O número de brasileiros que estão trabalhando de casa e ganhando em dólares aumenta cada ano (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Matheus Doliveira
Publicado em 7 de dezembro de 2020 às 17h28.
Última atualização em 11 de dezembro de 2020 às 13h10.
No mês passado, Laura Pauli preparou uma mala e viajou de sua casa em São Francisco, nos Estados Unidos, até a Escola Moderna para Adultos (Modern Elder Academy, no original em inglês) — um resort sofisticado na Península de Baja (México), para aprendizado e reflexão na meia-idade. Pauli precisava de uma pausa e de um tempo para refletir sobre “o que vem agora” após um meio de ano estressante. Ela foi demitida de seu emprego na área de marketing de uma empresa de software em junho, e logo depois se ofereceu como voluntária para preparar refeições para os primeiros socorristas em áreas de incêndio na Califórnia.
“Sempre tive um pé e meio na indústria de tecnologia e meio pé na cozinha, e agora eu meio que quero inverter essa proporção”, diz Pauli, de 56 anos. “Para chegar a essa conclusão, tive de mudar de ambiente e me ver em um lugar onde me sentisse inspirada.”
Cansaço? Estafa? Burnout? Faça da pandemia uma oportunidade de reset mental
A Modern Elder Academy (MEA) é voltada para homens e mulheres que estão em sua maioria na casa dos 40, 50 e 60 anos, e têm de lidar com transições no trabalho e na vida. Foi lançada há dois anos pelo executivo do setor de hotelaria Chip Conley. Ele próprio já lidou com mudanças e desafios significativos nos últimos anos, entre eles vender a Joie de Vivre, a rede de hotéis butique que fundou e administrou durante 24 anos, e se recuperar de um acidente que quase lhe custou a vida.
“A meia-idade é um período tão vulnerável, cheio de transições estressantes, e, no entanto, não existem redes de apoio ou rituais de passagem para nos orientar do mesmo modo que os mais jovens têm graduações, casamentos e outros rituais”, diz o sexagenário Conley.
Nos primeiros 18 meses de vida, a MEA recebeu mais de 750 homens e mulheres em grupos pequenos, de aproximadamente 20 pessoas, para oficinas de cinco ou sete dias. Os encontros pararam em março, com a pandemia de coronavírus.
Quando os lockdowns começaram a ser suspensos no início do verão, Conley reformulou os programas para garantir um ambiente seguro e atender à nova demanda, especialmente de pessoas que tinham perdido seu emprego durante a pandemia ou que estão questionando como passar o resto de sua vida.
Em vez de estadias de semanas repletas de aulas e atividades em grupo, a MEA oferece sessões de períodos sabáticos durante pelo menos duas semanas ou mais. Os alunos, como são chamados os hóspedes, passam mais tempo sozinhos e se reúnem aos outros do lado de fora para refeições e oficinas sobre temas como “inventando uma segunda carreira” e “desenvolvimento cerebral na meia idade”. A mensalidade, que inclui hospedagem e refeições, é de 3.500 dólares por um sabático de duas semanas, em vez dos 5.500 dólares das oficinas semanais pré-covid. O preço mais baixo reflete o número menor de palestras e outras atividades e menos benefícios, como as massagens grátis e transporte gratuito do aeroporto.
Mais de 80% dos lugares já estão reservados até março.
Os ajustes que Conley vem fazendo — desde estabelecer protocolos de distanciamento social a promover estadias mais longas por preços menores — poderiam servir de modelo para outros empreendedores do setor de hotelaria que estão lutando para manter suas empresas durante a pandemia. A ocupação nos hotéis americanos era de apenas 48% no fim de outubro, número que praticamente não mudou desde julho, segundo a STR, empresa que monitora dados do setor hoteleiro.
Homens e mulheres de todas as idades, contudo, têm se mostrado dispostos a viajar durante a pandemia se acreditarem que conseguem manter e até melhorar sua saúde física e mental, além de obter conhecimento valioso, segundo Jake Hauper, cofundador do Conselho de Viagens Transformacionais (Transformational Travel Council, em inglês). Mais da metade dos 21.500 viajantes globais ouvidos pelo Booking.com no ano passado disse que aprendeu "táticas valiosas pra vida" em viagens recentes e que buscaria programas semelhantes outra vez em viagens futuras.
As sessões sabáticas da MEA agradaram Pauli, que se sentiu segura sabendo que conseguiria se abrigar em um lugar durante várias semanas e gostaria de instruções enquanto decide se procura outro emprego em marketing no setor de tecnologia ou se parte para o empreendedorismo usando seu treino prévio como chef. O campus da MEA fica em uma área remota de uma propriedade na praia que inclui várias chácaras com decoração estilosa, uma piscina de quase 8 metros, um estúdio de massagem, uma biblioteca e "várias áreas particulares a céu aberto para se passar o tempo pensando, lendo e escrevendo", diz Pauli.
Ela teve aulas de ioga, começou a meditar e participou de oficinas e debates com outros estudantes. Pauli decidiu escrever um livro de receitas com os pratos que criou para os jantares via Zoom e festas de brunch que organizou para amigos durante o lockdown na primavera, e então escreveu o esqueleto do livro. Após oito dias na MEA, decidiu esticar a estadia de duas para seis semanas.
“Estou aprendendo que minha jornada ‘o que vem agora’ envolve mais coisas do que mudar de emprego ou de relacionamento. Tem a ver com transformar mentalidades fixas — por exemplo, pensar ‘não consigo fazer isso’ ou ‘estou muito velha pra isso’”, diz Pauli, que planeja manter contato com outros alunos da MEA quando voltar para casa. “É algo que exige tempo, paciência e apoio de outras pessoas.”
Tradução por Fabrício Calado Moreira
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