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Ray Kurzweil, famoso por acertar previsões: IA será mais inteligente que humanos e vamos coexistir

Visionário de IA do Google e um dos mais aclamados futuristas do planeta, Ray Kurzweil lança mundialmente "A Singularidade está mais próxima". Leia trecho exclusivo

Ray Kurzweil. (Divulgação/Divulgação)

Ray Kurzweil. (Divulgação/Divulgação)

Gilson Garrett Jr.
Gilson Garrett Jr.

Repórter de Lifestyle

Publicado em 16 de setembro de 2024 às 18h21.

O visionário da IA do Google e um dos mais renomados futuristas do mundo, Ray Kurzweil, acaba de lançar mundialmente "A Singularidade está mais próxima", sequência de seu best-seller de 2005, "A Singularidade está próxima", onde previu a chegada do iPhone e a vitória de um computador sobre um humano no xadrez.

Nesta nova obra, publicada no Brasil pelo selo Goya, da editora Aleph, Kurzweil aprofunda sua análise sobre as transformações tecnológicas que estão moldando a sociedade. Ele explora o futuro, onde a fusão entre inteligência artificial e biotecnologia redefine o conceito de humanidade.

Kurzweil defende que estamos à beira de um ponto crucial na história: o momento em que a inteligência das máquinas superará a dos humanos. Para ele, isso não será o fim, mas um novo começo, em que humanos e máquinas inteligentes coexistirão harmoniosamente.

O livro, com 400 páginas, está disponível no Brasil por R$ 99,90. Veja a seguir um trecho exclusivo.

A Singularidade está mais próxima. (Reprodução/Reprodução)

CAPÍTULO 4

A vida está ficando exponencialmente melhor

O consenso público é o oposto

Tenha em mente a seguinte notícia de última hora: a extrema pobreza em todo o mundo caiu 0,01% hoje!

E esta também acabou de chegar: desde ontem, os índices de alfabetização aumentaram 0,0008%!

E esta: a proporção de domicílios com vaso sanitário aumentou hoje em 0,003%!

E as mesmas coisas aconteceram ontem.

E anteontem.

Se tais avanços não lhe parecem empolgantes, esse deve ser um dos motivos pelos quais você não ouviu falar deles.
Tais sinais de progresso, e muitos exemplos parecidos, não chegam às manchetes porque, na verdade, não são novidades. Faz anos que as tendências positivas do dia a dia vêm progredindo e, a taxas mais lentas, isso já ocorre há décadas e séculos.

Quanto aos exemplos que acabei de mencionar, de 2016 a 2019 — o período de tempo mais recente para o qual existem abrangentes dados disponíveis no momento em que escrevo estas linhas —, o número estimado de pessoas em situação de extrema pobreza no mundo inteiro (medida pela referência de viver com menos de 2,15 dólares por dia, em valores de 2017) diminuiu de cerca de 787 milhões para 697 milhões. Se essa tendência se manteve mais ou menos constante até o presente em termos de declínio percentual anual, ela corresponde a uma queda de quase 4% ao ano, ou cerca de 0,011% por dia. A despeito das consideráveis incertezas sobre o número exato, podemos ter razoável convicção de que o valor está correto dentro de uma ordem de grandeza.

Entretanto, a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) concluiu que de 2015 a 2020 (mais uma vez, os dados mais recentes disponíveis) o índice de alfabetização mundial aumentou de 85,5% a 86,8%. Isso representa uma média diária de cerca de 0,0008%. E, durante o mesmo período de 2015 a 2020, estima-se que a proporção da população mundial com acesso a instalações sanitárias “básicas” ou “geridas de forma segura” (banheiro com descarga ou similares) aumentou entre 73% e 78%. Isso se traduz em uma melhoria média de cerca de 0,003% por dia. Várias tendências semelhantes se revelam o tempo todo. No entanto, essas descobertas por si só já estão bem documentadas.

