isso. Eu quero mostrar mais das minhas obras e do meu trabalho, e quero fazer isso através do meu nome. Na Japan House em Londres, por exemplo, eu vou ter uma atividade com eles, e quero cada vez mais, como um artista, mostrar o que eu faço.
Confira a entrevista completa com Kota Iguchi, designer responsável pelas animações dos pictogramas das Olimpíadas de Tóquio
EXAME: Os pictogramas agora são animados. De onde veio essa ideia e por que fazer assim?
Kota Iguchi: Dizem que o surgimento do pictograma pela primeira vez, nos Jogos de Tóquio de 1964, foi por conta de o Japão ser a primeira sede da competição onde o alfabeto romano não era muito difundido, e tiveram como ponto de partida para a comunicação o Emoji (Desenhos que significam palavras/letras).
Eu compreendo este sentimento e acho o raciocínio bem japonês, pois quando essa ideia é aplicada à era atual, movimentar os pictogramas se torna um processo natural. Além de celulares e computadores, existem muitas sinalizações digitais em Tóquio. Ao considerar a fusão com a tecnologia, acho que isso foi significativo para uma evolução.
Todos os designers de pictograma de edições passadas falam sobre a dificuldade de representar um movimento com um símbolo estático - o que certamente não foi um problema dessa vez. Qual foi, então, o desafio?
Muitos momentos dos pictogramas que o Sr. Masaaki Hiromura e seu time criaram, fazem sentido pois estão estáticos. Por exemplo, no futebol é um pictograma estático do momento do chute. Mas por conta da postura do corpo e a posição da bola, ficaria muito estranho se ele só chutasse a bola. Então, eu coloquei um drible chamado Giro de Marselha (roleta/360) antes e ficou um movimento de driblar e chutar.
Esses desafios causados pela movimentação do pictograma são totalmente diferentes dependendo da competição. Então decidi encarar um a um, mudando as ideias e ponto de vista. Até ficarem todos prontos, eu tive vários acertos e erros e estava muito preocupado se conseguiria expressar de forma bela e de fácil compreensão os movimentos escolhidos.
Os pictogramas tem um movimento bastante suave e gentil. Você e sua equipe trabalharam com essa ideia de transmitir essa característica do povo japonês através desses movimentos?
Acho que tem uma influência no fato do pictograma estático dos Jogos de Tóquio 2020 ser produzido de acordo com um sistema em que a cabeça é circular, o corpo é branco e os membros são arqueados. Eu movimento as coisas em 3D com base na trajetória de uma esfera e acredito que isso está ligado à suavidade e flexibilidade.
Eu também utilizo muito a mudança de ponto da visão (trabalho de ângulo de câmera). Esse tipo de pensamento onde, com uma ligeira mudança de perspectiva, aparecem as “mudanças” ou se apresenta o “ma” (conceito japonês do espaço), é uma forma muito utilizada por animações japonesas.
Quais foram os esportes mais difíceis de representar? E como captar tantos movimentos diferentes com coesão?
Competições como vela e hipismo foram difíceis de representar, pois o movimento não se completa só com o “corpo”. Para essas modalidades, ouvi opiniões de muitos especialistas. Além disso, o softball e beisebol são esportes que tenho contato desde a minha infância, então foi muito divertido movimentar.
Porém, ao mesmo tempo, a intimidade com esses esportes tornou o trabalho inesperadamente difícil, uma vez que eu já tinha muitas preconcepções refletidas ali. Ao estudar os movimentos dos atletas, eu relembrava dos momentos e ficava pensando “Ah! Então eu não consegui acertar naquele momento por conta desse movimento que fiz!”
O que esse trabalho representa para a sua carreira?
Por mais de 10 anos, desde que fundei a empresa com meus colegas quando estava na faculdade, trabalhamos "movimentando" os desenhos gráficos em uma época em que ainda estávamos no começo deste tipo de mídia. Quando o projeto das Olimpíadas surgiu, eu coloquei nele todas as habilidades que havia aprendido e aperfeiçoado durante todo esse tempo.
Consegui executar algo que me deixou satisfeito. Os jogos Olímpicos exigem o máximo do corpo, refletindo assim a forma mais completa do "movimento" que seria o ideal. Recriar esses movimentos foi um aprendizado muito grande, pois ali estão os melhores modelos para uma pessoa que faz design de movimentos.
Além disso, como criador, tenho orgulho de ter conseguido participar da história dos pictogramas e me juntar a este grandioso trabalho que nossos antecessores construíram. Também fico muito feliz por ter conseguido corresponder com o espírito de um artesão, com o espírito esportivo.
Os protagonistas são os atletas, mas para mim também era um sonho participar de alguma forma das Olimpíadas. Quero aproveitar esta experiência maravilhosa e usá-la como bagagem para os meus próximos trabalhos.
Você acredita que esse novo jeito de fazer pictogramas olímpicos se tornará um padrão para as próximas edições dos Jogos?
Para os Jogos de Inverno de 2022, em Pequim, pictogramas em movimento já foram produzidos por criadores de lá. Estou bastante esperançoso e ansioso para descobrir se os Jogos de Paris (2024) e Los Angeles (2028), assim como os que virão na sequência, terão pictogramas em movimentos.
Se continuarem passando este bastão nos jogos ao redor do mundo, este novo desafio – iniciado nos Jogos de Tokyo 2020 - será herdado para as próximas gerações. Aguardo ansiosamente para que isso aconteça.
Chamado de Lounge Esportivo: Tokyo 2020, a exposição fica em cartaz até o dia 12 de setembro. O lounge traz novidades esportivas e informações sobre a organização das competições, incluindo as novas modalidades esportivas, como o surf e o skate, estreantes nos Jogos, além do beisebol e do softbol, que retornam ao calendário olímpico este ano. O evento também vai dar destaque ao karatê, modalidade indicada pelo país anfitrião. Essas modalidades terão um espaço especial, com projeções mapeadas e monitores de TV apresentando os principais movimentos, manobras e golpes, além de conteúdos e informações relevantes para que os visitantes possam conhecer suas histórias, regras e curiosidades.