Analisei o acentuado impacto positivo da mudança tecnológica no bem-estar humano em meus livros A Era das Máquinas Espirituais (1999) e A Singularidade Está Próxima (2005), e em inúmeras palestras e artigos desde então. Em seu livro Abundância: o Futuro é Melhor do que Você Imagina (2012), Peter Diamandis e Steven Kotler demonstram com riqueza de detalhes que estamos caminhando para uma era de fartura de recursos que costumava ser caracterizada pela escassez. E em seu livro O Novo Iluminismo: Em Defesa da Razão, da Ciência e do Humanismo (2018), Steven Pinker descreve o contínuo progresso que está sendo feito em uma vasta gama de áreas de impacto social.

Neste capítulo, a minha ênfase recai especificamente sobre a natureza exponencial desse progresso, sobre como a Lei dos Retornos Acelerados é o motor fundamental de muitas tendências individuais que podemos observar e sobre como o resultado será uma drástica melhoria da maioria dos aspectos da vida no futuro próximo — não apenas no mundo digital. Antes de analisarmos em detalhes alguns exemplos específicos, é importante começar com uma clara compreensão conceitual dessa dinâmica.

Eventualmente, meu trabalho tem sido caracterizado, de maneira equivocada, como a peremptória afirmação de que a própria mudança tecnológica é inerentemente exponencial e que a Lei dos Retornos Acelerados se aplica a todas as formas de inovação. Essa não é a minha opinião. Na verdade, essa lei descreve um fenômeno em que certos tipos de tecnologia criam ciclos de feedback que aceleram a inovação. Em termos gerais, são tecnologias que nos dão maior domínio sobre as informações — reunindo-as, armazenando-as, manipulando-as, transmitindo-as —, o que torna a própria inovação mais fácil. A invenção da prensa barateou o preço dos livros o suficiente para que a educação pudesse se tornar acessível à geração seguinte de inventores. Os computadores modernos ajudam os designers de chips a criar a nova geração de CPUs mais rápidas. A banda larga mais barata torna a internet mais útil para todos, porque mais pessoas podem compartilhar on-line as suas ideias. A curva exponencial mais famosa da mudança tecnológica, a Lei de Moore, é, portanto, apenas uma manifestação desse processo mais profundo e fundamental.

Exemplos de mudanças rápidas que não são abrangidas por essa lei incluem a velocidade da tecnologia de transporte — como o tempo de viagem da Inglaterra aos Estados Unidos. Em 1620, o navio Mayflower levou 66 dias para fazer a travessia do oceano. Por ocasião da Guerra de Independência dos Estados Unidos, em 1775, as melhorias na tecnologia de construção naval e de navegação reduziram o tempo para cerca de quarenta dias. Em 1838, o navio a vapor com rodas de pás Great Western completou a viagem em quinze dias, e em 1900 o transatlântico Deutschland, de quatro chaminés e movido a hélices, fez o percurso em cinco dias e quinze horas. Em 1937, o transatlântico de propulsão turboelétrica Normandie reduziu o périplo para três dias e 23 horas. Em 1939, o primeiro serviço dos hidroaviões da Pan Am levou apenas 36 horas, e, em 1958, a primeira companhia aérea a jato conseguiu completar a viagem em menos de dez horas e meia. Em 1976, o supersônico Concorde reduziu essa viagem para apenas três horas e meia!

Sem dúvida, parece ser uma tendência exponencial em aberto — mas não é. Desde a aposentadoria do Concorde em 2003, a rota Londres-Nova York voltou a durar mais de sete horas e meia. Há uma série de razões econômicas e técnicas específicas pelas quais o transporte transatlântico deixou de ficar mais veloz. Porém, a razão subjacente mais profunda é que a tecnologia de transporte não cria ciclos de feedback. Os motores a jato não são utilizados na construção de melhores motores a jato. Portanto, a certa altura, os custos de adicionar velocidade extra superam os benefícios de mais inovação.

O que torna a Lei dos Retornos Acelerados tão poderosa para as tecnologias de informação é que os ciclos de feedback mantêm os custos da inovação inferiores aos benefícios, de modo que o progresso continua. E, à medida que a inteligência artificial ganha aplicabilidade em um número cada vez maior de campos, as tendências exponenciais que agora são conhecidas na computação começarão a se tornar visíveis em áreas como a medicina, em que antes o progresso era muito moroso e dispendioso. À medida que a IA expandir em ritmo veloz sua amplitude e capacidade no decorrer da década de 2020, isso transformará de forma drástica áreas que normalmente não consideramos como tecnologias de informação, como alimentos, vestuário, habitação e até mesmo o uso da terra.

Agora, estamos nos aproximando da abrupta inclinação dessas curvas exponenciais. É por isso, em suma, que nas próximas décadas a maioria dos aspectos da vida melhorará exponencialmente.

O problema é que a cobertura jornalística distorce de maneira sistemática a nossa percepção sobre essas tendências. Como qualquer romancista ou roteirista poderá dizer, captar o interesse do público requer quase sempre um elemento de perigo ou conflito cada vez mais intenso. Da mitologia antiga aos filmes Star Wars, esse é o padrão que prevalece. Como resultado — por vezes de caso pensado, por vezes de forma bastante orgânica —, o noticiário tenta emular esse paradigma. Os algoritmos das redes sociais, que são otimizados para maximizar a resposta emocional a fim de impulsionar o engajamento dos usuários — e, portanto, as receitas publicitárias —, exacerbam ainda mais essa situação. Isso cria um viés de seleção em relação a histórias sobre crises iminentes, ao mesmo tempo que relega lá para o final dos nossos feeds de notícias os tipos de manchete citados no início deste capítulo.

Nossa atração pelas más notícias é, na verdade, uma adaptação evolutiva. Historicamente, sempre foi mais importante para a nossa sobrevivência prestar atenção às dificuldades potenciais. Aquele farfalhar nos arbustos podia ser um predador à espreita, por isso fazia sentido concentrar-se nessa ameaça em vez de no fato de as colheitas terem melhorado 0,1% desde o ano anterior.

Não surpreende que os humanos que evoluíram para uma vida de subsistência em bandos de caçadores-coletores não tenham desenvolvido um instinto mais aguçado para pensar em mudanças positivas graduais. Ao longo da maior parte da história humana, as melhorias na qualidade de vida foram sempre tão ínfimas e frágeis que passavam longe de ser perceptíveis, mesmo no decorrer de uma vida inteira. Na verdade, essa situação da Idade da Pedra perdurou durante toda a Idade Média. Na Inglaterra, por exemplo, o Produto Interno Bruto (PIB) per capita estimado (em libras esterlinas de 2023) do ano de 1400 foi de 1.605 libras. Se uma pessoa nascida nesse ano vivesse até os 80 anos, o PIB per capita no momento de sua morte seria exatamente o mesmo. Para alguém nascido em 1500, o PIB per capita na ocasião de seu nascimento teria caído para 1.586 libras, e oitenta anos depois se recuperaria para apenas 1.604 libras. Compare isso com uma pessoa nascida em 1900, que ao longo de oitenta anos viu um salto de 6.734 libras para 20.979 libras. Portanto, não se trata apenas do fato de que a nossa evolução biológica não fez os ajustes necessários para que nos concentrássemos no progresso gradual, mas nossa evolução cultural também não nos preparou para isso. Não há nada em Platão ou Shakespeare que nos peça para prestar atenção ao gradual progresso material na sociedade, porque isso não era perceptível na época em que viveram.

Uma versão moderna de um predador escondido nos arbustos é o fenômeno de as pessoas monitorarem constantemente suas fontes de informação, incluindo redes sociais, em busca de acontecimentos que possam colocá-las em perigo. De acordo com Pamela Rutledge, diretora do Media Psychology Research Center, “monitoramos continuamente os eventos e perguntamos: ‘Tem alguma coisa a ver comigo? Estou em perigo?’”. Isso impede nossa capacidade de avaliar acontecimentos positivos que se desenrolam mais lentamente.

Outra adaptação evolutiva é a tendência psicológica bem documentada de recordar o passado como uma época melhor do que de fato foi. As lembranças de dor e sofrimento desaparecem mais rapidamente do que as lembranças positivas. Em um estudo de 1997, realizado pelo psicólogo Richard Walker, da Universidade Estadual do Colorado, os participantes classificaram os acontecimentos em termos de prazer e dor, e depois os avaliaram de novo três meses, dezoito meses e quatro anos e meio depois. As reações negativas desapareceram muito mais rápido do que as positivas, enquanto as lembranças agradáveis perduraram. Um estudo de 2014, realizado em países como Austrália, Alemanha e Gana, entre outros, mostrou que esse “viés de apagamento da emoção negativa” é um fenômeno mundial.

“Nostalgia”, termo criado pelo médico suíço Johannes Hofer em 1688, combinando as palavras gregas nostos (regresso à casa) e algos (dor, angústia ou anseio), é mais do que apenas reminiscências afetuosas; é um mecanismo de enfrentamento para lidar com as aflições do passado, transformando-as. Se a dor do passado não desaparecesse, ficaríamos para sempre paralisados por ela. As pesquisas científicas corroboram esse fenômeno. Um estudo realizado pelo professor de psicologia Clay Routledge, da Universidade Estadual da Dakota do Norte, analisou o uso da nostalgia como mecanismo de enfrentamento e descobriu que os participantes que escreveram sobre um acontecimento nostálgico positivo apresentavam níveis mais elevados de autoestima e laços sociais mais fortes. Dessa forma, a nostalgia é útil tanto para o indivíduo quanto para a comunidade.

Quando rememoramos nossas experiências passadas, a dor, as angústias e as adversidades já desapareceram, e tendemos a nos lembrar de aspectos mais positivos da vida. Por outro lado, quando pensamos no presente, estamos altamente conscientes de nossas preocupações e dificuldades atuais. Isso leva à impressão, muitas vezes falsa, de que o passado foi melhor do que o presente, apesar das esmagadoras evidências objetivas indicando o contrário.

Também temos um viés cognitivo de exagerar a predominância de más notícias em meio a acontecimentos comuns. Um estudo de 2017 demonstrou que a percepção das pessoas sobre pequenas flutuações aleatórias (como alternância de dias bons ou dias ruins no mercado de ações, temporadas de furacões fortes ou suaves, aumento ou diminuição dos índices de desemprego) reduz a chance de que essas flutuações sejam interpretadas como aleatórias se forem negativas. Em vez disso, as pessoas suspeitam que essas variações indicam uma tendência de piora mais ampla. O cientista cognitivo Art Markman resumiu assim um dos principais resultados: “Quando perguntávamos aos participantes se determinado gráfico indicava uma mudança fundamental na economia, sua resposta mais provável era considerar uma ligeira alteração como a indicação de uma mudança de grandes proporções, nos casos em que isso significava que as coisas estavam piorando e não que as coisas estavam melhorando”.

Essas pesquisas sugerem que estamos condicionados a esperar entropia — a ideia de que o estado-padrão do mundo é que as coisas se desintegrem e piorem. Isso pode ser uma adaptação construtiva, preparando-nos para contratempos e motivando a ação, mas representa um forte viés que obscurece as melhorias na condição da vida humana.

Esse ponto tem um impacto concreto na política. Uma sondagem do Public Religion Research Institute concluiu que 51% dos norte-americanos, em 2016, julgavam que “a cultura e o modo de vida estadunidenses mudaram para pior desde a década de 1950”. No ano anterior, uma pesquisa da YouGov concluiu que 71% da população britânica acreditava que o mundo vinha piorando progressivamente, e apenas 5% considerava que estava melhorando. Essas percepções incentivam os políticos populistas a prometerem restaurar as glórias perdidas do passado, por mais que esse passado tenha sido drasticamente pior em quase todas as métricas objetivas de bem-estar.

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